(2001) Renata: Então será sapo para sempre

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Correndo o risco de soar horrivelmente mimada e mal-acostumada, o jantar estava sendo uma decepção. Estávamos em um restaurante em frente à praia, Eddie pediu lagosta e o vinho mais caro do menu, ele estava lindo e cheiroso do jeito que o diabo gosta. A gente estava se divertindo pra caramba, como faz sempre, e... era isso. Teatrinho de casal, sabe? Imagino que as pessoas sentadas à nossa volta olhavam para mim e me achavam a pessoa mais sortuda do mundo, eu deveria me sentir a pessoa mais sortuda do mundo, mas estava me sentindo parte de uma armação. Sei lá, de uma novela. Tudo muito lindo pra inglês ver.

As meninas me questionaram, mais cedo, a importância do "eu te amo". Bom, um "eu te amo" tiraria aquele jantar do reino da ilusão e o tornaria realidade.

E, afinal, qual era o propósito daquele jantar? Não que o Eddie não me levasse a restaurantes caros. Aliás, tudo com o Eddie é caro e luxuoso, mas não via a necessidade de deixar nossas amigas para trás e tomando conta da nossa filha só para que a gente saísse para jantar em uma noite completamente comum. Tinha certeza que aquela era uma ocasião especial, mas o jantar terminava, nada acontecia, e começava a achar que estava alucinando.

Eddie pagou a conta, eu com a cara no chão, me imaginando voltando para casa e dizendo para Malu e Kate que absolutamente nada havia acontecido, e quando automaticamente tomei a direção do carro, ele pegou a minha mão.

-Vem cá, quero te mostrar uma coisa.

-Onde?

-Na praia.

-Eddie, eu estou de salto.

-Vou te mostrar um truque incrível.

Ele se abaixou, desafivelou as minhas sandálias, quase como Cinderela de trás para frente. Coloquei os pés descalços no chão e Eddie deu seu meio sorriso:

-Viu? Agora você pode ir à praia.

Meu Deus, o que seria aquilo? Tirando quando movida pelo desespero (ou seja, inventar mentiras para os meus pais me deixarem sair de casa quando era mais nova para ir a alguma festa), eu normalmente sou a pessoa mais sem imaginação do universo. Com uma das mãos, Eddie continuava segurando as minhas sandálias, e com a outra me guiou até a praia atrás do restaurante, eu sem ter ideia do que encontraria além de areia e mar. Chegamos e havia um tabuleiro gigante.

-O que é... Eddie, isso é Sudoku?

-Uma das coisas que eu acho mais incríveis em você é você saber o que fazer com números.

-Você quer que eu resolva? – Perguntei, atônita e um pouco maravilhada.

-Vai em frente.

-É como um fetiche? – Ainda na dúvida se ria ou fugia.

-Não tem nada mais sexy que uma mulher linda resolvendo um Sudoku gigante em uma praia na Sardenha – Ele piscou e me entregou um Pilot.

Eu ri. Eddie é tão sedutor. Sedutor demais pro meu próprio benefício.

Era um jogo comum e bem simples. No meio de cada espaço, havia um quadro pequeno para eu escrever o número. Resolvo esses quebra-cabeças desde sempre, em jornais, revistas, livros, sempre que encontro um, não consigo parar, como a minha mãe fazia com palavras cruzadas. Não levei muito tempo e ele estava resolvido. Achei que tivesse realizado o fetiche do Eddie e, na sequência, ele fosse me derrubar na areia para praticar sexo público em frente ao restaurante (o que não deixaria de ser outro fetiche), mas, quando me virei, ele falou:

-Vire os quadros.

-Pra quê?

-Apenas vire.

Virei o primeiro, e havia a letra "O". Virei outro, a letra "A". Mais um, a letra "M". Com o coração saindo pela boca, comecei a virá-los maniacamente, achando que estava certa, eu sempre estive certa! Eddie não era um cara como os outros, ele não diria uma frase daquelas enquanto escovava os dentes, com a boca cheia de pasta, como o Vince. Como se tivesse quinze anos, olhei pra ele e saiu:

-Eu te amo, Eddie.

Ele riu e apontou para o tabuleiro com a cabeça:

-Vire.

Então ele não me respondeu imediatamente, mas pouco importava, as palavras estavam na minha frente. Então virei mais um quadro e encontrei a letra "Q".

Continuei.

-Elas estão fora de ordem? – Perguntei sem olhar para trás, o meu estômago um pouco pesado, mortificação tomando o lugar da curiosidade.

-Quem resolve um Sudoku não consegue reorganizar umas letras? Rê, Rê, esperava mais.

Puta que pariu, eu esperava mais. Terminei a última letra, coloquei todos os quadros lado a lado na areia à minha frente e, antes mesmo de reordená-los, eu já sabia o que queria dizer. Olhei para o Eddie e ele segurava uma caixinha. Com um anel de diamantes.

Parabéns, Eddie. Você consegue me pedir em casamento, mas não consegue me dizer que me ama. E, se não consegue, é porque não sente. O que já seria ruim por si só, se não fosse a humilhação atroz de eu ter confessado que o amava enquanto estupidamente achava que ele se declarava pra mim.

-Me leva pra casa – Passei direto por ele, em direção ao carro.

-Oi?

-VOCÊ OUVIU! ME LEVA PRA CASA!

-Cara, eu entrei em um universo paralelo?

-O que você esperava? Que fosse me pedir em casamento e fosse ficar tudo bem?

-Não, eu só esperava te pedir em casamento! Eu não fazia a menor ideia que não estava tudo bem!

Mesmo enquanto eu gritava com o Eddie, ele abriu a porta do carro para eu entrar, pois Eddie é dessas coisas. Que ódio! Que ódio dele, que ódio de mim! Eu mereço meu conto de fada também, caralho! Não é porque eu priorizei a minha carreira que eu não tenho direito ao meu príncipe e à minha família! E o fato de eu ter me deixado iludir pela casca adorável do Eddie depois de tanto tempo repetindo para mim mesma que ele era uma roubada era o maior atestado de burrice que eu podia me passar!

Eu não ia chorar. Ia quintuplicar a humilhação se chorasse. Mas, surpresa, estava chorando.

-Você não tem jeito, Eddie! Nós não temos jeito!

-Espera, estamos falando da mesma coisa, certo? Você sabe que eu te pedi em casamento, não é?

-Eu sei muito bem o que você fez! E sei que podia ser eu ou a caixa do supermercado, pouco importa com quem você se case, porque...

... "Porque não é nenhuma das duas que você quer", pensei, mas ao menos essa parte eu não disse em voz alta. Lembrei quando o Eddie começou a namorar a Amber, e eles pareciam o casal mais lindo e apaixonado do mundo. Lembrei do fim do casamento dos dois, Amber atrás de mim, Kate e Singe querendo saber se tínhamos notícias dos rapazes, pois Eddie não aparecia em casa e nem respondia seus telefonemas. Não quero, me recuso a me tornar a Amber!

-Porque o quê, caralho? Isso não faz o menor sentido! Eu não te insultei, porra! Eu disse que quero passar o resto da vida com você! – Ele perdeu a paciência comigo pela primeira vez em algum assunto que não envolvesse a Emily.

-Você não quer passar o resto da sua vida comigo!

-Não, não quero. Te acho um saco. Te pedi em casamento porque os anéis de noivado estavam em promoção e pensei que não caso já tem algum tempo, então vamos ver no que dá.

-Sem sarcasmo comigo, Eddie!

-Mas o que você quer de mim?

Tanta coisa. Muita coisa mesmo. Mas nenhuma delas incluía me tornar prêmio de consolação. Eddie queria se casar comigo, sim. Queria porque não podia ter uma pessoa melhor. E, sinceramente, me recuso a me tornar a Amber, mas também não serei a Naomi. Ou tenho tudo, ou não quero nada.

Mas é muito triste que não possa ter nada justo com o Eddie. E é pior ainda saber quem está do outro lado da balança, a única pessoa no mundo contra quem é impossível lutar.

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Este POV faz parte da Semana da Renata, que acontece até o dia 28 de novembro no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora