(1988) Kate: Preparando o Retorno

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Preciso oficialmente de uma colega de apartamento nova, não que não esteja um pouco puta com a minha própria ingenuidade. A minha visita a York foi fantástica e eu pensei que tudo seria tão divertido quanto eu achava que seria quando a Malu veio morar comigo. Não rolou, tô com a corda no pescoço, de saco cheio de ser pobre e precisando de alguém para dividir as contas com urgência. Como não sou boba nem nada, fiz uma lista de tudo que eu quero que a minha nova colega de apartamento seja: Santa o suficiente pra não dar trabalho, não tão santa a ponto de se chocar comigo, amiga o bastante para eu não ter ódio dela, não tão amiga assim para eu não me apegar caso ela dê defeito. Só que, mal abri os classificados, me toquei que nenhum me forneceria descrição psicológica e previsão do futuro, então aproveitei que estávamos todos no Revenge para ver se alguém conhecia uma candidata que se encaixasse.

Minto, não estávamos todos. Vince estava atolado com o trabalho final da faculdade, e ele é inacreditavelmente caxias. Todo mundo, até ele mesmo, sabe que ele nunca vai usar o diploma na vida, mas ele insiste em se formar, e se formar bem. Com isso, ele estava enfurnado em casa, e fiquei de passar lá quando saísse do Revenge. Além dele, Tommy não estava, e seu paradeiro também não era um mistério: certeza que estava com alguém, pois isso era basicamente o que ele fazia naquele último mês. Logo, o "todos" se resumia a mim, Singe, Mick e Eddie.

Mas, antes de explicar o problema, eu tinha de dar a notícia, e de repente falando ela se tornava mais fácil de engolir. Eu não tenho muitas dúvidas na vida. Aliás, acho que não tenho nenhuma, mas a Malu sempre dá um jeito de me confundir.

-Gente, tive falando com a Rê. A Malu tá bem, mas ela não volta mais.

Admito, não fiz rodeios, e como consequência todo mundo levou um susto.

-Como assim?! Ela vai morar em York? – Mick perguntou.

-Mas por quê? Ela tá chateada com a gente? – Singe, típico.

-Argh, e eu sei o motivo? A Rê diz que ela está fugindo, eu tenho certeza que está, mas a Malu veio com um papo de que precisa crescer sozinha, que não pode ficar no lugar onde aconteceram todas as merdas, que precisa achar o próprio caminho. Ela vai pra França.

-Não! – Singe levou as mãos à boca, como se eu tivesse dito que ela ia se jogar em uma fogueira.

-Pois é, elas chegam no final da semana, passam a noite em Londres e a Malu vai embora no dia seguinte, de manhã. Já está com tudo acertado lá. – Falei, sendo muito prática, mas a verdade é que estava confusa, nervosa e um pouco em pânico. E acho que não era a única, pois o Mick disse exatamente o que eu pensava:

-Porra, ela vai ficar sozinha? Depois de tudo o que aconteceu, ela se isola? Isso não vai prestar!

-Não vai! – Singe falou, os olhos do tamanho de dois pires. – E se acontecer alguma coisa? Como a gente vai ajudar?

-Vocês deviam ter mais fé na Malu – Eddie disse, e então eu percebi que ele ainda não tinha aberto a boca. – Se ela precisa ir pra crescer, então a gente tem de deixa-la ir. Ela não foi feliz aqui. A gente tem de torcer pra que ela o seja lá. E não é como se ela fosse pro Japão. A gente vai se falar o tempo todo, e Paris é logo ali. A gente pode até combinar de já ir visita-la nesse verão.

-Isso! Como a vez em que fomos a Saint Malo! – Singe foi de um extremo ao outro e bateu palmas. – E é claro que ela vai vir sempre nos ver também!

-Mas como vamos ter certeza que ela vai ficar bem? – Perguntei. Deus me livre errar de novo.

-Confiando – Cara, quando foi que o Eddie resolveu ficar todo mago, cheio de ensinamentos? – Sabe o que a gente devia fazer mesmo? Dar uma festa de boas-vindas/despedida. Pra mostrar que a gente tá aqui, não foi a lugar algum nesse tempo que ela estava longe, e vai estar sempre aqui quando ela quiser ou puder voltar.

Caralho, uma Festa de Retomada de Laços e Proclamação de Amizade Eterna! Eu bati palmas, e Singe, que já tinha passado desse estágio, deu até uns pulinhos no banco. Passamos a semana inteira comprando as coisas, Singe arrumou essa faixa brega de doer, e eu lembrei de Auld Lang Syne, que cantávamos em todos os réveillons, que fala de velhos amigos, e caraca, não é isso que somos e seremos sempre? Singe resolveu escrever a letra em um cartão para que todos assinássemos e a Malu levasse com ela. O problema é que o "todos", dessa vez, realmente incluía todos.

Tive de fazer plantão no Vince pra conseguir falar com o Tommy, já que andava totalmente impossível encontra-lo. Lá pelas tantas ele chegou, me deu um beijo no rosto e se jogou ao meu lado no sofá, sem achar estranho eu estar ali sozinha. É que eu fico bastante tempo naquele apartamento, mesmo que o Vince não esteja. O meu me dá arrepios. Aliás, ao invés de procurar uma colega de apartamento nova, eu devia era entregar aquela merda e tentar ser colega de alguém.

-E aí? – Ele perguntou.

-Eu que pergunto "e aí". Ando procurando um lugar pra morar, melhor não deixar aquele quarto muito tempo vago – Falei, sem saber como começar, e Tommy deu um sorriso cafajeste e respondeu:

-Não está vago.

Ah, cara, que palhaçada. Então tá, passamos dois meses fingindo que nada estava acontecendo, ele me deu uma volta enorme quando tentei contar sobre a minha visita a York, construiu um senhor plano de fuga através de todas as bucetas de Londres cada vez que eu tentava tocar no assunto. Só que Paris pode ser ali do lado e a gente pode falar com ela toda hora, mas nada disso vai adiantar se a Malu não souber que quem mais importa também está de portas abertas.

-Tommy, ela chega amanhã – Falei porque, como acabei de dizer, queria acabar com a palhaçada. Pensei que ele fosse levantar e me deixar falando sozinha como quando voltei de York, mas ele continuou sentado, ainda que de cara trancada. Só que eu vivi dezessete anos com o meu irmão pra ter medo de cara feia. – Nós vamos dar uma festa de boas-vindas no apartamento da Rê para recebe-la...

-Ok, boa festa.

-Tommy, se você tivesse me escutado das outras vezes, você saberia que ela voltou a ser a Malu de antes! Não tô dizendo pra perdoar. Sei que ela fez merda, sentou em cima e se lambuzou. Mas pelo menos mostre que aprecia que ela reconheceu que tem um problema e procurou ajuda pra ele.

-Aprecio pra caralho! – Tommy respondeu, totalmente agressivo. – Aprecio que ela me infernizou a vida me acusando do que ela mesma tava fazendo pelas minhas costas, mas nas barbas de todo mundo! Aprecio que ela mentiu a porra do tempo inteiro, dizendo que era uma coisa, ela me enganou, caralho! A filha da puta sumiu, Kate! SUMIU! E aí chego no hospital e ela tá vomitando as tripas! Eu chegava no dia seguinte, na MERDA DO DIA SEGUINTE, e ela não podia esperar vinte e quatro horas, tinha que sair por aí fazendo... caralho, o que ela fez – e então a agressividade foi toda embora. Ele estava esvaziado. – Aí eu vou e digo, legal, você reconheceu. Aprecio isso tudo. Bora dar uma festa.

-Ela estava doente, Tommy! Já passei pela raiva, todos nós passamos, mas ela estava doente, e foi se tratar porque não quer voltar praquele lugar. E a gente tem de respeitar isso, sim. Não era o que a gente queria esse tempo todo? Que ela tomasse jeito? Pois é isso que ela está fazendo, tomando jeito.

-Cara, você tá soando como psicóloga de quinta, Kay. Se é isso que vocês querem, vão lá. Eu não posso.

-Não vai adiantar a gente ir se você não estiver lá. É você que ela mais vai querer ver e você sabe disso. E vocês dois precisam dar um fim a essa história.

-Porra, eu tô alucinando há dois meses?! – Ele começou a ficar bravo novamente. –A Malu ENTERROU a nossa história. Que outro fim a gente tem de dar a ela?

-Ela está indo embora, Tommy. Ela vai pra Paris. Morar lá. – Arranquei o band-aid de uma vez e vi que ele tomou um susto. – Você precisa se despedir e dar um fechamento definitivo a isso. Ela está triste, você está furioso, vocês não vão ter terminado nada até conversar.

Ele ficou assustado mesmo, pois ficou em silêncio, encarando o chão à nossa frente. Insisti:

-Você deveria ir por você e por ela. Mas, se acha que vocês dois não valem a pena o esforço, então faça isso por mim.

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Esse POV é parte da Semana da Kate, que está acontecendo de 15 a 21 de junho, no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora