O Lado Escuro da Lua

(1999) Mick: Até que a insanidade nos separou

Acabou, e estou sentindo um medo da porra. Pra falar a verdade, é bem louco, pois nunca fiquei tão apavorado nem tão leve ao mesmo tempo.

Começou na hora do almoço, eu já meio irritado porque a Andrea estava sentada lá com a gente. Andrea é a primeira babá que a gente contratou e também é santa nas horas vagas, porque resistiu até hoje. Ela é bem maneira, mas porra, eu e Singe estávamos almoçando com os nossos filhos, o que diabos ela tinha de estar fazendo à mesa? Toda a briga da Singe com a minha mãe é exatamente por causa disso. Tudo bem que a minha mãe foi louca de criar cinco filhos sozinha, e sempre tentei defender a Singe porque é legal mesmo que a gente tenha as noites de folga pra sair, às vezes não dá pra fugir e tem uns sacos de eventos pra ir, mas algumas coisas começaram a fugir de controle. Tipo esse lance da Andrea ficar à mesa. Falei com a Singe e ela disse que são três crianças, a Baby não sabe cortar a comida e é muito trabalho. Porra, eles não são animais! São levados, mas se os pais não dão conta de três crianças à mesa, que merda está acontecendo?

Mas a Singe insistiu na Andrea, e eu estava a ponto de ser grosso e mandá-la sair da mesa quando a Singe me vem com essa:

-A Blondie te viu saindo de um hotel com uma loura. É verdade?

Como assim? Ela tava falando da Lyla?! Levei um tranco, não sei se por ela ter descoberto ou por estar falando disso à mesa COM OS NOSSOS TRÊS FILHOS E A PORRA DA BABÁ! Olhei pro Dave no automático, acho que pra ter certeza que aquilo estava acontecendo. Porque ou eles não estavam ali e eu tava alucinando, ou havia escutado mal o que a Singe falou.

-É verdade, seu filho da puta? - Ela repetiu.

-Você tá louca? - Foi só o que eu pensei em dizer. Cara, os nossos filhos escutando aquela merda. Isso é entre a gente, porra!

-Estou louca porque é mentira?

Ai, caralho, ela ia chorar. Pra coroar a cena do inferno, Singe ia começar a chorar. Eu não posso com ela chorando.

Pelo menos a babá ia ter serventia. Peguei a Singe pelo braço e me enfiei com ela no escritório.

-QUE MERDA É ESSA, MICK? É VERDADE?! 

Puta que pariu, caralho, caralho, caralho! A Lyla estava na minha vida há um ano. Um ano é tempo demais para que eu pudesse achar qualquer desculpa decente. Porra, um dia é tempo demais pra qualquer desculpa. Eu nunca quis, nunca me imaginei sendo esse cara! Bota essa na conta das coisas que, quando a gente é moleque, diz que nunca vai fazer na vida e acaba fazendo. Tenho tanta vergonha disso que não contei nem pros meus amigos, nem pro Eddie, que é meu irmão e que eu sei que nunca ia me julgar. Mas eu me julgo, saca? Eles sabem que eu saio da linha de vez em quando mas, sinceramente, ninguém ali é santo. Só que é um ano, cara. Uma porra de um ano inteiro, sem ter coragem de terminar com a Lyla nem de abrir o jogo com a Singe.

-É, é verdade - Falei, e nem conseguia olhá-la nos olhos. - Eu sou um filho da puta, Singe. Eu fui muito filho da puta com você. Me desculpe. 

Porra, pedir desculpas era o mínimo, e ao mesmo tempo era pouco pra caralho. Daria os dois braços pra não magoar a Singe, e o pior é que, se eu fosse convincente, tenho certeza que ela teria me perdoado e me aceitado de volta. Só que, quando você chega à beira do precipício, ou você volta pro antes ou pula. E o antes tava uma merda. De repente, percebi duas coisas. A primeira era que meu medo de confessar tudo pra Singe era meu medo de admitir que tinha fracassado na única coisa que eu queria na vida, que era o meu casamento. A outra é que estou apaixonado pela Lyla.

-Caralho, não está mais funcionando! A gente não está mais dando certo há anos, Singe! Eu fiz merda, eu não queria te magoar, mas eu ainda tava tentando salvar alguma coisa, eu não queria me separar de você, por isso eu não te contei no início. 

-Início? Há quanto tempo, Mick? 

-Há um ano.

-Um ano me traindo ou um ano me traindo com a mesma vagabunda?! 

-Ela não é uma vagabunda. Eu me envolvi, não era pra ter acontecido, mas porra, tava tudo uma merda! Esses moleques desgovernados sendo criados pela Andrea, a gente brigando o tempo inteiro, você só fala comigo pra mostrar catálogo de festa de criança, caralho! 

-Você está dizendo que a culpa é minha?!

Não, não estava... Mas sei lá. Eu não tava perto esse tempo todo. Eu viajo demais, tive de deixar que a Singe tomasse a frente e só vi a merda quando era tarde. Devia ter pisado no freio antes, mas a culpa é dela também. Casamento são duas pessoas, certo? E não posso estar tão infeliz na minha própria casa sem que a culpa seja um pouco dela.

-Não, não estou dizendo que a culpa é sua! Mas a gente está distante, isso é fato! E todas as vezes que a gente tentou conversar a respeito, você entrou em negação, isso também é fato e é culpa sua, sim! Nada disso justifica o que eu fiz pelas suas costas, eu devia ter aberto o jogo no início, mas não fiz, e porra, tava precisando me sentir importante pra alguém... 

E aí a Singe ficou louca.

Foram mais dois dias para eu conseguir sair de casa. Não foi a covardia dessa vez, foi que a Singe não me deixava falar com ela. Ela entrou nessa paranoia que, se a gente não conversasse, nada aconteceria, e primeiro se enfiou no apartamento da Malu e do Tom, depois não queria tocar no assunto. Até que eu fui em frente, fiz as malas, sentei com as crianças e tentei dizer que estava saindo daqui, mas que continuava pai deles, continuava os amando do mesmo jeito e viria vê-los assim que pudesse, e o Dave me chamou de adúltero filho da puta. Ia lhe dar o esporro da vida dele, mas sei lá, soou verdadeiro e eu fiquei calado. Fui falar com a Singe, acertar as coisas, me despedir, não fazia ideia do que deveria fazer porque nunca me imaginei nessa situação. Ela não me respondeu. Nem olhou pra mim. Então só pedi desculpas mais uma vez. Quebrei a menina mais linda do mundo, e sou tão desgraçado que só consegui pedir desculpas.

Tô com uma puta medo. Tô leve pra caralho.

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Esse POV é o último da Semana do Mick. A partir de amanhã, começa a Semana da Renata no Grupo Realidades Paralelas da Mari. Não perca!