(1996) Rick: "Eu via nos seus olhos o mesmo abismo que havia nos meus"

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A gente fica velho mesmo. Antigamente, a rotina era a morte. Hoje, a rotina é vida. Em todos os sentidos da palavra. No início eu fazia uma lista do que tinha que fazer no dia e ia ticando, meio que pra ter certeza que chegaria no fim, saca? Era uma lista idiota, na linha:

· Levantar

· Escovar os dentes

· Tomar banho

· Me vestir

E ia assim até a hora de dormir. E juro por Deus, ticava item por item. Aí a Julie ficou sabendo e começou a inserir coisas entre um item e outro, como:

· Beijar a Julie

· Fazer amor com a Julie sobre o balcão da cozinha

Não dá para acreditar que consegui ser tão feliz. Tem esse cara no grupo que diz que diversão não é felicidade. Pode ser também. Mas felicidade daquelas que duram, tipo encontrar acréscimos à minha lista e tica-los ao longo do dia, essa é de outra natureza.

Minha terapeuta diz que a minha lista tem a ver com controle. Que eu vivi tantos anos fora de controle que agora preciso de tudo listado e organizado. Acho que ela está certa, como está, aliás, sobre quase tudo. É que ela também diz que eu tenho que aprender com os erros e arrumar um jeito de ficar em paz com os que eu não puder reverter. Olha, tento aprender com todos eles, mas tem um que achei que não me daria paz nunca. Minha família nunca me perdoou, não fala comigo até hoje e isso eu entendo e tenho paz. Mas não cometi um crime contra eles. Contra ela, sim. Ou achava que sim.

Até um dia que ligaram para o meu escritório, dizendo que era uma tal de Lita. Falo com uma porrada de gente por causa do trabalho, mas não me lembrava de Lita alguma.

-Rick? A gente nunca se conheceu, não formalmente, a gente já se esbarrou algumas vezes – ela falou. Mas que merda era aquela? Pensei em dizer que estava ocupado, que tinha uma noiva. Pelo papo, ela podia estar até a fim de mim. Mas o que disse a seguir gelou o meu sangue: - Sou amiga da Malu.

-Ma... Malu? A guitarrista? A brasileira? – Juro que não lembrava de sentir meu coração bater tão rápido desde que parei de usar drogas.

-Sim, ela mesma. Queria conversar sobre ela. A gente pode se encontrar na hora do almoço?

Cara, eu me encontraria com ela naquele momento! Só precisava saber de uma coisa, uma coisa só que não dava para esperar até o almoço:

-Ela está viva? Está bem?

-Está sim, viva e bem.

Puta que pariu, que alívio. Marcamos em um restaurante perto do trabalho, e a primeira coisa que fiz foi pegar o telefone para ligar para a Julie e contar que a Malu estava viva. Só quando eu falei, eu notei que a minha voz estava tremendo.

-Eu sabia que estava – Julie respondeu, baixinho. Seu emprego é uma merda e o telefone é altamente regulado.

-Porra, e agora, o que eu faço?

-Arrume um jeito de se encontrar com ela!

-Isso, tenho que tentar, certo? Provavelmente ela vai querer arrancar o meu fígado.

-Mas pelo menos você falou e pediu desculpas.

Quando cheguei ao restaurante, a Lita já estava lá. Ela sabia mesmo quem eu era, pois eu vi essa mulher bonita sentada, fiquei na dúvida, e aí ela olhou pra mim e acenou imediatamente.

Não dei tempo para muita conversa fiada. Estava louco para saber tudo sobre a Malu. Lita falou que ela se desintoxicou logo depois daquela noite e passou muito tempo em Paris, mas que havia voltado para Londres na metade do ano. Estava trabalhando, inclusive aquela puta música linda, Lily, que não parava de tocar nas rádios, era dela.

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora