O Lado Escuro da Lua

(1995) Kate: Obedeça a mestra

Vince diz que, se a gente vivesse um filme, cada vez que eu aparecesse em cena tocaria Master of Puppets. Hoje foi assim. Abrimos a porta de casa e ele começou a cantar:

-Come crawling faster/Obey your master.

Normalmente acharia bonitinho. Hoje estava bastante irritada.

-Estou com enxaqueca – Me joguei no sofá, e meus filhos, os únicos que realmente me amam, vieram me dar carinho e atenção. Vince, aquele insensível, riu:

-Vai ver você esqueceu de dar o roteiro ao Tom, ele se confundiu e resolveu se casar. Tá vendo, a culpa é sua.

-Eu estou falando sério! – Gritei, apesar da minha enxaqueca imaginária.

-Eu também – ele deu uma gargalhada.

Filho da puta.

-Como ele se atreve a pedir a Lana em casamento? Como?! Nós tivemos um papo super legal ontem mesmo, e eu provei por A mais B que ele não podia fazer isso. Vince! Enxaqueca!

Vince deu uma gargalhada e pegou um copo de vodca que, após muitos debates, concluímos que é a única coisa que realmente cura a minha dor de cabeça, enquanto eu o lembrava que aquela notícia ridícula daquele noivado sem cabimento era uma traição contra a minha amizade, contra o bom senso e contra todas as leis que regem um mundo justo.

Vince me entregou a vodca e falou:

-Ok, então vamos às provas. Por que o Tom não pode se casar com a Lana?

Todas as provas eram óbvias, mas eu as enumeraria de novo, uma vez que sou a única pessoa nessa turma com mais de três neurônios.

-Em primeiro lugar, é tudo parte de um plano maligno da Naomi.

-Oi?

-Veja bem – Tentei ser didática, embora achasse que fosse bastante lógico. – Eddie conheceu o estrupício, o que já foi ruim o suficiente. Aí o estrupício apresenta o estupor pro Tommy. Ela está tentando nos substituir!

-A Lana e a Naomi não substituíram ninguém, Tom e Eddie estavam solteiros.

-Você nunca ouviu falar em "comer pelas beiradas"? Ela foi pelo que era mais fácil, daqui a pouco o Mick está por aí pedindo divórcio e você me largando por uma modelo/atriz qualquer da mesma fábrica de anomalias daquelas duas. Daquelas três, contando com a do Mick, pois com certeza ela sairá de lá também.

Vince deu uma gargalhada.

-Não vou te largar. Não por uma anomalia. De repente por outra que tenha fugido do mesmo manicômio que você.

Impressionante. Ninguém me leva a sério.

-Qual a próxima prova? – Ele pediu.

-Ela não tem o menor conteúdo e não sabe conversar, e o Tommy é um ser humano evoluído e com escolaridade que precisa ser constantemente intelectualmente estimulado.

-Não é porque ela não sabe conversar com você que ela não sabe conversar.

-Eu falo pelos cotovelos, Vince! Se ela não conversa comigo, não conversa com mais ninguém!

-Eu converso com ela.

A afronta!

-Conversa sobre o que?

-Ah, nada específico. Sobre trabalho, sobre o tempo... – ele disse, sem saber como continuar. Vince estava tão louco pra me atazanar que ele não sabia nem sobre o que conversava com a Puta Loura. – Ah, ela gosta de futebol.

Não acredito que a Lana inventou até isso pra se infiltrar entre a gente! Aposto que foi a Naomi que passou a informação! Mas eu não podia ficar pra trás.

-Eu gosto de futebol.

Vince deu um meio sorriso, pegando a mentira deslavada, mas eu não podia dar o braço a torcer.

-Você chuta a bola, faz gol. Eba! Não consigo pensar em muitas coisas mais divertidas que isso.

-Mais alguma prova?

-Sim! Não acho bacana.

-Você não quer que eles se casem porque não é bacana?

-Isso. Acho que um casamento tem de, no mínimo, ser bacana.

-Vai ver é bacana pra eles.

-Eles vão conviver conosco, certo? Tem de ser bacana pra todo mundo.

Isso me dá uma aflição do caralho, principalmente porque não posso ser clara com o Vince, muito menos com o Tommy. Estamos todos seguindo nossa vida, beleza. Mas o Tommy tem uma história inacabada solta por aí, e ele nem ao menos sabe disso. Como ele pode se casar desse jeito?! Não que, com ou sem história inacabada, eu quisesse que ele se casasse com a Lana. A Rê diz que nós batemos de frente por sermos fêmeas alfas. Perguntei se ela gostava da Lana então, e a resposta foi: "Cruz credo, odeio a criatura. Mas também sou fêmea alfa".

Vince canta o raio daquela música pra mim, mas, no meu mundo ideal, aquele em que eu realmente mando alguma coisa, Malu nunca teria ido embora, Tommy se casaria com ela, Eddie teria continuado com a Amber e Naomi jamais teria sabido da nossa existência. Nele, os filhos da Singe também teriam outra personalidade e a alma do Adiel teria encarnado em uma criança em uma aldeia de Borneo, não no corpo do meu irmão. Droga, enxaqueca piorando. Melhor pegar mais um pouco de vodca.