(2001) Alex: Não trepei, mas pelo menos tenho um amigo novo e único

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São tantas as pessoas que já perdi a conta, acho que é porque são quase todas tatuadas, então eu começo a contar pessoas, acabo contando tatuagens e não chego a número algum.

Tem uma amiga que eu acho que mora aqui, porque ela não sai nunca e berra o tempo inteiro. O namorado/marido/não sei ao certo dela deve fazer alguma outra coisa, pois ele às vezes sai e não berra nunca.

Tem um outro cara que veio logo antes do natal com três crianças super lindas que berravam bastante, principalmente quando disputavam o videogame comigo e com o Victor, e descobri que não sei porra nenhuma do tal do Excel, mas ninguém dá cobertura no galpão melhor que eu.

O natal foi fascinante e ao mesmo tempo perturbador, porque chegou mais gente ainda com mais crianças ainda e uma avó que a Malu diz que é maluca, mas eu a achei supernormal e acho que a minha avó morreria de tédio se fosse amiga dela por causa de tanta normalidade. Eu não devia ter ficado no natal, mas estava fascinada demais e enrolei pra ver quantas pessoas mais entrariam pela porta e se eu ganharia um presente.

Tem uma mulher que a Malu diz que é a tia dela, mas ela deve ter a minha idade e eu poderia ser tipo filha da Malu, então acho que a Malu tem um problema de desonestidade. Filha ou não, a mulher tem, adivinha, outra criança. A criança dela tem síndrome de Down, o que também me fascina, mas de uma forma solidária. Não tenho síndrome de Down, só que dizem que isso é problema de cabeça, dizem que eu tenho problema de cabeça, mas não acho que nem eu nem a criança somos problemáticas, somos apenas sensacionais demais.

Tem mais uma mulherada danada, e o impressionante é que ninguém ainda quis me dar na cara, mas acho que a maioria delas está encalhada. Ah, tem duas lésbicas, o que explica a parte de eu não ter sido esbofeteada, pois minha sensualidade avassaladora é hétera.

Mas, de todo mundo que zanza, quem fica mais por aqui é o pai da menina com síndrome de Down tão sensacional quanto eu. Ele às vezes vem com a criança, às vezes vem sozinho e fica com as crianças da Malu, às vezes fica com a Malu, às vezes fica com o marido lindo e às vezes fica com todo mundo. Às vezes também combina Malu e crianças, Malu, marido lindo, criança dele, marido lindo, crianças do marido lindo... Bom, ele combina. A primeira vez que ele veio, ele se apresentou pra mim e perguntou se eu estava gostando. Achei suspeito e me perguntei se ele era espião da agência de emprego.

-O Excel nem é tão importante assim, sabe? – Respondi, para despistá-lo.

-Excel é aquela parada verde que tem no menu do computador, né? Sei nem pra que serve – Ele respondeu, o que eu achei mais suspeito ainda.

-Serve para... para... – Eu gaguejei porque meu caderno estava longe, aí entrei em desespero e fui obrigada a confessar que também não sabia, devia saber, mas não sabia, porque a assistente velha havia passado uma semana inteira falando da porra do Excel, e tudo bem que dizer "porra" não era muito profissional, mas porra, a Malu não fazia porra nenhuma, só ficava em casa aguentando berro da amiga histérica, por que eu tinha que saber a função da porra do Excel?

Ele deu uma gargalhada.

-Porra, a Kate berra pra burro, né?

-Porra, berra! Acho assustador!

Ele nunca berra, mas fala pra cacete. Tipo, fala no meu nível, e a minha avó sempre diz que é impossível achar uma pessoa que fale tanto quanto eu porque eu tenho esse problema de língua possuída e possessão de língua é um caso raríssimo, tanto que nenhum dos meus médicos jamais ouviu falar sobre isso. O mais legal dele é que é o único além da Malu e das crianças que não me acha invisível, o que é ruim também, porque quando sou vista não posso atacar tanto a geladeira. Claro que minha primeira conclusão foi que minha sensualidade avassaladora tivesse entrado em ação, o que não seria ruim, pois o cara é super gato e estranho. Amo homens super estranhos e gatos, e ao mesmo tempo ele não é lindo de queimar retinas como o marido lindo, por isso eu poderia dar pra ele de olhos abertos numa boa, porque fala sério, qual a graça de dar pra um cara super gato se você não pode abrir os olhos e constatar que está, de fato, dando pra um cara super gato? Mas eu sou muito observadora. Diria que, depois da minha sensualidade, da minha personalidade fascinante, da minha pele seca e das minhas carecas, esse é o meu traço mais marcante. E notei que havia uma tensão entre ele e a Malu, não havia tensão entre ele e marido lindo, não havia tensão entre ele e as crianças da casa, entre ele e as crianças do outro amigo, entre ele e a criança dele, entre ele e o amigo pai das outras crianças, entre ele e a tia, entre ele e a mulher que berra, nem entre ele e o namorado que não berra da mulher berra. Achei dramático. Resolvi sondar, então aproveitei que ele parou pra tomar ar depois de tanto falar e sondei:

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora