(2014) Tommy: A Gaiola das Loucas

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Mamãe montava hambúrgueres em uma escala industrial, tudo enfileirado, pão, carne, maionese...

-Me passa o bacon, Tommy.

-Você quer matar o meu pai com um ataque cardíaco antes que eu o mate com a notícia, é isso?

-Abracei a missão de mata-lo para te poupar de carregar essa culpa, amor.

Não era piada, era trágico. Dramático. Enorme. Mas eu dei uma risada porque não tem como. De todos os meus irmãos, e entre irmãos de sangue e agregados, é gente a dar com o pau, eu sou o garotinho da mamãe. Victor me zoa com isso desde a minha primeira lembrança, mas cara, é bom pra caramba ser o garotinho da minha mãe. Ela é uma mulher super admirável.

-E depois – ela continuou, da linha de montagem. – Como disse seu padrinho uma vez, é melhor dar uma notícia séria com pizza que com repolho. Não tem pizza, vai hambúrguer.

-Você podia ter feito aquelas suas pizzas caseiras, né? São boas pra cacete.

-Aí você me mata antes de matar o seu pai e fica órfão de todo.

-Hahaha te amo, Malu.

-Te amo, Thomas. Agora passa os picles, anda, anda, anda!

O que me distraiu do fato de que eu poderia, sim, matar o meu pai. Àquela altura do campeonato, ele era o último a saber, e a amostra que eu tive com o Victor não foi muito legal. O Victor e ele são bem parecidos em algumas coisas, ainda que o Victor seja bem mais relaxado no geral. Porra, relaxado nada, Victor transformou minha infância em um inferno. Dizem por aí que ele é gente boa toda vida, mas o que eu sei é que ele tem um grama de sadismo bem presente e bem ativo, que exercia todo em mim. Depois que a gente cresceu descobrimos que tínhamos a arte em comum e conseguíamos umas tréguas temporárias pra debater o assunto, o que foi tão legal que aprendi tudo de Banksy só pra prolongar as conversas. Mais papo, menos porrada, foi o lema da minha adolescência. E é exatamente aí que ele e o papai se parecem. Não que meu pai fosse de dar porrada, aliás ele nunca encostou na gente e é um pai bem legal. Mas os dois têm uma brutalidade, sabe?

Resumindo: Contei pro Victor, foi estranho. Não foi ruim, mas foi desconfortável e bizarro e não serviu como uma prévia muito boa para eu falar com o meu pai.

Daí sentei na sala com o meu pai e mamãe trouxe a bandeja cheia de hambúrgueres.

-Caraca, qual é a comemoração? – Os olhos do meu pai saltaram. Juro que às vezes acho que ele é mais novo que eu.

-Estamos comemorando a harmonia! – Mamãe começou a acelerar. Puta que pariu, mamãe fica nervosa, ela acelera. Só esperava que meu pai não percebesse nada. – Tommy, você não trouxe a cerveja, vá buscar!

Ela também fala com uma quantidade inacreditável de pontos de exclamação.

Fui correndo até a cozinha, rezando para a mamãe se comportar enquanto isso, mas ela já estava dando lista de cervejas e faixas de preço e nacionalidades que produzem as melhores cervejas e cervejarias célebres e até o volume alcóolico da que eu trouxe. Detalhe: a mamãe nem bebe.

-Ok, o que tá pegando? – Meu pai perguntou, desconfiado, mas ainda assim dando uma dentada no hambúrguer e tirando a cerveja da minha mão. – Ainda nem fizemos cinquenta e vamos ser avós de novo?

Irônico, mas, não.

-O Tommy tem uma coisa fantástica pra te contar! – Mamãe falou, acelerada.

Ah, merda. Mais cedo ela veio com essa história que a gente tinha que falar com o meu pai como se fosse a coisa mais fenomenal do universo, pra ele ser levado pelo espírito de euforia e acabar achando a notícia incrível, e eu disse que não era uma boa ideia, que ele ia achar que eu, sei lá, assinei com o Manchester United ou qualquer outra expectativa sem noção que ele já despejou em cima de mim, e concordamos que falaríamos como se fosse algo desastroso, pra ele se preparar para o pior e acabar não achando tão ruim assim. Mas a mamãe tem esse outro problema quando fica nervosa: Amnésia.

-Opa, maneiro! Fala aí, Tommy!

-Não vamos ser avós! – Mamãe cortou, quando eu ia abrir a boca. – O Tommy não vai ser um pai bebê nem me obrigar a me enfiar na casa dele pra tomar conta de criança para tentar fazê-lo levar a faculdade até o fim.

-Malu, você se enfiou na casa do Victor porque quis – Meu pai respondeu.

-Porque eu era extremamente necessária.

-O Victor ligou umas vinte vezes me pedindo pra te arrancar de lá. Nós fizemos uma outra aposta pra saber em quanto tempo você sairia, e dessa vez quem ganhou o uísque fui eu.

-Acho muito injusto e ofensivo que vocês fiquem apostando às minhas custas.

-Cara, mas você é louca de pedra. É a que gera mais material pra aposta.

-Não sou louca! Sou responsável! E zelosa e amorosa. E a cola que une essa família, e...

Foi mais ou menos nessa hora que perdi o saco e o controle:

-Eu sou gay!

Silêncio. Admito que faltou preparar o espírito do meu pai, e talvez a melhor hora não fosse quando ele estava com a boca cheia de hambúrguer zoando a mamãe, mas saiu, estava lá do lado de fora, e o meu pai me encarava com a boca aberta.

-Fecha a boca, Tom – Mamãe falou.

Nada.

-Tom, dá pra ver o hambúrguer que você estava mastigando. Tá nojento – Mamãe insistiu.

-Tá meio nojento mesmo – Apoiei, mas na verdade com muito medo de ter provocado um AVC no meu pai.

-Como assim, um Lewknor que queima a rosca?

-Tom! – Mamãe falou, chocada. Eu, nem tanto. Foi mais ou menos essa reação que uma parte minha esperava, ainda que no meu sonho perfeito do meu mundo ideal, meu pai fosse falar a mesma coisa que a mamãe disse no casamento da tia Sue e da tia Maggie, que não importa o sexo, amor é amor.

-Porra, isso não tem cabimento! – Meu pai se levantou, mas pelo menos engoliu o hambúrguer.

-Pai, essas coisas não dependem de cabimento, não se explicam nem se controlam!

-Caralho, mas meu filho?! O que tem o meu nome, porra?!

-Mas que diferença isso faz? Eu vou deixar de ser seu filho por causa disso? Quer que eu troque de nome? Ou você é tão pica que só tem filho comedor?

-Tommy, não fale assim com seu pai! – Minha mãe começou a gritar. –Tom, não fale assim com o Tommy! Vá lá pra cima e deixa que eu falo com ele!

-Quem vai lá pra cima?

-Você, Tommy! Vá lá pra cima.

Cara, a mamãe é minúscula. A única pessoa que eu conheço, fora as crianças, mais baixa que ela é a Emily, e a mamãe ainda é magrinha, então é menor ainda. Mas, quando a mulher grita, você obedece imediatamente. Subi as escadas e fiquei parado no corredor, sem saber o que fazer, e resolvi bater à porta do quarto da Lily.

-Ouvi a mamãe gritando? – Ela perguntou, deitada na cama e lendo uma revista, quando entrei.

-Eu e ela estávamos contando pro papai que eu sou gay.

Lily deu uma gargalhada.

-Sacanagem, não estava a fim de perder o papai. Agora a mamãe está fazendo a mágica dela, certo?

-Acho que sim, ela gritou pra eu subir.

-Esquenta não, a mamãe sempre faz mágica.

Verdade. Ela sempre faz.

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Esse POV faz parte da Semana do Tommy, que acontece até dia 09/01 no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora