(2000) Renata: E se eu puder me transformar de sapo em princesa?

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Acho que estou um pouco confusa. Talvez deprimida. Certamente, em uma encruzilhada. Tudo isso é trágico, pois não tem nada a ver comigo. Sou eu que resolvo as confusões, depressões e encruzilhadas alheias, e dessa vez nem o tai chi e a meditação estão ajudando.

Emily me acordou, interrompendo o telefonema com a Malu e, enquanto eu tentava fazê-la dormir de novo, eu ficava repetindo as últimas vinte e quatro horas na cabeça sem parar. Culpa do Eddie. Maldito Eddie!

Nos encontramos hoje na casa da Malu e tivemos mais um dos nossos duzentos mil bate bocas sobre a Emily, pois ele tem mania de trata-la como um bebê como os outros. Cara, amo tanto, tanto a minha filha, mas foi ele que veio com aquela história de terapias e desenvolvimento e fazê-la ir o mais longe que puder, e ninguém leva isso mais a sério que eu. Se tem que falar com ela como adulto para ela desenvolver a fala, vamos falar com ela como um adulto, e aí o Eddie, o autor de toda a ideia, vem com tatibitate. E aí, eu, genial, fui cair na besteira de dizer que ele não podia fazer isso e citar o Jon.

Eddie odeia o Jon. O que é estranho, pois Eddie adora todo mundo. Aliás, agora que penso no assunto, até os nossos duzentos mil bate bocas só começaram depois que o Jon apareceu.

Saí de lá furiosa, porque francamente, Jon é a pessoa mais experiente que conheço com crianças com síndrome de Down, ao menos dentre os que encontro socialmente, e não tenho de aguentar birra do Eddie. Fui pra casa, fiz as minhas coisas, fiquei com a Emily, a coloquei pra dormir, era quase uma hora da manhã e eu estava tomando uma taça de vinho para ver se o meu sono vinha também quando toca o interfone.

Ah, droga.

-Sou eu – ele disse simplesmente.

-Eddie, eu já estou indo pra cama.

-Abre a porta.

Pronto, danou-se. Eddie é a criatura mais gentil do mundo, mas, quando ele dá ordens, eu, adulta, independente, bem resolvida, obedeço. E, depois de todo o espetáculo que foi transar com ele, o larguei dormindo na minha cama para ligar aos prantos para a Malu, pensando o que diabos fazer com ele na minha vida. Aliás, a ironia de ter ligado direto para a Malu não me escapou. Não que a conversa tivesse ajudado muito. Basicamente patinamos no óbvio, ou seja, que eu não amo o Jon. Mas será que amo mesmo o Eddie?

Queria sinceramente entender o que eu tenho com ele (além, claro, de uma filha) e, principalmente, o que eu sinto por ele. Tudo na minha vida sempre foi organizado, categorizado e explicado. Eddie não tem a menor explicação. Tivemos uma foda sensacional, achei que não passaria disso, ele me ligou, pensei "por que não?". Foda fantástica, achei que tivesse acabado, ele apareceu aqui, pensei "por que não?". Várias fodas históricas depois, terminamos com a Emily, um arranjo completamente confuso em que ele ficava no meu apartamento, mas não podia se aproximar da minha cama, depois eu ficava no apartamento dele, mas no quarto de hóspedes, e aí chegamos ao Jon.

E eu poderia perfeitamente amar o Jon, mas não consigo, pois estou prisioneira do mundo do "e se".

E se o Eddie esquecer a Malu?

E se a Malu realmente não tiver qualquer interesse no Eddie?

E se eu e Eddie dermos certo?

Porque, se déssemos, seria simplesmente incrível. Não sou uma pessoa muito romântica, não sou como a Malu e como o próprio Eddie, que acham que existe uma alma gêmea guardada para você em algum lugar. Mas tenho meus sonhos também, sonhos que não envolvem uma promoção, uma casa de campo e bolsas Gucci. De uma forma racional, Eddie é a pessoa perfeita para preenche-los. Ele é lindo, é doce, é rico, é muito fácil de lidar. Ele mesmo diz que se adapta a tudo, e não duvido que seja verdade. Ele é pai da minha filha. E, de uma forma racional, ele é a pior pessoa do mundo para preencher os meus sonhos. Jon, em contrapartida, também é perfeito, apenas por um único detalhe: Não é nele que eu penso. Ah, droga, não é nem ele que eu quero.

E aí vem o maior "e se" de todos:

E se tudo o que eu pensei esse tempo todo estiver errado e Eddie realmente estiver com ciúmes do Jon? E se eu tiver alguma chance com ele?

Sei como vai ser quando acordarmos amanhã. Emily madruga, é provável que o Eddie levante primeiro, e se não fosse pelo meu despertador eu perderia a hora, pois ele se ocupa de tudo. Quando chegar à sala, aposto que ele estará com a Emily no colo e batendo um longo papo com a babá, que já terá chegado, tomando seu café medonho, minha filha alimentada, de fralda trocada, arrumada e totalmente esquecida que eu existo, pois seu mundo gira em torno do Eddie. Ele vai ser simpático, me dar bom dia, como se não tivesse ordenado que eu abrisse a porta no meio da madrugada e me castigado por um bom tempo depois, provavelmente já terá feito um acordo com a babá sobre que horas vai poder pegar a Emily e apenas me informará a respeito. Depois vai embora como se fosse um amigo que tivesse passado a noite no sofá.

Que inferno!

Até o sexo é estranho. Às vezes é super-romântico, às vezes não é nada romântico, e sempre é como se fosse uma necessidade. Tudo bem, todos nós temos necessidade de sexo, mas é como se ele precisasse mesmo tirar aquilo do sistema, como se o estivesse consumindo, sabe? Há uma urgência esquisita, não que seja rápido ou egoísta, muito pelo contrário, normalmente é longo e excelente e meio como um ritual. Ai, que horror, tem horas que acho que o Eddie é psicopata.

E, ainda assim, não consigo parar de pensar nele. Sou bem inexperiente nessa área de amor. Amo minhas filhas, as duas, mas não sei ir muito além disso. Mas talvez seja isso o que eu sinto pelo Eddie. E, se for, preciso fazer alguma coisa a respeito.

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Este POV faz parte da Semana da Renata, que acontece até dia 28 de novembro no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora