(1997) Rick: "Não tem justificativa pra eu ter te tratado assim"

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Eu e Julie nos casamos oficialmente logo depois do ano novo. Já éramos casados na prática há um ano, mas sabe como é, ela fazia questão de festa e janeiro de 1997 foi quando a grana deu. A gente se mudou para um apartamento de dois quartos em Barnet e, como eu teria de trocar de reunião do NA, escolhi uma perto do trabalho.

Destino é mesmo uma coisa bem engraçada. Oito anos sem notícias. Um fiasco de festa em que eu só consegui matar a menina de medo, receber umas ameaças e aparecer em uma capa de tabloide. Então resolvo trocar de reunião de NA, levanto para contar a minha história (gosto dessa parte. Dá mais realidade à coisa, sabe? Um lembrete de que eu já fui um cara muito fodido e que só a minha força de vontade me impede de voltar a sê-lo) e aí dou de cara com a Malu. Soltei até uma risada. Não em voz alta, risada interna mesmo. Não só meu caminho voltou a cruzar com o dela, como em uma situação em que ela não tinha escolha a não ser ouvir parte da história.

Aí é que a gente vê a questão da relatividade do tempo, pois deve ter se passado um segundo, dois no máximo, em que a minha cabeça trabalhou de forma maníaca. Porque, quando eu menos estava esperando, ali estava a minha grande chance, e imediatamente comecei a dizer para mim mesmo para não fazer merda, porque, se eu não conseguisse pedir desculpas a ela dessa vez, eu nunca mais teria a oportunidade colocada no meu colo daquela forma. Do jeito que nosso encontro na festa havia sido ruim, era capaz de ela até trocar de reunião. Ou seja, eu não podia dar bola fora.

Ela estava batendo papo com uma amiga, uma mulher grandona e loura, e não havia me visto. Então limpei a garganta e parecia que eu estava falando para o salão, mas na realidade eu falei pra ela:

-Meu nome é Rick e não uso drogas há três anos.

Ela imediatamente reconheceu a minha voz e ergueu o rosto. Parecia mais assustada que surpresa. Durante o resto do tempo, ela não olhou para mim, e sim para um ponto na parede atrás de mim. Como se não quisesse me ver, ou não quisesse que eu percebesse que ela prestava atenção. Ainda assim, tudo o que eu disse foi por ela. Contei que comecei a fumar maconha na escola como todo mundo, e passei por todos os itens da minha longa lista de vícios sem me dar conta que eu tinha uma doença, achando que só estava me divertindo, sobre as coisas lamentáveis que fiz sempre com uma justificativa inacreditável que só fazia sentido para mim e as duas vezes em que "acidentalmente" quase dei cabo da minha própria vida, em todas as chances, pessoas, em toda a minha dignidade e amor próprio que perdi até conhecer a Julie e passar por uma intervenção que foi quase uma lavagem cerebral. Falei sobre todos os obstáculos do dia a dia, sobre a minha lista de itens e sobre a viagem que é perceber que todas aquelas coisas são o que realmente fazem a vida. Que agora tenho um emprego, estou casado, mas finalizei dizendo que não deixava de me lembrar a todo minuto quem eu fui, pra ter certeza que, qualquer lugar que eu fosse, eu não voltasse para aquele passado. Falei em arrependimentos. Falei bastante em arrependimentos, sem, claro, citar nomes ou situações. E desejei que a minha história encontrasse eco na própria história da Malu para que ela abrisse uma brecha pela qual eu pudesse passar e pedir desculpas pessoalmente.

Não ia dar a certeza pra Malu de que eu sou um psicopata e ficar encarando-a a reunião inteira, mas não a deixei fugir da minha visão periférica e, quando terminou, eu a encontrei em frente a uma mesa, com a amiga loura, comendo biscoitos. Eles têm essa mesa cheia de biscoitos, sucos e água, e Malu estava meio escondida atrás da amiga, comendo como se não houvesse amanhã. No dia da festa, ela estava toda arrumada e tal. No NA, de cara limpa, parecia a menina que eu conhecia. Mais bem vestida, claro, mas uma garota. Me lembrou, aliás, dos garotos que éramos. Ou melhor, que poderíamos ter sido se o vício não tivesse nos pegado na curva. Repetindo para mim mesmo que não havia desculpa para recuar por covardia depois de tantos anos sonhando com aquele momento, fui lá.

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora