Querido diário,
Hoje briguei com a mamãe. Ou não. Não sei mais com quem briguei. Na verdade, eu queria era brigar com a Malu, mas a mamãe não deixou.
Eu só queria que ela entendesse que o Mick estava tendo um caso com a Malu, e ela ficava repetindo que não.
-Ele mandou flores pra ela! – Eu insistia, pois ela parecia não entender.
-Exatamente, ele mandou flores pra ela! Isso não significa nada! E, se ele estivesse mesmo tendo um caso com a Malu, isso seria problema do marido dela, e não seu.
Por que a mamãe diz essas coisas? Como ela pode ser tão insensível? Eu sei que ele não é mais meu marido, mas não preciso que a minha própria mãe me lembre! E, ainda que não seja, foi a traição sem tamanho que a Malu me aprontou! Eu e Mick íamos voltar, aliás já podíamos até ter voltado, se a Malu e a Kate não tivessem enchido a minha cabeça contra ele por causa de uma piranha em um hotel. Eu estou com os nervos ruins, eu ando triste, poxa, todo mundo sabe disso, principalmente elas! E aí, como se não bastasse, a Malu começou a xingar o Dave, eu perdi a cabeça, briguei com ela, e quando fui contar para o Mick ele ficou do lado dela, contra mim e contra o nosso próprio filho! Sei que não sou a pessoa mais inteligente do mundo, mas só alguém muito idiota não sentiria cheiro de armação.
Foi então que os ataques de pânico voltaram, mas acho que já escrevi isso aqui. Mamãe disse que eu tinha de ir ao médico, mas o que um médico pode fazer? Trazer o Mick de volta? Dar uma lição na Malu? Fazer essa dor parar? Calar a minha cabeça? Nenhum médico faz essas coisas.
Mamãe disse que a culpa era minha por mandar as crianças para a casa da Malu todo final de semana, mesmo que estivéssemos brigadas.
-Mas eles pedem!
-Se você não suporta a Malu e acha que ela está querendo te roubar o Mick, porque os manda pra lá?
Não falei nada, mas sei o por quê. Mando porque essa casa é horrível. Porque ela é grande, vazia e barulhenta. Junta o barulho da casa, o barulho da minha cabeça, o barulho dos meninos e fica insuportável. Quando estou só com a Baby, ao menos posso suportar. Eu não sei mais, não consigo mais ser mãe. Não é assim que uma família deveria ser, não é assim que a minha família deveria ser. As crianças me lembram do meu fracasso o tempo todo, que nada deu certo.
E não disse nada porque eu falo, falo, falo, mas a mamãe não entende.
Ela disse que eu sou um fiasco. Não usou essa palavra, mas gritou:
-Você tinha tudo, Singe! Você tinha uma família, um marido, amigos, uma vida maravilhosa! Agora veja se não perde o dinheiro e a beleza, que pelo menos isso você ainda tem!
Queria ter nascido com alguma deformidade física. Podia ter nascido vesga, nariguda, com lábio leporino, alguma dessas coisas, ou todas, não me importo. Assim, eu não teria crescido com a obrigação de ter tudo e conquistar o mundo por ser bonita. Nunca conquistei nada com a minha beleza. Ela nem ao menos foi capaz de segurar o Mick, que me trocou por uma hipponga esquisita um milhão de vezes mais feia que eu.
Mamãe está certa, eu sou um fiasco. Não consegui nem ser feia.
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O Lado Escuro da Lua
RomanceEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...