(2001) Vince: A Teoria da Bananeira

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Estou cansado pra burro. A ideia era fazer a última turnê, bolar um plano muito bom para ganhar a vida depois disso, fazer o último show, viajar com a Kay, curtir umas férias, voltar e colocar o plano em prática.

Na verdade, o que realmente aconteceu: Zoei a turnê inteira, quando sequer lembrava que tinha que bolar um plano, o empurrava para a semana seguinte, perdi a minha mãe, fizemos o último show, Tom sofreu um acidente, Rod morreu.

A vida é assim. Você acha que vai estar em uma praia na Indonésia, e em lugar disso está no enterro do seu empresário, dando uma força pra mulher dele e para uma de suas melhores amigas e temendo pela vida do seu amigo de infância. Agora Tom não corre mais risco de morrer, o que temos de fazer é esperar e torcer que ele acorde logo e sem sequelas, tentar nos reorganizarmos e seguir adiante.

Recebi várias propostas de trabalho durante esse tempo. Outras bandas, carreira solo, mas tudo parecia errado pra caralho. Não é como se eu tivesse um outro projeto, saca? Experimentar alguma coisa nova, juntar um pessoal que topasse tocar a ideia adiante comigo... Nada disso. Acho que eu estava no período de luto, quando fica difícil imaginar a vida de outra forma. Uma hora ele deve passar, mas o que eu queria de verdade era fazer algo totalmente diferente. O quê? Eu não fazia ideia. A Kay dizia que, quando eu parasse de pensar sobre o assunto, me viria alguma coisa. Ela tem a teoria da bananeira, que é o seguinte: Você está conversando com alguém, uma palavra te foge e você não lembra por nada. Dois dias depois, você está plantando bananeira na aula de ioga, a cabeça totalmente em outra coisa, e aí do nada a palavra aparece, só porque você não pode ligar imediatamente para quem estava conversando e continuar o papo. Se isso é uma metáfora, passei a turnê inteira plantando bananeira. E não me veio nada.

Hoje assinamos com um outro empresário, o Leonard. O filho da puta veio atrás da gente assim que a morte do Rod saiu nos obituários e, ao mesmo tempo que dava vontade de manda-lo se foder, o cara é bom. E, ainda que, e principalmente por não fazer a menor ideia do que seria a minha vida, preciso de grana. Saímos de lá, Eddie estava indo ao hospital fazer companhia à Malu, e eu fui também para dar uma checada nela e no Tom. Cheguei morto e bastante puto da curva que a vida tomou e encontrei a Kay furiosa esbravejando.

-Não! Porra, não, Chloe! Você é feita de que, de geleia? Não sabe dizer "não"?! Me passa a merda desse telefone!

Kay nunca pega o telefone para negociar nada que seja, e fiquei no mínimo curioso. Ela continuou gritando com o aparelho:

-EU TÔ ME FODENDO PRA DATAS! A MERDA DO CD PODE ESTAR PRONTO, MAS O MELHOR AMIGO DA SUA ESTRELA E MARIDO DA GUITARRISTA ESTÁ NA PORRA DE UM COMA! COMO VOCÊ QUER QUE EU LANCE ISSO? COMO?! DIVULGAÇÃO MEU CU! ESSE CD SAI QUANDO EU QUISER E SE EU QUISER, PORQUE SE EU NÃO ESTIVER A FIM NÃO SAI NUNCA! DIGA O QUE TIVER VONTADE, ASHLEY, MAS NÃO ME TORRA A PORRA DO SACO! – Bateu o telefone e virou pra Chloe: - Marque uma sessão de acupuntura que estou só nervos.

Não diga.

Uma grande diferença entre mim e Kay é que eu quero basicamente e em primeiro lugar me divertir. Ela quer ficar milionária e dominar o mundo. Por isso sua agente é a Ashley e eu jamais assinaria com ela. Ashley é uma puta empresária, mas é louca e não tem alma. Consequentemente, Kay ganha rios de dinheiro, seus shows são uma fortuna e só o que ela fatura com seus produtos já dava para se aposentar e viver bem até o fim da vida. Em compensação, eu me estresso bem menos.

-O que aconteceu? – Perguntei, embora já fizesse uma boa ideia.

-Esses filhos da puta querendo que eu apresse o lançamento do CD, Ashley querendo agendar a gravação dos clipes. Como, meu Deus, como?! Ela espera que eu arranque a Malu do hospital e diga "Faça uma cara bonitinha aí, que precisamos gravar a porra de um vídeo?" SEU CARMA ESTÁ HORROROSO, ASHLEY! NA PRÓXIMA ENCARNAÇÃO VOCÊ VAI VIR COMO VÍRUS DA LEPRA! – Kay berrou para o aparelho de telefone, como se Ashley pudesse ouvi-la.

-Ei – Eu a abracei. – Você sabe que eles estão na sua mão, né? Então não esquenta. Pelo menos, não com isso.

-Puta que pariu, que ano horroroso – Ela disse, e sua voz saiu abafada porque seu rosto estava contra o meu peito. Cara, a Kay é uma graça. Tire a loucura, os ataques, o gênio, a ambição de líder mundial, e ela é só uma menina, e uma graça de menina.

E está mesmo um ano horroroso. Daqueles que você não consegue parar de chorar uma desgraça, porque já vem outra logo em seguida.

-Eles estão me torrando o saco por causa de toda a grana que gastaram com o estúdio e com o Rob.

-Eles que se fodam. Eles gastaram a grana de boa porque sabem que vão ganhar muito mais às suas custas. Como sempre ganharam, aliás.

Tudo bem que a Kay exigiu o estúdio mais caro do Reino Unido. O produtor mais caro, também. E então, enquanto eu plantava bananeira, veio:

-Um estúdio!

-O que tem? – Ela olhou pra mim, tão surpresa que esqueceu o assunto.

-É isso o que eu posso fazer! Posso abrir um estúdio!

-Ei, estamos falando do meu problema! Momento Egoista Kat... CARAMBA, VOCÊ PODE ABRIR UM ESTÚDIO! Como se faz isso?

-Sei lá, mas não pode ser tão complicado, né? A gente sabe o funcionamento, foram quase vinte anos dentro de um! E ajudamos o Tom a montar a Abbey Road. De todas as coisas novas, é a que eu mais sei fazer.

A bananeira dá mesmo certo, porque foi uma puta ideia. E já matava dois coelhos como uma cajadada, porque o Tom andava tão perdido quanto eu, mas, como ele é mais impaciente, não estava lidando com o problema da melhor forma. Eu podia chama-lo pra ser sócio. Ele também curtiria pra caramba e porra, não tem muita coisa que a gente tenha feito separado desde que se conheceu. Puta ideia!

De repente, me toquei que a Kay não estava mais comigo. Em lugar disso, berrava com a Chloe:

-Pesquise os melhores equipamentos! Os melhores! Preços de aluguel, não vamos no mais caro, mas também não quero nada meia boca. Aliás, quero um estudo imobiliário completo de Londres. Ligue para o contador do Vince e marque uma reunião. Aliás, peça pra ele vir aqui. Ontem, Chloe, peça para ele vir aqui ontem! E faça uma lista de sugestão de nomes, mas nada daquela porcariada que você arrumou pro meu último CD.

No meio dessa merda de ano, a única coisa boa foi que a minha mãe, ainda que tarde, se deu conta da puta mulher que eu arrumei.

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Este POV faz parte da Semana do Vince, que acontece até dia 30 de janeiro no grupo Realidades Paralelas da Mari.

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora