Ele disse:
Desliguei o telefone e fui no automático, sem nem pensar. Liguei pra Nikki, mandei que ela comprasse uma passagem pro próximo voo pra Turim. Liguei pra Ruth, pedi pra ela vir. Ela veio com uma porra de cronograma ou sei lá que merda, que tinha reservado a gente pra dali a dois dias, falei tá, tá, desliguei o telefone na cara da vadia e liguei pra Michelle. Ela disse que vinha. Liguei pro Vince e falei que ia viajar, que voltava a tempo da turnê, ele perguntou o que tinha acontecido e o que eu respondi foi:
-Depois que a sua mulher ouvir o esporro da vida dela, ela mesma te conta.
É que eu estava no automático e sem tempo. Liguei pra Rê, perguntei se ela podia ficar aqui uns dois dias que eu precisava viajar.
-O que aconteceu?
-Não dá tempo de explicar, caralho!
-Se é sobre a Malu, "tem que dar tempo de explicar, caralho!" – Ela imitou a minha voz. Eu acho. Não chegou nem perto disso. Respirei fundo porque porra, é a tia dela, ia ter de se virar para quebrar o meu galho, então eu realmente lhe devia uma explicação.
-Recebi um telefonema daquela francesa agora...
-A Jackie?
-Isso. Ela esteve com a Malu ontem e disse que ela não estava careta. Tô indo lá dar um jeito nisso.
-A Malu?! Não é possível! A Malu está bem, nunca usou nada esses anos todos, passou por um bocado de aperto e nunca usou nada!
-Rê, não vou arriscar. Vou lá. Você vem ou não?
-Vou, claro. Assim que sair do trabalho, pego a Emily e vou praí. Fico o tempo que for preciso, só por favor, não me deixe sem notícias.
Cara, acho que desliguei sem me despedir, mais ou menos na hora que registrei que ela vinha. Nisso a Nikki ligou pro telefone fixo e disse que conseguiu a passagem, o que me deixou aliviado, mas só pra dali a seis horas, o que me deixou puto. A melhor maneira de gastar esse tempo era enchendo a orelha da Kay. Fechei a porta do escritório, pra ter certeza que criança alguma me escutaria.
Ela disse:
Não achei estranho o Tommy me ligar porque, em primeiro lugar, ele é meu amigo, em segundo, ele é meu melhor amigo, em terceiro, ele vinha me ligando mesmo, pois pediu para eu ficar de olho na Malu. Essa história estava me deixando desconfortável pra cacete, aliás. Me trouxe um flashback horrível da primeira turnê dos Angels, da Malu descontrolada e alucinada e eu dando relatórios diários ao Tommy. Agora a menina está bem, está grandinha, está trabalhando, tocando espetacularmente, diga-se de passagem. Está animada e feliz. Achei que talvez ela tivesse feito por merecer um voto de confiança. Só que eu atendi o telefone, e o que eu ouvi foi:
-PORRA, COMO ASSIM EU TE PEÇO PRA TOMAR CONTA DA MALU E ELA TÁ DROGADA?!
Tommy trovejou tanto que achei que os berros não haviam me permitido escutar direito.
-Não! – Falei imediatamente. – Ela está bem, Tommy!
-Onde ela está agora?
-No quarto.
-Você está no quarto com ela?
-Não.
-ENTÃO COMO VOCÊ SABE QUE ELA ESTÁ NA PORRA DO QUARTO?!
Ah, vai à merda.
-PORRA, TOMMY, VOCÊ NÃO ME AVISOU QUE ERA PRA BOTAR COLEIRA NA MALU! TORNOZELEIRA ELETRÔNICA, QUE TAL? DEIXA DE SER INSEGURO, CARALHO!
O bom do Tommy é que, quando você berra mais alto, ele normalmente cala a boca. O ruim é que às vezes ele fica mais calmo, o que diz faz mais sentido e aí você percebe que ele pode ter razão.
-Olha, recebi um telefonema da Jackie hoje. Ela esteve com a Malu ontem, é verdade?
-É – respondi. A Malu passou mesmo o dia pipocando porque a chata da Jackie ia nos ver tocar em Paris, e um bom tempo pipocando depois porque a enjoada da Jackie havia nos visto.
-Ela falou que a Malu não estava careta.
-Não é possível, Tommy. A Malu está comigo o tempo todo.
-O tempo todo?
Droga, não o tempo todo. Agora que parava para pensar no assunto, bem pouco tempo, aliás. Mas não era como antigamente. A Malu não andava com aquele ar sem foco, aquelas pupilas gigantescas, embora ela estivesse, sim, um pouco mais acelerada. Tudo bem, a Malu é acelerada normalmente, e estar a uma velocidade maior é um pouco assustador, mas a Malu drogada é um trem desgovernado, e isso eu podia jurar que ela não estava.
-Tommy, eu realmente não acredito que ela esteja usando drogas. Eu teria percebido se estivesse. Eu vivi aquela fase de perto, sei como ela fica.
Ele disse:
Puta que pariu que alívio. Que alívio DO CARALHO! Desde que a Malu voltou para Londres, eu não tenho medo que isso possa acontecer. Porra, nem penso mais nisso. Sei que ela vai ao NA e tal, mas é como se aquele pesadelo dos anos 80 não tivesse virado a década, sabe? Daí ela cismou de tocar com a Kate e o diabinho veio me morder a orelha. E não, não tô tranquilo. Tô com a passagem comprada, o esquema todo armado, vou de qualquer jeito. Porque se a francesa já passou por isso também, e afirmou com tanta segurança que a Malu não tá careta, não posso cruzar os braços e ficar em casa.
-Tommy? – Kay falou, e me toquei que estava em silêncio.
-Olha só, tô indo a Turim hoje à noite.
-A gente vai tocar...
-Eu sei. Quero te ver antes de falar com a Malu. Quero que a gente vá junto falar com ela e ver que merda é essa.
-Ok, anota o número do meu quarto. Eu aviso na recepção e, se você chegar antes de mim, você sobe e me espera.
Anotei o número, desliguei e bateu o medo de novo. Eu tinha que arrumar um jeito de gastar aquela energia até a hora da porra do voo. Pensei em ligar pra Malu, ter certeza do que a doida da Kay falou e que ela está no quarto e bem, mas se eu detectar alguma coisa, eu continuo preso aqui até a hora de pegar o raio do avião, fico louco de vez e vou até a Itália nadando. Caralho, por que tem que ser assim? Por que a nossa vida nunca pode ser calma e fácil, merda? Juro por Deus, se aquela porra toda voltar, eu nunca vou perdoar a Kay.
Ela disse:
Desliguei o telefone e toda a segurança que eu estava sentindo enquanto falava com o Tommy evaporou. Imediatamente, fui bater à porta do quarto da Malu, e não, ela não estava lá. Comecei a pensar em retrospectiva, e a merda é que eu tenho passado uma quantidade ridiculamente pequena de tempo com ela. Meu coração acelerou, saí rodando o hotel atrás dela e perguntando por ela a todo mundo que encontrava até que a encontrei na área da piscina com o Hugh.
-Onde você estava? – Perguntei, em pânico.
-Aqui, ué – Ela me olhou, confusa.
-A nossa estrela guarda um mapa com o posicionamento de toda a sua equipe – Hugh falou e Malu riu.
Cara, que isso? Me deu vontade de perguntar: "O que diabos você está fazendo aqui?" Nunca vi isso de produtor se enfiar em turnê, e de repente ele não só veio junto, como deu uma palheta pra Malu e, agora que pensava no assunto, foram muito poucas as vezes que não vi os dois juntos. Senti um arrepio horrível na espinha e lembrei daquele babaca com quem ela saía quando a confusão toda aconteceu, os dois pra baixo e pra cima debaixo do meu nariz, a Malu cada vez mais bizarra, e eu totalmente cega até que fosse tarde demais.
-Malu, vamos nos arrumar? A gente tem de sair daqui a pouco. Vem me ajudar a escolher a roupa.
-Mas você nunca me pede...
-Vem, Malu!
Pelo menos ela veio. Se aquela merda se repetir, eu nunca vou me perdoar.
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O Lado Escuro da Lua
RomanceEsse livro é uma coletânea dos POVs de Canções da Minha Vida e Diários de Malu, à venda na Amazon.com.br. Essas visões dos personagens foram escritas pelas leitoras e, algumas, pela autora, e nasceram de uma brincadeira no grupo Realidades Paralelas...