(2001) Singe: Linda

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Querido diário,

Ontem o Eddie esteve aqui. Havia muito tempo que ele não aparecia. Aliás, há muito tempo que ninguém aparece. Eu abri a porta e ele estava segurando sua câmera fotográfica. Perguntei se a gente tinha marcado alguma coisa, e ele disse que não, mas o dia estava bonito, ele precisava fazer umas fotos e pensou em mim.

-Por que em mim?

-Porque você é linda.

Eu levei susto, pois já escutei milhares de vezes, desde que nasci, que sou linda. Quando era pequena, mamãe me inscreveu em uma agência e fiz vários comerciais de lojas, balas e brinquedos. Quando eu tinha doze anos, um homem me chamou para ser modelo de verdade, mas o papai desconfiou, ficou com medo que o cara fosse um tarado e jogou fora o cartão. Mais tarde descobri que a agência dele realmente existia e talvez eu tivesse me tornado uma modelo internacional de sucesso, mas na verdade não me importo que não tenha dado certo. Primeiro, porque a música sempre me atraiu muito mais que ficar posando para fotos, e eu certamente não teria tido tempo para estudar bateria se tivesse virado modelo e ainda precisasse frequentar a escola aos doze anos. Segundo porque mamãe sempre foi maníaca para que eu controlasse o meu peso, e eu teria de parar de comer de todo. Tenho fases bem magrinhas, mas sempre às custas de muita dieta.

Levei susto porque já há algum tempo não escutava alguém dizer que sou linda. Não me sentia linda. Mas, ainda assim, o elogio soou sincero. Sei que o Eddie conhece várias modelos como, aliás, todos os Angels. Os ex-Angels. As coisas têm mudado muito, e preciso lembrar de parar de chamá-los de Angels. Mas o Eddie conhece várias modelos por causa da banda, porque elas os rodeiam, e também porque ele mexe com fotografia. Fiquei espantada por ele querer fazer fotos justamente minhas por me achar linda.

Fiquei lisonjeada, mas não estava com vontade de sair de casa.

-Você não acha melhor contratar alguém profissional?

-Cara, que graça tem isso? Pagar alguém para fazer o que eu mando, não tem história, é como foder uma puta.

Eu ri. Não sei por quê, não teve tanta graça.

-Acho que então eu tenho de ajeitar o cabelo, né? Fazer uma maquiagem? – Falei, sentindo uma preguiça enorme.

-Você não precisa. Bora – Ele me puxou pela mão, e mal me deu tempo de dizer que eu tinha de pegar a bolsa. As crianças agora ficam com o Mick, então eu fui.

Chegamos ao parque e me dei conta que precisava estar ali. Que precisava da companhia. Minha casa anda enorme, vazia e, ainda assim, sair dela é um sofrimento. Fiquei feliz que Eddie tenha me obrigado.

-Lembra quando a gente se conheceu? – Ele falou.

Claro que lembro. Parece que foi em outra vida e aconteceu com outra pessoa, mas, ainda assim, eu lembro.

-Sim, eu estava com a minha amiga Trisha. E só fui aquela noite porque ela gostou de você.

-Sério?

-Eddie, você pegou a Trisha!

-Sério?

-Sério. Mas não tem importância, a Trisha é uma vaca.

-E por onde ela anda?

-Não sei, sendo uma vaca por aí.

Nem me lembro o motivo de ter brigado com a Trisha. Aliás, não lembro o último motivo. Nós fomos ficando mais distantes com o passar dos anos, ela me tratava como uma dona de casa sem ambições, fazia uma enorme quantidade de comentários sarcásticos sobre a aparência física do Mick, até que um dia a gente brigou de vez... Ou eu me afastei... Não sei ao certo. Minha memória recente anda muito confusa e falha.

-A gente ficou puto aquela noite, sabe? – Eddie falou.

-Por quê?

-Porque estava todo mundo a fim de você.

-Todo mundo? – Fiquei tão espantada que parei de andar.

-Todo mundo. Eu, Tom e Vince. Eu mais que todo mundo, porque botei o olho em você quando a gente se encontrou na rua. E você pegou o Mick.

Dei uma gargalhada, de repente me sentindo o máximo porque, antes do Vince botar os olhos na Kate e antes do Tom botar os olhos na Malu, eles já foram a fim de mim. Mas a graça passou rápido.

-Talvez eu tenha escolhido mal.

-Talvez tenha sido a melhor escolha da sua vida. Eu e Tom não valemos muita coisa, e imagina o Josh com a cara do Vince? Ia ser um moleque estranho pra caralho.

-Ah, Eddie, não me diga que nunca parou pra pensar como seria se a sua vida fosse diferente.

-Paro pra pensar o tempo todo. Mas não paro, sabe?

-Não – eu ri.

-Se você parar, fica parado.

-Lógico.

-Pois é, não fique parada.

-Na vida?

-Agora – ele pegou a câmera e começou a clicar.

-Para, Eddie! Eu não estou pronta!

-Se fodeu – ele respondeu, clicando.

-Filho da puta! – Eu gritei, dando uma gargalhada, sem saber se colocava a mão na cintura, se fazia cara engraçadinha, se jogava o cabelo.

-Sou também – Ele começou a cantar All the Girls Love Alice, a câmera clicando sem parar.

-Ei, tá me chamando de sapata?

-Come over and see me/Come over and please me – foi a resposta, e eu achei que fosse morrer de rir.

Estou em casa novamente, olhando fotos de outra pessoa. Uma pessoa feliz e leve. E linda.

Obrigada, Eddie. Mas é preciso mais que um dia no parque para me cicatrizar.

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Esse POV faz parte da Semana da Singe, que acontece até dia 12 de dezembro no grupo Realidades Paralelas da Mari




O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora