(2015) Tommy: O Violinista no Telhado

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A mamãe é sensacional. Pra dar a exata dimensão da cabeça dela, eu preciso dizer que venho de uma família de artistas, e como família eu não só conto a nuclear como a estendida, e desde tempos imemoriais. Meu avô tem uma papelaria, mas é palhaço por natureza, e minha avó era professora de piano e ninguém toca Schubert como aquela velhinha. Eu, Lily e meus primos Lewknors todos tocamos piano, e de resto todo mundo que ou nasceu na nossa árvore genealógica ou que a mamãe plantou em volta da gente está de alguma forma ligado à música ou qualquer outro tipo de arte. O que quero dizer é que é uma turma bem criativa. Mas ninguém bate a mente da mamãe. Ela inventou que:

· Lily e Oyekunle estavam prometidos em casamento desde o nascimento

Quando a Lily soube disso, ela literalmente rolou no chão de dar risada. A garota ficou tão roxa de rir que fiquei com medo de verdade que ela passasse mal.

· Seria empresária de uma Girls Band formada por Emily, Baby e Sabine

O fato da Baby e da Emily terem voz de seriema em trabalho de parto e não se darem bem não é um problema, claro. E a Sabine querer ser médica e estar envolvida com dez mil ONGs e trabalhos voluntários também não vem ao caso, lógico.

· Montaria uma produtora de filme pornô com a Alex

Claro que ela nunca contaria isso para os "bebês" dela, mas um dia a Alex foi lá em casa com umas fantasias de sex shop, perguntou qual a deixava com menos bunda de abóbora e acabou dizendo qual era o plano, até que a mamãe chegou, pegou o final da história, e ficou tendo palpitação e falta de ar enquanto se segurava nas paredes.

· Tinha tudo a ver eu e Angie dividirmos um apartamento

Voltando ao primeiro parágrafo: Minha família é toda ligada a artes, menos a minha irmã gêmea, a criatura mais sem imaginação e diferente de mim colocada sobre a face da Terra. Nós nascemos prematuros, e a minha teoria é que, depois de oito meses sendo feto e dividindo o útero, um dos dois gritou "Chega dessa merda pelo amor de Deus me tira daqui! ". A coisa mais criativa que a minha irmã já fez na vida foi imprimir uma placa de "proibido" na internet, colar a minha foto em cima e pregar na porta do quarto.

Não é que a gente não se dê bem. Nem que a gente não se dê mal. Na maior parte do tempo, a gente convive, até que eu, Deus sabe como, desorganizo o mundo metódico e velho da Angie e ela começa a dar Faniquitos Angélicos.

Para resumir, ficou acertado que Angie iria para o alojamento e eu ficaria sozinho no apartamento até achar alguém para dividir o aluguel comigo. Tudo empacotado, encaixotado, noite de despedida, a família inteira, mamãe chorando até desidratar, até que a galera sumiu e eu e Baby fomos fumar no telhado. Dali a pouco, ouvimos um barulho.

-Porra, Angie! – Gritei quando vi a cabeça dela surgir, depois de ter quase engolido o cigarro de susto.

-Mamãe não sobe aqui, Tommy! Se aparecer alguém, sou eu – ela sentou do nosso lado.

Grandes merdas, Angie também quase nunca sobe aqui. É meu fumódromo e ela é velha demais pra gostar de fumaça.

-O que vocês estão conversando? – Angie perguntou.

-Seu irmão tá surtando em um papo nostálgico, parece que vai pra guerra. Tommy, liberdade! Putaria! Baixaria! – Baby falou.

-Não é como se a gente nunca tivesse tido liberdade aqui – Falei. Porra, sou normal. Tô super feliz de me mudar pra cidade, ainda mais agora que vou morar sozinho, mas não tem como sair dessa casa com o coração leve. Não nasci aqui, mas vivo aqui desde a minha primeira lembrança. – Ok que tem a hora de dormir. E a lei das cinco garfadas de comida com tudo que tiver no prato. E os horários. Mas é uma puta casa sensacional pra ser criado. E nem vem, loura, que você não sai daqui.

-Verdade, não saio. E você, Angie? Quais são seus sentimentos? Vai chorar também?

-Não chorei.

-Não, mas o labiozinho do Tommizinho deu uma tremidinha.

-Se foder, Baby.

-Me fode, gostoso.

-Credo, como vocês são vulgares – Angie reclamou.

-Mas quais são seus sentimentos? – Baby insistiu.

-Ah, sei lá – Angie deu de ombros. – Aqui é muito confuso. Muita gente, muito barulho.

-E você acha que vai ter calma em um alojamento de faculdade?

-Não é possível que seja mais barulhento que aqui.

Talvez não seja, mas isso é o que torna essa casa incrível, sabe? Conheço pouco do país de onde a mamãe veio, mas imagino que seja assim. Sempre um monte de gente, as pessoas entrando e saindo, música alta, churrascos na piscina no meio do inverno. Isso é uma coisa boa! A minha avó acha a mamãe a criatura mais louca do mundo, ela é toda inglesa, e isso é bom também. Nós saímos com um pé de cada lado, o melhor de cada cultura. Já a Angie tem os dois pés plantados na Inglaterra rural do século XVIII, e isso me deixa puto, no mínimo pelo desperdício. A gente é privilegiado pra caramba, e não tô falando do fato de sermos ricos, não. Tô falando de toda a herança e a riqueza cultural que a mamãe deu pra gente e pra qual a Angie tá pouco se fodendo.

Fico triste por ela, que não consegue ver como o nosso pedaço de mundo é bem mais divertido.

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Este POV faz parte da Semana do Tommy, que acontece até dia 9/1 no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora