(1998) Tom: Certa noite em Béziers

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Eu e o Eddie colocamos umas cervejas no cooler e fomos pra trás da casa fumar um baseado, pra fugir um pouco daqueles moleques que a Singe deve ter criado com anfetamina na mamadeira. Às vezes a Malu parece meio xiita e tal com os horários, mas você vê no que deram os filhos do Mick, e vê que aquela menina sabe o que está fazendo, afinal. Tirando isso, essas férias foram uma puta ideia. Só teria sido maneiro se o Victor tivesse vindo.

Dei o primeiro tapa e a minha cabeça ficou imediatamente leve.

-Puta bagulho bom do caralho! Onde você arrumou? – Perguntei.

-O Jones te mandou de presente, pra dar sorte no processo e tal. Vem cá, você comentou do processo até com o Jones?

-Sei lá, devo ter comentado. Tô perturbadaço com essa história. Meu filho, caralho. Puta injustiça ele não estar aqui.

-Muito pouco nisso tudo é justo, mas é a forma que aconteceu.

-Pois é, agora o jeito é correr atrás. É o que estamos fazendo – Falei, estendendo o baseado pro Eddie. – Ou tentando.

-Estão fazendo. E fazendo bem pra caralho – Eddie sorriu. Puta que pariu, amo esse cara. Se o Vince é meu amigo mais antigo, Eddie é o irmão que eu não tive. Quando a gente o conheceu e quase lhe demos um perdido porque fizemos audições com uns dez baixistas melhores, o que nos fez voltar atrás foi ver as letras que ele escreveu e que uma amiga doida que tava com ele levou. O cara escreve o que você pensa e sente o que você não tem coragem. Uma vez eu e o Vince comentamos que ele é meio ET. Alguma coisa ali não encaixa no padrão de ser humano, saca? Não que ser humano seja alguma coisa pra se orgulhar na maioria do tempo. Aliás, na maior parte das vezes, é uma merda.

-Você acha que ela vai ficar legal? – Perguntei. – Se não der certo, ela não vai surtar como da outra vez?

-Acho que ela é mais forte que todos nós juntos. Só não sabe disso. Ela vai até o fundo do poço e volta e quase não traz cicatriz, e o que é mais impressionante é que ela volta doce. Acontece todo o tipo de merda com ela, cara, e não forma um talho. Ela vai ficar sempre legal. Ela é sensacional.

Eu tava com a cabeça cristalina. Ouvi o que eu ouvi e sei o que eu ouvi. Era Gispsy, que o Eddie escreveu em 86. Eddie e Malu sempre foram bastante amigos. Porra, eles são iguais. Malu é mais bonita e faz o meu tipo, mas tirando isso são iguais. Em um monte de coisas, sabe? São mais ou menos como eu e a Kay, aquelas pessoas que têm uma afinidade e curtem e se divertem com as mesmas coisas, e falam um bando de merda junto. Ok, somos todos amigos e falamos um bando de merda, mas algumas merdas são específicas e só cabem com certas pessoas. As merdas específicas do Eddie são com a Malu, e dela com ele.

Mas se a Malu é a Gipsy, aí a gente já tá indo um pouco além. Foi bem louco. Lembrei da bebedeira absurda depois do nosso casamento, do tanto que ele pegou no meu pé no meio da confusão com o porco em 96, daquela vez que a Rê foi a Paris correndo, que eu achei que a Malu tinha tido uma recaída, e ele ligava a cada porra de cinco minutos atrás de notícias. Caralho, ele não sai mais lá de casa! Fico pensando até quando posso traçar isso, porque ele não ia se apaixonar pela minha mulher à distância, quando ela estava em Paris, certo? De quando vem essa história?

Só que é bizarro pra cacete, porque ele nunca me deu letra errada. Eu e a Malu brigamos mais ou menos uma vez por mês, e ele sempre dá um jeito de se meter, mas da maneira certa, pra reaproximar a gente. Ele é ponta firme pra caralho. E a Malu, sei lá, sempre achei que ela tinha um sentimento de irmã por ele. Também sempre achei que ele tinha um sentimento de irmão por ela, mas parece que tava errado. Só que eu sei que ela não vai mudar. A Malu é minha, e nada vai alterar isso.


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora