(2008) Victor: Nova York - Parte II

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Chegamos atrasados à porra do evento por causa da Alex, que cismou de comprar um terno pro Josh porque o dele era "muito filme de gangster da década de 20", e ela amava gângsteres, sobretudo os da década de 20, e tinha visto Os Intocáveis mil vezes, era década de 20, não era? Agora ela não sabia, mas achava que era, e sério que o Sean Connery continuava vivo, porque tipo, ele sempre foi velho, agora devia ter uns cento e vinte e três anos.

No dia anterior a gente tinha ido visitar o alojamento do campus, e a Alex tirou foto de tudo e mandou pra mamãe aprovar. Como se não tivesse torturado a gente o bastante, começou uma conversa com o pessoal pra saber de onde vinha o suprimento de drogas e bebidas ilegais.

-Que porra é essa, Alex?

-Falei pra Malu que cuidaria do assunto, tô cuidando do assunto.

-Alex, eu vou virar a aberração da faculdade!

-Ótimo, ninguém vai querer te vender drogas. Já falei que uma vez eu usei drogas no meu aniversário e fui encontrada dois dias depois andando pelada em Holloway? Você não vai querer passar por isso, Victor, até porque Holloway fica longe pra caralho e ia ser muito tempo andando com seu salame por aí até ser encontrado. Depois disso todos os meus aniversários foram amaldiçoados e precisei de um orgasmo público pra me livrar.

-Cacete, Alex! – Josh falou.

-Que foi? O que tem? Até parece que você nunca gozou. Agora me deixem que vocês estão me estressando.

Hoje ela bateu na porta do nosso quarto de vestido longo e o cabelo igual ao da Marge Simpson. A gente tinha colocado um paletó legal e tal, mas ela cismou que tinha de ser terno. Mamãe tinha enfiado o meu na minha mala (ela sempre faz isso), mas o do Josh era muito "filme de gângster dos anos 20" e rodamos pra comprar um. Isso pra chegar no chá atrasados e todo mundo estar de paletó legal.

Puta coisa chata. Eu estava super animado pra começar a faculdade, mas aquilo era um saco, um monte de gente velha andando de um lado pro outro com cara de quem tinha cheirado peido, com mais um bando de gente nova cafona pra caralho em volta. Fiquei pensando se a Alex tinha queimado tanto o meu filme ontem com os veteranos que eu teria que ser amigo daqueles calouros, ou se todo mundo tinha rodado a cidade pra achar aquelas roupas porque estavam acompanhados de adultos surtados também. A Alex falou que estava tudo sob controle, ela era uma vadia com alma de lavadeira, mas a mamãe tinha lhe dado aulas de comportamento apropriado uma vez que o tio Mick lhe deu um pé na bunda por falar do namorado africano. Eu e Josh nos entreolhamos sem saber o que dizer, até que Alex fez cara de quem cheirou peido, agarrou a nossa mão e começou a rodar pelo salão, falando coisas como:

-Acho supimpa que meu sobrinho esteja tendo a oportunidade de estudar nesta excelente instituição de ensino. Agora, por favor, me relate os percalços dos primeiros peregrinos que chegaram a este país fantástico e fundaram esta universidade.

-Sobrinho? – Cochichei pro Josh.

-Porra, eu sou filho, você é sobrinho.

-Pelo menos a gente economizou a grana do goró, a experiência tá igual.

-Não é, Victor? – De repente ouvi a Alex falar.

-Oi?

-Fale sobre aquele documentário aclamado e premiado que você dirigiu – E virou para o coroa na nossa frente: - É o filho mais festejado das terras da rainha.

-Sou filho da França, Alex. Lá cortaram a cabeça de todas as rainhas – Respondi, ignorando o coroa.

-Não brinca! – Ela virou pra mim, também esquecendo o coroa. – Quando foi isso?

-Porra, você não estudou a Revolução Francesa na escola?

-Fala sério, Victor. Eu fazia sexo na escola – ela deu uma gargalhada. – E depois disso, o que aconteceu?

-Aí a burguesia tomou o poder.

-Não, o que aconteceu com as cabeças?

-Hã?

-Alguém deve ter feito alguma coisa com as cabeças. Porque tipo, larga-las lá ia deixar uma fedentina danada, e ia ficar uma coisa meio grotesca, meio apocalipse zumbi, aquele bando de cabeça cheia de carne decomposta jogada na rua. E não é cristão não enterrar, mesmo que você seja um revolucionário, se bem que não sei se os revolucionários são cristãos, então tudo bem. Mas cadê a vigilância sanitária pra fazer alguma coisa?

-Acho que as cabeças iam parar em cestas e não tinha vigilância sanitária. É assim em todos os filmes sobre a revolução francesa – Uma menina, filha do coroa, falou.

-Mas o que faziam com as cestas? – Alex olhou pra ela. – Porque elas não são impermeáveis, sabe? Tem uma razão pras pessoas serem enterradas em um caixão embaixo de sete palmos de terra, e as cestas não seguram a carne podre, e certeza que escorrem fluidos.

A mulher do coroa colocou o guardanapo que estava usando para segurar o canapé na frente da boca e se afastou, verde. De repente aquele evento chato pra caralho estava começando a ficar legal. Estava esperando a mesma reação da menina, mas ela respondeu:

-E cestas não são muito revolucionárias, né? Eles podiam espetar as cabeças em lanças e cercar Paris com elas, como pra marcar território, parecido com o que o Vlad III fazia.

-Isso! Vlad III! Quem era ele?

-A inspiração do Drácula.

-Eu falei, Josh! Eu te disse que vampiros existiam!

A menina sorriu, e era um puta sorriso lindo.

-Não sei se era vampiro, mas dizem que uma vez dois súditos esqueceram de tirar o chapéu quando fizeram reverência pra ele, e o Vlad III mandou pregar os chapéus na cabeça deles.

-Eles tinham problema de careca nervosa? Porque eu tenho, e super entendo, porque não é sempre que dá pra tirar o chapéu. Meu penteado, por exemplo, é pra esconder uma careca que me nasceu de tanto esperar o Josh terminar de bater punheta no banheiro pra eu poder entrar e tomar banho.

No meu primeiro encontro com a Julia, uma das coisas que ela falou foi:

-Adorei a Alex. Aquele chá estava chato pra caramba. Meus pais estão querendo me colocar guarda-costas, mas valeu a tentativa de dar uma animada.

-Pra falar a verdade – Eu disse, meio sem jeito. – A Alex é assim mesmo.

Julia arregalou os olhos. Ela também tinha uns olhos lindos do caralho.

-Tá de sacanagem?! Uma pessoa assim existe?

-De onde eu vim, tá cheio – E achei melhor jogar toda a merda no ventilador e lhe contar sobre a minha família.

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Este POV faz parte da Semana do Victor, que acontece até dia 21 de novembro no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora