(2008) Julia: Amor a Toda Prova

111 23 8
                                    

Não existem muitas situações mais desconfortáveis que conhecer a família do seu namorado. Talvez fazer isso no natal, quando absolutamente toda a família está reunida e você é a única estranha. Provavelmente seja quando você está namorando oficialmente há quatro meses e vai se casar. Ainda mais se já estiver grávida. Também acrescentaria à lista o fato de estar grávida, ter acabado de começar a faculdade e ter um emprego que, na realidade, é praticamente uma ajuda de custo. Agora pegue todos os horrores dessa relação e junte tudo em um pacote só: Era o que estava prestes a acontecer comigo.

Dividimos as férias de fim de ano da seguinte forma: Na primeira semana, fomos a Saint-Louis dar a notícia aos meus pais. Segundo Victor, não havia época do ano que sua mãe amasse mais que o natal, o que a deixaria naturalmente bem-humorada. Assim, iríamos a Londres na segunda semana, chegaríamos exatamente na véspera do natal e ficaríamos até o aniversário do Victor, o que geraria uma euforia tão grande na Malu que ela não teria como não gostar das notícias.

Estávamos tentando manter o otimismo, ainda que nossa visita à minha casa tenha sido desastrosa. Minha mãe chorou, meu pai quis que Victor largasse os estudos para procurar um emprego, todos viram o nosso futuro como algo sombrio e tenebroso e procuraram nos provar por A mais B que estávamos destruindo a nossa vida, a vida deles, a de todas as gerações futuras e cobrindo de vergonha os nossos antepassados. Eu esperava uma reação bem melhor da família do Victor. Primeiro, porque a mãe dele foi mãe solteira com a minha idade. Achei que haveria, no mínimo, alguma solidariedade. Segundo porque eu ainda não a conhecia pessoalmente, mas Malu Lewknor estava em todos os cantos. Só o fato de ser uma artista já me dava a sensação de ter uma cabeça mais aberta. O de ser brasileira parecia bastante promissor. E já havia visto suas fotos, já a havia visto na TV. Ela era incrivelmente jovem para ser mãe do Victor, cheia de tatuagens, usava roupas modernas e saltos enormes. Ou seja, era o oposto da minha mãe.

E então chegamos. O pai do Victor nos esperava no aeroporto, um homem alto, tatuado, com piercings, alargadores de orelha, jeans, camiseta, jaqueta e All Star. Os dois se cumprimentaram com um aperto de mão complicado e fiquei um pouco zonza, pois parecia que estava na frente de um colega do meu namorado, talvez seu irmão mais velho, pois os dois são muito parecidos, e não do meu futuro sogro.

-Pai, essa é a Julia.

-Aê, Victor. Mantendo a Tradição Lewknor de escolher bem. Muito prazer, Julia – Ele apertou a minha mão.

-Muito prazer, senhor Lewknor.

-Puta que pariu, senhor Lewknor é o meu pai. Me chame de Tom.

Já tive alguns namorados na vida. Conheci os pais de muitos deles. Nenhum jamais disse um palavrão na minha frente, muito menos quando acabou de me conhecer.

Tirei meu primeiro passaporte para aquela viagem, logo é desnecessário dizer que nunca havia estado em Londres antes. Tom disse que eu teria bastante tempo pra visitar a cidade nos próximos dias, mas a casa era no fim do mundo e era para lá que estávamos indo.

-Vamos ficar lá? Vai caber? – Victor perguntou. Ele sabia do arranjo tanto quanto eu, ou seja, nada.

-Pra ficar de olho em vocês, a Malu arruma jeito de todo mundo dormir em escalas.

Então talvez não fosse tudo tão tranquilo quanto eu estava antecipando.

Chegamos a um subúrbio com lindas casas que pareciam ter saído de filmes ingleses. Talvez não fossem lindas de verdade, mas eram tão típicas que me deram imediatamente uma ótima sensação de finalmente estar pisando em um novo país. Minha vida sempre foi muito certinha, e um dos muitos aspectos emocionantes de namorar o Victor é que tudo é diferente e peculiar, como quando eu lia no meu quarto e sonhava com uma aventura. Aquela era a aventura! Eu a estava vivendo! Victor me mostrava casas de vizinhos, o centro recreativo onde havia passado boa parte da adolescência, a velhinha do fim da rua que vivia aterrorizando a ele e a seus amigos, e era incrível vê-lo no lugar onde cresceu. Até que chegamos a um enorme muro alto que tomava quase um quarteirão e Tom diminuiu a velocidade.

-É aqui? – Perguntei, boquiaberta.

-Sim. Mais conhecida como a Linda Casa – Tom falou.

-Depois mudou para Lindo Cubículo – Victor corrigiu.

-Cubículo?! – A não ser que minha miopia ou meu conhecimento da língua inglesa estivessem me traindo, estava diante de tudo, menos de um cubículo.

-Mas em seguida mudou para Lindo Resort – Victor finalizou. Resort era bem mais apropriado.

Além do muro havia um jardim muito bem cuidado. Victor falou para eu elogiar as flores, eram sempre um ótimo truque com a sua mãe, e quando ele me disse isso eu imaginei uma senhora de chapéu de palha, luvas de borracha, cabelos brancos, trabalhando no jardim. Quem abriu a porta foi uma jovem baixinha, magrinha, quase nenhuma linha de expressão, botas e roupas que eram o cruzamento perfeito entre uma adolescente e uma mulher elegante. Quando via as suas fotos, ela parecia uma estrela do rock. Na minha frente, era uma menina como eu.

Ela deu um pulo e enlaçou o pescoço do Victor enquanto dizia umas palavras em outra língua e Victor respondia da mesma forma, entre feliz e constrangido, e então ele se virou para ela, em inglês:

-Mãe, essa é a Julia.

-Muito prazer! – Malu apertou a minha mão. – Entre! Entre! Venha conhecer todo mundo!

Foi muito simpática, mas eu também havia sido advertida em relação a isso. Victor falou que ela era extremamente simpática e agitada quando estava nervosa, e seu volume de voz subia uns mil decibéis. Como meus tímpanos estivessem vibrando, pensei que ao menos ela deveria falar mais baixo assim que o nervosismo passasse, embora não fosse muito consolo que quem havia provocado aquela reação tinha sido eu.

Entramos em um lobby e Malu continuou gritando para o resto da família vir nos cumprimentar. Quanta gente! Conheci o famoso tio Eddie, a madrinha do Victor e, só de irmãos e primos, havia sete crianças.

-Melhor guardar as malas enquanto a casa está calma, que o pessoal ainda vai chegar.

Mais gente!

-Eddie, Tom, coloquem as malas da Julia no quarto de hóspedes. Victor, você vai ficar no loft com o Tommy.

-O quê?! – O queixo do Victor despencou. – Mãe, o Tommy fala sem parar e nunca apaga a luz!

-Victor, o Tommy ficou com o seu loft, e não é delicado colocar a visita para dormir com uma das suas irmãs! – E então seus olhos bateram em mim, como se ela percebesse que eu estava entendendo, e disse alguma coisa, sem tirar o sorriso do rosto, em português. Não entendi uma palavra, mas pareceu ser bem ameaçador. Na mesma hora, Victor abaixou a cabeça.

-Tá bom, vou botar a mala lá. Mas não me enche o saco, moleque! Ou você me deixa dormir ou vai levar um tapa no pé da orelha!

-Victor! – Malu gritou (mais).

Victor ficou em silêncio e entrou pela casa carregando a mala, com um menino correndo atrás e falando sem parar em português.

-Sente-se, você deve estar cansada! – Malu falou. – Ou não, você deve estar sentada esse tempo todo! Então fique em pé! Faça o que quiser! Vou mostrar a casa. Mas você deve estar com fome, tenho pavor eterno de comida de avião! Alguém traga uns aperitivos!

E, antes que alguém os trouxesse, ela mesma se enfiou por uma porta para fazê-lo. Estava zonza, aparvalhada, perdida com a diferença de fuso horário, e então olho para baixo e uma linda pré-adolescente muito parecida com o Victor me encarava, séria. Se não me engano, essa era a Angela.

-Não se preocupe. Somos praticamente normais – Ela falou.

Eu ri. Queria uma aventura, definitivamente havia conseguido uma.

O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora