Capítulo 117

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- Contarei do começo, desde onde posso me lembrar... - minha voz está rouca e baixa. Vitória acaricia minha mão e tenho que ter uma coragem descomunal. Nunca pensei que poderia lhe contar meus sofrimentos e desabafar com ela a dor que passei. Nunca cheguei a calcular que poderia dizer para ela o quanto sofro calado e ela não notou nada.

Ela não poderia imaginar por tudo que passei e não sabe o que tive que suportar sendo apenas uma criança.

- Eu não lembro quantos anos eu tinha quando você contratou aquela mulher para trabalhar para nós. - sou interrompido.

- A amante do seu pai? - ignoro sua fala.

- Me lembro que no começo ela apenas era rude comigo. Às vezes ficava trancado no quarto com fome ou sujo... - engulo seco-  Podia ouvir gemidos e por vezes achei que alguém chorava - solto um riso amargo - Como eu era inocente... - em nenhum momento olho para ela - Brincava sozinho com meus carrinhos e inventava estórias em minha mente. Sonhava em voar, em ser forte como o super homem - engulo seco e esprema os lábios em uma linha fina, "Não suporto!" Fecho os olhos e deixo gotas quentes correrem pelo meu rosto. Gotas magoadas que sentem pena da criança que passou por tudo aquilo sozinha. - Mas um dia comecei a alcançar a maçaneta, se eu simplesmente usasse algo para apoiar, e foi naquele dia que estraguei minha infância...

Minha voz some e relembro o dia que segui até o quarto onde meus pais dormiam, respiro fundo e Vitória sinaliza para mim me deitar do seu lado. Faço isso lentamente enquanto ela me abraça e de certa forma me protege dos malditos fantasmas do passado.  Depois de um tempo calado consigo prosseguir, mas escuto os soluços de minha mãe. Sei que ja é demais para ela. Suspiro e volto de onde parei.

- Caminhei inocentemente para o quarto e vi coisas  que não compreendia, tentei sair sem chamar a atenção, mas ela me viu. Fiz barulho e ela me viu. - consigo ver o olhar dela penetrando em mim e sinto o mesmo calafrio que senti a muito tempo atrás. - Corri o mais rápido que pude, mas meu pai me alcançou e naquele momento começou meu inferno, naquele dia tive que fazer coisas horríveis... Naquele dia tive que fazer coisas que adultos apenas deveriam ter conhecimento... Mas era apenas o começo...

(Não contarei nada do que ele passou explicitamente, mas creio que possam imaginar)
Após contar detalhadamente tudo que passei, minha mãe está perplexa e estática. Em choque.

- ... Chegou uma hora que não pude mais suportar tantos maus tratos. - Saio dos braços de Vitória com o pouco de coragem que me resta. Caminho em direção a ela e me abaixo a sua frente. Me sento e apoio minhas mãos em seus joelhos recolhendo suas mãos trêmulas. Seu olhar é fraco e dolorido. Penoso. Forço ela a me olhar e vejo olhos arrependidos e culpados. - Você conviveu com um assassino dentro de casa desde a morte deles. - digo e vejo suas forças sumindo, me levanto rapidamente e me sento do lado segurando sua cabeça que pende em meus braços. Desmaia repentinamente.

Aconchego ela na poltrona e me levanto sentindo meu corpo dormente e frio. Minha mente não processa muita coisa e sinto o mesmo frio que sentia antes de conhecer Vitória. Frio na alma e coração.  O olhar de Vitória é sofrido, mas ela se esforça para esconder toda a fúria e dor que emana.

Caminho para ela e seguro uma mecha de seu cabelo. Me sento e vejo seus olhos pedirem socorro. Seu rosto está cercado de uma pressão forte que faz sua expressão  ser forçada.

- Não precisa fingir uma força que não tem. - digo friamente. As palavras cortam o ar e ela me abraça forte caindo em um choro sentido. Miro a parede atrás da cabeceira com o olhar cinza, como se nada em volta fosse importante de verdade. Literalmente explanei todos os meus segredos e creio que disse coisas que chocaram muito.

Depois de certo tempo Vitória se acalma e me solta.

- Vou buscar uma enfermeira. Creio que ela precise ficar um pouco sobre os cuidados médicos.  - digo secamente. Me levanto e saio como um robô comandado pela indiferença. Encontro no corredor uma enfermeira e seguro seu braço e ela me encara sorrindo.

- Em que posso ajudar?

- Preciso de um quarto para minha mãe. Ela está em estado de choque e desmaiada. - digo indiferente. Solto o braço da enfermeira que me acompanha apressada. Chegamos ao quarto e a enfermeira se retira voltando com enfermeiros que retiram ela do quarto em uma maca.

- Levaremos ela para o quarto ao lado e pediremos para que o médico examine ela. - Assinto. A enfermeira se retira e olho para Vitória que esta desolada e parece em choque. Me irrito em pensar que ela pode estar pesando meu passado horrível. Detesto os olhares perplexos e penosos que me lançam quando sabem de algum detalhe ruim. Respiro fundo para não gritar pedindo para que ela suma dos meus olhos com seu olhar chocado.

- Vou te ajudar com o banho. - minha voz sai instantaneamente mais grossa e pesada, como se tivesse vida própria  e pudesse matar qualquer um que se aproximasse de mim. Vitória me olha assustada, mas não se distancia quando ajudo ela a caminhar para o banheiro. Isso me deixa menos tenso.

Ajudo ela com as roupas e olhar seu corpo cheio de hematomas, com manchas roxas profundas e joelhos acabados me faz sentir um gosto insuportável na boca. Sinto vontade queimar Melany mesmo por ter feito isso a ela, mas sinceramente a culpa é minha.

Creio que Vitória notou o olhar amargo e desprezível que lancei, pois acaba dando passos para trás e se encolhendo como quem procura se esconder.

- Não faça isso. - digo calmamente, porém a raiva expressa na frase é cortante. Suspiro. "Nem tudo tem conserto!" Penso diante do modo que ela reage a mim.

- Não precisa me ajudar se sente tanta repugnância. - sua voz sai magoada.

Abominável - A lei da AtraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora