Ao vê-los chegar, daquele jeito,dona Tereza perguntou: - Essa caminhonete não é do seu tio? A filha não respondeu,foi para o quarto e parecendo aflita,começou a fazer as malas. - Raquel! Estou falando contigo,guria! - reclamou a mãe,parada alguns passos após entrar no quarto. Alexandre,que acabava de chegar,virou-se para Raquel e disse: - Calma.Não sei se iremos embora hoje.Terei que levar esse carro lá na cidade para ver qual é o problema. Ponderada,mas nervosa,a esposa perguntou: - Onde está a Bruna? - Na cozinha. A Gorete fez um suco para ela. Decidida,Raquel avisou: - Olha,Alex ,o carro vai para a cidade,sim. Mas iremos todos juntos. A mãe interferiu e perguntou alterada: - Como pegaram a caminhonete daquele homem? - Foi preciso,dona Tereza - explicou Alexandre. - Estávamos dando uma volta ,meu carro apresentou problemas lá perto de onde ele mora. Não poderíamos andar seis quilômetros com a Bruna no colo e com esse sol. Virando-se para Raquel , mulher disse nervosa: - Que carregasse tua filha nas costas,mas não fosse pedir nada áquele verme! Bah! Raquel a olhou firme,e falando baixo,impôs-se de forma a não se abalar,dizendo: - Olha,mãe,diante das dificuldades ,a primeira mão que se estender devems aceitar.Talvez sejam esses os desígnios de Deus. Quase gritando,dona Tereza retrucou: - Como tu pode falar assim comigo depois de tudo o que aquele verme te fez? Barbaridade! Tchê! Tu tens que me respeitar,Raquel! Se eu disse que não deveria pedir a ajuda dele,é porque não deveria! Em baixo tom de voz,porém muito firme,a filha perguntou com modos frios,ao encará-la. - Quem é a senhora para me dizer o que devo ou não fazer? A senhora não sabe o que é ajudar alguém,muito menos sabe o que é pedir por socorro.Se não fosse ele,quem iria nos ajudar? É cômodo só exigirmos dos outros e nos acovardarmos quando se faz necessário ajudar alguém. A senhora nunca ajudou ninguém,nunca soube o que é proteger,nem a mim que pouco orientou,mãe,mas sempre soube exigir.Não me lembro de ter recebido um carinho seu. Quando foi que me disse:"eu te amo Raquel"? Nunca! A mulher abaixou a cabeça e com o semblante sisudo,não disse nada,e a filha continuou: - Quando é que me socorreu de um sonho ruim? Em pouco tempo com a família do meu marido recebi mais carinho e atenção do que todos os anos em que vivi aqui.A senhora sempre me criou distante de meus irmãos.Não seja tão amarga e exigente,mãe. Isso dói muito. - Não fale assim comigo! - avisou dona Tereza,firme. - Se eu estou chamando tua atenção é porque não agiu direito! Raquel se virou para continuar a fazer as malas e a mãe exigiu,segurando-a pelo braço com gesto ,ao dizer: - Olhe para mim quando eu falar com você. Alexandre não gostou e reagiu ponderado. - Espere,dona Tereza.Solte a Raquel.As coisas não assim não. - Mãe disse Raquel ao se virar para evitar uma discussão com o marido-,fizemos o que foi preciso.Agora temos que ir embora daqui. Arrogante e orgulhosa,a mulher perguntou: - Ele te viu? - Por quer saber,mãe? - Só quero ter a certeza se aquele verme te viu com a filha dele. Alexandre alterou o tom de voz e falou gravemente: - Não fale isso nunca mais! A Bruna é minha filha! Raquel sentiu-se gelar,e decepcionada ,revelou ofendida: - Agora eu entendo por que não foi me visitar e insistiu tanto para eu vir até aqui. A senhora queria me exibir como um troféu,símbolo de uma vitória. - Não foi isso! - gritou a mulher. - Mãe,a vida não é uma brincadeira,eu não sou uma brincadeira. A senhora não esteve comigo quando eu mais precisei. Morei nas ruas por uns cinco meses e quase morei de novo se não fosse o Alexandre. Nesse período a senhora nem sabia onde eu estava. Foi por não querer ser uma assim,como a senhora,que eu corri atrás da minha filha,para dizer que a amo e que ela pode contar comigo sempre. Eu decidi não fazer com ela o que mais me feriu,o que mais me magoou na vida,ser abandonada por minha mãe.A senhora não tem o direito de me exibir. - Acha que eu fiquei feliz longe de ti, Raquel? Chorei noites e noites! Roguei a Deus para que cuidasse de ti! Sempre o odiei pelo que te fizeram! - Mãe,não julgue os outros pelo que a senhora mesma foi capaz de fazer! - Falou Raquel,quase num grito. - Se eles me maltrataram,a senhora não fez diferente.Quando cheguei aqui na porta dessa casa,machucada e ferida acusando o tio Ladislau de tudo o que ele fez comigo,a senhora ficou muda! Não disse nada em minha defesa e deixou que o vô me espancasse novamente! Eu tinha dezessete anos,não sabia o que fazer,não conhecia nada da vida e a senhora não me defendeu,não disse nada a meu favor para se proteger! Para não macular a sua moral! A sua imagem! Para que não descobrissem que você traiu seu marido com o próprio irmão! Em um tom mais brando,quase melancólico,com lágrimas a correr pela face,Raquel ainda lamentou: - A senhora sempre me odiou,mão. Talvez por eu fazê-la lembrar da traição que foi capaz de cometer.Eu faria dezoito anos pouco tempo depois,mas ainda era menor de idade,eu merecia e precisava de proteção ,de alguém que me levasse a um médico,que procurasse a polícia ,que lutasse por meus direitos,porque ,mesmo se eu fosse maior de idade,eu tinha sido agredida,violentada por meu tio... - E em choro copioso ela continuou: - ... que era meu pai.. E a senhora sabia disso! A senhora não foi diferente deles,mãe.A senhora só pensou em si,em sua moral...
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Um motivo para viver
DuchoweRaquel nasceu em uma fazenda,numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.Morava com o pai,a mãe,três irmãos e o avô,um rude e autoritário imigrante clandestino da antiga Polônia russa. Na mesma fazenda,mas em outra casa,residia seu tio Ladislau,com a m...