Com as mãos trêmulas,Raquel tomou poucos goles e agradeceu ao amigo: - Obrigada, Alexandre. - Mais refeita,disse: - Estou melhor.Depois eu conto o que aconteceu,senão sou capaz de começar a chorar novamente. Alexandre sorriu, entendeu e afirmou: - Tudo bem. Depois conversamos. Raquel esboçou um sorriso forçado no rosto avermelhado pelo choro, enquanto o rapaz se afastou e retornou para seu lugar. No final do expediente,restavam somente dois funcionários no grande setor da empresa.O rapaz, um tanto entediado com o que fazia,passou observar a moça, que parecia compenetrada e até nervosa. Mais à vontade agora,por não haver ninguém por perto e somente ,a certa distância,um segurança lendo um jornal. Alexandre aproximou-se dela e falou em tom de brincadeira: - Com tanta hora extra assim,você vai ficar rica. A colega sorriu,tirando do rosto, o semblante preocupado e sisudo. - Estou consertando a minha " incompetência". - Você está mais calma? - Tenho de estar. - O que aconteceu? Raquel sorriu e contou: - O senhor Valmor me humilhou,me constrangeu e.... Diante da pausa que se fez,ele insistiu: - E? ... - Ah! Ele só faltou me chamar de burra. - Ele não pode fazer isso - disse o amigo,mais sério e atento ao fato. - Pois fez. E na frente de todo mundo na reunião que estava acontecendo. - Como foi? - A história é longa, Alexandre. Você vai se cansar. Ele pensou um pouco,esboçou um sorriso gentil e falou: - Hoje eu precisei de um ouvido emprestado para desabafar e você não se cansou. Cansou? - Não. Claro que não. Mas é diferente. Aproximando-se mais, ele pôs-se diante dela, e virando-lhe a cadeira, insistiu: - Vamos,conte. Meio sem jeito, Raquel encorajou-se e relatou: - Foi mais ou menos assim: A Rita saiu de férias. O serviço dela já estava parado havia uns dois ou três dias. O senhor Carlos me chamou e me entregou o serviço da Rita. Sabe planilhas de estatísticas que mal aprendi a fazer. - Sei. - Pois bem, aquilo foi passado para a Magda e eu tenho que ensiná-la. Veja, eu não sei nem para mim.A Rita lida com sistemas gráficos e eu não sei nada disso. Então, o que aconteceu foi: o serviço que me passaram ontem, já estava atrasado,e hoje,na reunião,eu não tinha nada para apresentar. O senhor Valmor ficou furioso e disse, olhando para os dois diretores financeiros: " Perdoem a incompetência da nossa funcionária". E... Raquel deteve as palavras,seus olhos começaram a marejar. - E? ... -perguntou Alexandre. - Aí,que ódio! - Debruçando-se sobre sua mesa,Raquel começou a chorar, parecendo mais ser de raiva pela vergonha que passou. Alexandre,muito paciente,aproximou-se ainda mais,dizendo: - Não fique assim,Raquel. Ele ia acariciá-la com um afago nos cabelos, mas deteve-se alerte, pois se lembrou de que a amiga parecia não gostar de ser tocada. Observando que ela não tinha visto o gesto,ficou despreocupado. Com a voz abafada e rouca por estar com o rosto entre o braço,ela perguntou: - Como ,não ficar assim? Ele quer isso tudo para segunda-feira cedo. - Eu posso ajudar, isso é,se você quiser e deixar, é claro. - Como? - Chega para lá - pediu ele animado. - Resolverei isso em dois minutos. Não sei se você sabe,mas já fiz esse serviço antes. Raquel afastou-se,parou de chorar e ficou olhando o colega que,pacientemente,realizava seu trabalho e a ensinava.Atenta,a moça ficou tranquila e aprendendo. Algumas vezes,Alexandre ria e até fazia brincadeira com alguns erros que Raquel cometera. Raquel também achava graça e ria unto. Foi assim que ambos não perceberam as horas passarem. Ao terminar, Alexandre,sorridente,ainda brincou: - Pronto! Prontinho! Pode fazer oque o cheque. - Cheque? - Claro! Achou que eu ficaria aqui de graça? Sorrindo,ela brincou: - Mal tenho onde morar e você ainda quer tirar dinheiro de mim? Após o riso,Raquel se assustou: - Nossa! Já é essa hora? - Não se preocupe. Hoje é sexta-feira.Amanhã você pode dormir até mais tarde. - Você é que pensa - respondeu ,guardando rapidamente suas coisas,enquanto olhava no relógio dizia: - Estou preocupada com o ônibus! - Calma ... - tentou dizer Alexandre que foi interrompido por ela, que se preocupava. - E você? Ficou até agora por minha causa! - exclamava Raquel, nervosa. - Não! - Raquel quase gritou e Alexandre também começou a ficar nervoso. - Como não? O que te deu para você ficar assim? Raquel não parava.Exibindo uma agitação quase incontrolável,ela arrumou sua mesa,pegou suas coisas e disse, parecendo não tê-lo ouvido: - Obrigada,Alexandre.Depois conversamos.Tenho que ir, pois está tarde e... Alexandre,cismado com aquela pressa,parou diante dela impedindo sua passagem. Delicadamente,segurou-lhe pelo braço e,com semblante sério, quase sisudo,disse com voz firme e determinado: - De jeito nenhum! Não há mais condução há essa hora.Você não vai sair daqui sozinha,Raquel.Eu não posso deixar. Nervosa,com os olhos marejados,Raquel puxou o braço que ele segurava e respondeu com a voz embargando: - Você não vai me levar em casa.
Decidido ele questionou: - Por quê? - Não! - ela gritou alterada. Sua agitação,que não podia ser entendida,incomodava Alexandre,que insistia: - Raquel, Calma. Por que todo esse drama? Se você me explicar,talvez eu entenda e a ajude. Tentando passar por ele, que estava à sua frente,ela falou: - Tenho que ir. Deixe-me passar,Alexandre. Sem exibir agressão,ele a segurou por ambos os braços com generosidade. Raquel , lembrou-se do que sofrera no dia anterior e quase gritou: - Solte-me! Largando-a rapidamente sem entender nada e sem saber o motivo que levará àquele desespero,ele pediu,firme: - Tudo bem,Raquel.Eu não estou te segurando mais. Fique calma. Ela o olhou de modo muito estranho. Lágrimas corriam pelo seu rosto e seu queixo tremia,Raquel caiu em um choro compulsivo e ele a fez a sentar.
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Um motivo para viver
SpiritualRaquel nasceu em uma fazenda,numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.Morava com o pai,a mãe,três irmãos e o avô,um rude e autoritário imigrante clandestino da antiga Polônia russa. Na mesma fazenda,mas em outra casa,residia seu tio Ladislau,com a m...