Fiquei paralisada.Passei muito mal .Achei que ia desmaiar. Minha mãe parou de chorar e ficou me olhando.Sem dizer nenhuma palavra ,ela foi se afastando mecanicamente.Eu queria perguntar,mas não conseguia. Nesse instante,Raquel parou de falar,secou as lágrimas que rolavam,ergueu os olhos para o colega e ele perguntou: - O que aconteçeu depois? Ela não ajudou? - Não. Amélia,apesar de seus modos um tanto rudes,foi a única criatura que ficou do meu lado e me abraçou,tirando-me dali. Nós voltamos para outra cidade.Eu fiquei atordoada e fazia tudo de modo meio automático.Só me alimentava por que Amélia insistia. Guardei com a vida o envelope com o endereço do meu irmão. Dias depois,o inverno chegou rigoroso e numa fria ,muito fria em que nevava,policiais passaram socorrendo para um albergue os desabrigados. Deitada num canto escondido,eu estava com muito frio e me encostava em Amélia.Nessa noite eu a achei muito quieta,não me preocupei,por que ela bebia ,sabe como é... Um policial se arpoximou,cutuou-me e chamou para entrar num caminhão.Quando fomos ver,Amélia estava morta.Chorei como se houvesse perdido a minha mãe. Ela morrera de frio,talvez. Entrei em desespero.Eu não tinha mais ningué.Amélia agia como minha mãe.Ás vezes eu penso que ela fez mais por mim do que... Ela me defendia de ataques.A rua é muito dura,ninguém imagina como... Alexandre ,a essa altura,segurava a própria cabeça com ambas as mãos,apoiando os cotovelos nos joelhos. Ele estava triste,incrédulo e não sabia o que pensar. Raquel,agora,sem tanta emoção continuou: - Fui levada para um albergue.No dia seguinte,ao passar pela triagem,viram que eu estaa grávida.Foi então que uma assistente social me encaminhou para um abrigo de gestantes desamparadas. Nesse lugar,fui bem tratada.Havia médicos ,freiras e voluntárias,gentis e educados. Psicólogos,com certa frequência,tentava conversar comigo. Mas eu não conseguia falar nada. Muito mal informei meu primeiro nome.A única coisa que disse foi que não queria aquele filho. Quando a criança nasceu... - Sua voz embargou e ela não conseguiu continuar,mas por fim falou,bem emocionada: - Eu queria morrer! Eu me odiava! Aliás,quase morri no parto por que tive complicações. Soube que era uma menina por que a irmã Clarice me falou. Eu me recusava a olhar para ela e nunca a peguei no colo.Muitos conversavam comigo,,mas a partir daí eu emudeci completamente. Assim que me recuperei,pois estava muito fraca,abandonei o lugar sem olhar para trás e deixei lá minha filhinha. - Raquel chorou exibindo um grande arrependimento que parecia castigála. - Procurei meu irmão Marcos estava preocupado.Por carrta,minha mãe lhe contou quase tudo e disse que eu o procuraria.Só que demorei muito tempo desde quando ela havia lhe dito,e quando apareci,eu estava sem o bebê. Meu irmão me recebeu.Ele sempre quis saber onde deixei a criança. Alexandre ergueu a cabeça e perguntou: - Você sabe onde está sua filha? Lágrimas rolaram no rosto de Raquel,mas ela não respondeu,e ele insistiu: Novo choro se fez. Ele a abraçou mesmo sentindo-a rígida e tornou a perguntar: - Sabe onde fica esse albergue? Sabe onde ela está? Raquel se afastou do abraço,respondendo: - Sim. - Você nunca a procurou? -Sim,mas eu não contei para o Marcos.Há poucos meses,antes de ir morar com ele,entrei em contato teleônico com o abrigo. Lembrei que a irmã Clarice me disse para chamá-la de Bruna Maria.Então,todos a conheciam como Bruna Maria,a filha de Raquel. Quando liguei pedi informações me falaram que ela havia sido levada para um orfanato. Anotei o endereço,telefonei,mas me disseram que só poderiam dar maiores informações pessoalmente.Eu não tive coragem de ir até lá,eu... Depois de pequena pausa,Alexandre perguntou: - E quando você voltou sem sua menina,como foi,seu irmão a tratou bem? - Sim. Precisei de médicos e ele me ofereceu tudo,até que eu me recuperasse bem. Fiz tratamentos psicològos.Eu tinha medos,entrava em pânico,sofri com os pesadelos.Marcos me ajudava em tudo. Ele me arrumou emprego na recepção de uma fábrica ,principalmente para me ajudar a entrar em contato com as pessoas. Depois de um tempo,a fábrica fechou e eu arrumei serviço em outro lugar.Daí voltei a estudar.Minha mãe mandou a documentação que eu precisava e eu fui me refazendo em todos os sentidos.Só não queria falar na minha filha. Nesse período,Alice fazia da minha vida um inferno. Ela nunca me suportou,mesmo quando morávamos na fazenda. Marcos me ajudou a alugar uma casa pequena e até pagava parte do aluguel para mim. Foi aí que comecei a ficar independente. Numa consersa com meu irmão,descobri que minha mãe jamais lhe disse que meu tio era meu pai. Nem o que ele havia feito comigo. Marcos pensava que a filha que eu tive era do tal namorado.Então,contei a meu irmão o que nosso tio havia feito,só não revelei que ele era meu pai. E quando abriu um concurso para operadores de computação na empresa aérea,eu consegui uma das vagas e me tornei mais independete,pois passei a me sustentar sozinha. Logo Marcos perdeu aquele emprego que tinha e arrumou esse outro em que está até hoje. O resto você sabe. E olhando para Alexandre,encarando-o nos olhos ,ela afirmou: - Essa é toda a verdade,Alexandre. É a primeira vez que eu conto assim,na íntegra ,como agora.Como vê,não e algo que se possa sair por aí relatando.Tenho muita vergonha de tudo isso,você nem imagina ,nem imagina... O silêncio reinou por longos minutos. O rapaz estava atordoado,estático. Ele jamais poderia imaginar que tudo aquilo pudesse ter acontecido com ela. Agora entendia algumas reações que percebia em Raquel,compreendendo tudo. Alexandre a encarou fitando-a por longo tempo. Raquel não lhe fugia ao olhar,como quem aguardasse uma resposta. - Perdoe-me por tê-la feito contar tudo isso. Mas eu precisava saber. De seus tristes olhos,ele viu brotar lágrimas que não demoraram a rolar em sua linda face. Não conseguindo controlar seus sentimentos e ao perceber seus olhos se aqueceram,tentou reagir ,mas sua emoção foi maior e ele chorou sem se constranger. Raquel tremia,talvez de medo com um misto de vergonha. Ele se aproximou,envolvendoa-a em um abraço sem se importar com o choro que se fez. Ajeitando-a como quem aninha uma criança no colo,ele a embalou por algum tempo,confortoando-a. Afagando-lhe os cabelos sem dizer nada,vez ou outra ele beijava na testa. Ao sentir seu medo,ele percebeu que a amiga nunca tivera um carinho,ela parecia um bichinho coagido,buscando conforto no seu fraco coração e abrigo no bálsamo de sua amizade. Pelo longo tempo,que nem Alexandre percebeu passar ,Raquel adormecera em seus braços. - Deus - rogou-,dê-me força e saúde.Raquel precisa de mim e eu dela. Não será fácil,principalmente com a minha família.Ajude-me,Pai.Ajude-me. Alexandre sentiu-se mais sereno e Raquel dormia em seus braços. Cuidadoso,ele a pegou no colo e a levou para o quarto sem acordá-la. Colocou-a sobre a cama,cobriu-lhe e lhe acariciou a face por algum tempo,fitando-a pensativo. " Como Raquel era bonita" pensava ele. " Por que tudo aquilo tinha que acontecer? Teria de haver uma explicação.Confio tanto em Deus.Ele não pode ser injusto." Alexandre parecia gostar cada vez mais de Raquel.Não seriam as dificuldades do seu passado,tampouco a filha que tivera,que serviram de empecilho para ele naquele momento. Ele se determinou a ajudá-la e só não ficaria com ela se ela não quisesse. Com carinho,ele a beijou na testa e foi se deitar.Por tanta emoção,Alexandre estava cansado e adormeceu logo.
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Um motivo para viver
EspiritualRaquel nasceu em uma fazenda,numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.Morava com o pai,a mãe,três irmãos e o avô,um rude e autoritário imigrante clandestino da antiga Polônia russa. Na mesma fazenda,mas em outra casa,residia seu tio Ladislau,com a m...