Tempos depois,dentro do carro,ao percorrer a mesma estrada poeirenta que não via há anos,Raquel estava calada. Bruna dormia no banco de trás,e dirigindo,Alexandre vez ou outra colocava a mão no ombro da esposa,pois percebia sua tensão. Ao passarem entre gigantesca araucárias,eles viam ,não muito longe,a bela queda-d'água que espirrava gotejos coloridos com os raios de sol,que se fazia destaque dentro da linda paisagem. - Que lugar lindo! - admirou-se Alexandre. Mais adiante,a única manifestação de Raquel foi: - Veja,eu brincava ali quando pequena.Não dá para ver direito daqui,mas ao redor da cachoeirinha há uma lagoa e embaixo da queda-d'água,um poço tão cristalino que você chega a ver os peixes lá no fundo. - Estamos perto? - perguntou o marido. - Sim.Estamos. Logo eles pararam o carro diante de uma casa branca de barrado azul. Os empregados olhavam curiosos.Um deles se aproximou quando Alexandre desceu do carro olhando a sua volta. - Por favor,a dona Tereza está? - O senhor é?... - Alexandre.Genro dela.Marido de Raquel. Dizendo isso,ele contornou o veículo e abriu a porta para a esposa, que parecia paralisada e não se mexia. O marido se curvou,pegou sua mão gelada e pediu: - Vem? Sustentando-se nele,tentando controlar a respiração ,a esposa desceu trêmula.Imediatamente ela o abraçou ,e olhando á sua volta ,notou que o lugar pouco havia mudado. Nesse instante eles ouviram o grito: - Raquel!!! Era dona Tereza,que descia ligeiro os poucos degraus da varanda e corria ao encontro da filha. - Mãe! - disse Raquel,soltando-se de Alexandre. O riso misturou-se ao choro e meio aos beijos ,elas se tocavam como se quisessem ter a certeza de que não era um sonho.A emoção contagiou Alexandre e os empregados que estavam presentes.Bruna acordou e Alexandre a pegou no colo,esperando ver a esposa mais tranquila.Logo,Raquel se recompôs,e pegando na mãozinha de Bruna,que já estava no chão ,ela a exibiu para sua mãe. Alexandre,com sorriso no rosto,falou orgulhoso: - Queremos que conheça nossa filha. Estávamos ansiosos por esse momento. A mulher,que estava agachada já olhando a menina,ergueu o olhar e ele estendeu a mão,dizendo,ao exibir um semblante ,alegre: - Eu sou Alexandre. Segurando em sua mão,dona Tereza se levantou e o abraçou com jeito meio rude,mas não conseguiu deter algumas lágrimas.Após as fortes emoções de início,quando todos iam entrando,os irmãos de Raquel chegaram.Parados,eles a olharam surpresos. Como Raquel havia mudado! Enquanto eles traziam no rosto as marcas dos árduos serviços,a irmã estava linda! Parecia ainda mais moça. Como que em choque,eles a olharam por algum tempo,até que dona Tereza falou: - Não vão cumprimentar tua irmã? Tadeu e Pedro se aproximaram de Raquel e constrangidos,lhe estenderam a mão para um cumprimento simples.Alexandre,extrovertido,cumprimentou-os e bem humorados estapeou-lhes no braço. Ao ver a esposa temerosa,ele abraçou-a para que entrassem. Em uma sala onde uma grande mesa de madeira,contornada por cadeiras altas,centralizava o ambiente,eles se acomodaram para conversar. Os irmãos de Raquel não diziam nada,somente dona Tereza e Alexandre conversaram muito. Bruna,que não parava no lugar,merecia a atenção de Raquel que,vez ou outra,tinha de sair atrás da filha. A garotinha,na volta que deu na varanda que rodeava a casa,não voltou.Preocupada,Raquel saiu á procura. Ao andar pela referida varanda,quando ia contornando a casa,ela ouviu a voz delicada da filha que vinha do outro extremo ,dizer: - Você não fala? - Não obtendo resposta,ainda insistiu: - Você está dodói? Chegando perto,Raquel a chamou em baixo tom de voz: - Bruna,vem aqui,filha. Com muito esforço o avô,senhor Boleslau,virou-se para vê-la.Seus olhos expressivos se arregalaram quase incrédulos. Bruna Maria,em sua inocência,perguntou á mãe: - Quem é ele ,mamãe? Raquel se aproximou um pouco mais,criando coragem,vencendo o temor,em meio á respiração alterada,pegou a mão da filha,e ficando junto da menina,diante do avô,que nem piscava ,ela respondeu: - Esse é seu bisavô,filhinha.O nome dele é Boleslau. Com iniciativa própria,a pequena Bruna largou a mão da mãe, ajeitou o pezinho na roda da cadeira,que estava travada,esticou-se e beijou o rosto do bisavô com doçura,até ouvir o estalo. Fez-lhe um carinho com a pequena mãozinha e disse: - Oi,bisavô. Lágrimas rolaram pela face enrugada de Boleslau,,e a menininha ainda disse: - Não chora . - Virando-se para a mãe,ela perguntou: - Mamãe,por que ele está chorando? Raquel não conteve os sentimentos,deixando que as lágrimas também corressem em seu rosto,falou: - É a emoção,filha. Há tempos não nos vemos.Tenho certeza de que é a saudade. Sem pensar,Bruna Maria falou inocentemente: - Então dá um beijo nele para matar a saudade,mamãe! Raquel não resistiu e agora,chorando mais ainda,aproximou-se do velho avô e beijando-lhe,ofereceu seu melhor abraço carinhoso. O homem chegava a soluçar de emoção,principalmente agora,lembrando de tê-la maltratado tanto após a violência que sofrera. A neta, de joelhos ao seu lado,pegava a toalha que estava em seu colo e secava-lhe as lágrimas,dizendo: - Não chora vô.Tudo já passou.São novos tempos e temos uma nova vida,uma nova oportunidade.- Após uma pausa, ela disse: - Essa é minha filha,Bruna Maria . - Tentando esboçar um sorriso no rosto que se contraía pelo choro emotivo,ela falou: - Bruna não é linda? -Logo porém,avisou: - Meu marido,Alexandre,veio comigo. Ao dizer isso, Raquel se surpreendeu ao ouvir: - Estou aqui - disse o marido,se aproximando. Com um joelho dobrado e o outro no chão,Alexandre ficou ao lado de Boleslau,pegou-lhe a mão e cumprimentou-o. O velho não podia falar, mas seus gestos,da face e seus olhos exibiam fortes emoções.Ele tentava sorrir em meio ao choro. Dona Tereza a certa distância,os observava sem dizer nada,mas com um olhar de felicidade,vitória e orgulho.
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Um motivo para viver
EspiritualRaquel nasceu em uma fazenda,numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.Morava com o pai,a mãe,três irmãos e o avô,um rude e autoritário imigrante clandestino da antiga Polônia russa. Na mesma fazenda,mas em outra casa,residia seu tio Ladislau,com a m...