Quando eu a procurei,um pouco depois de tudo o que houve aqui ,a senhora me virou as costas pela segunda vez.Isso foi mais cruel do que quando o vô me tocu daqui.Eu estava grávida e não sabia o que fazer! Não tinha para onde ir! E a senhora,o que fez? Deixou-me com consciência mais pesada ainda por estar grávida do meu próprio pai!Desde a primeira vez que lhe reclamei daqueles carinhos nojentos que recebia dele,poderia ter feito algo! Poderia ter falado com seu marido,aquele que pensava que era meu pai,mas você não disse nada porque tinha medo,porque devia! O tempo em que vivi nas ruas,recebi de Amélia,aquela indigente que a procurou na igreja,mais carinho do que todo tempo em que vivi com você! Ela me protegeu até morrer! - Não fale assim comigo! - inquiriu a mulher. - Não tem esse direito! Alexandre assistia a tudo calado,uma vez que via sua esposa reagir. Sem chorar,porém com voz branda e lamentosa,Raquel continuou: - E qual o direito que eu tenho mãe? O direito de me calar? O direito de me odiar?O direito de querer morrer por ser tão rejeitada assim? Sabe porque não me matei quando o Marcos me mandou embora e depois quando fui despedida do emprego? Porque ouvi do Alexandre o quanto é doloroso o suicídio.Porque encontrei nele alguém que me amava,que me protegia,alguém que me respeitava e respeita,que me deu o valor que não recebi de minha própria família.Como é importante uma palavra amiga,um conselho de alguém que nos ama,num momento difícil... Não queria exigir dos outros aquilo que não é,aquilo que não tem capacidade de fazer. u creio que tenha pedido a Deus por mim. Eu acredito que tenha sentido minha falta,mãe. Mas acho que não pensou que eu sentia a sua...Que eu precisava muito,muito da senhora,mãe. Por isso ,não acho justo a senhora torturar alguém com a minha imagem ou com a minha presença. Odiá-los pelo que me fizeram não é correto porque você não agiu diferente deles. Tadeu me contou o que vem fazendo com o vô. E,assim que cheguei aqui,até agora,sinto algo estranho que não sei o que é.O seu prblema,mãe,é a mentira ,é quere impor aos outros as suas determinações,a senhora não é diferente deles. - Aquele velho miserável merece morrer! - A senhora é Deus para julgar assim? - Não fale desse jeito comigo,Raquel! - Vamos parar com isso - pediu Alexandre,que não suportava mais a situação. - Não viemos aqui para discutir. - Voltando-se para a sogra,pediu: - Desculpe-me se não agradamos,mas iremos embora o quanto antes. A aproximação de Bruna,que chegava correndo,fez com que Raquel largasse o que estava fazendo e fosse em sua direção,encontrando-a próximo da porta,pegou a mão da filha e perguntou ,ao conduzi-la novamente para fora do quarto: - Vamos almoçar ,meu bem? Ao se ver a sós com a sogra,Alexandra aproveitou a oportunidade e calmamente falou - Dona Tereza,eu só quero que uma coisa fique bem clara: Bruna é minha filha. A mulher o olhou ,não disse nada e saiu do quarto. Á tardinha Alexandre,conversando com a esposa,explicava: - Amanhã cedo nós sairemos daqui e vamos até a cidade.Ficará mais fácil para eu chamar um guincho do seguro. Ficaremos num hotel é mais tranquilo. Séria e descontente,Raquel argumentou: - Eu queria ir embora hoje,Alex. - Eu sei,eu também,mas não dá.Já está anoitecendo. Após o jantar,Bruna balançava em uma cadeira de vime que ficava na varanda e Raquel a certa distância,a olhava. Alexandre se aproximou e a abraçou perguntando: - O que foi? Você está triste.Puxa ,Raquel! Eu não a trouxe aqui para isso.Se eu soubesse... - Foi bom eu ter vindo.Enxerguei realmente tudo com é. Nada udou e agora não terei mais dúvidas. - Como assim? - Alex,há alguma coisa errada com meus irmãos,como sempre houve.Eles ainda me ignoram. - Quer que eu pergunte por quê? - Não. Vou pôr a Bruna para dormir e depois conversarei com eles. - Após poucos minutos,ela observou: - Você reparou que minhas cunhadas não conversaram comigo? - Reparei ,sim.Elas vêm e vão e estão sempre caladas. - Eles afastaram a crianças também,não deixando qe brincassem com a Bruna.A mulher do Pedro resolveu ir ficar na casa da mãe. - Eu achei isso estranho,mas... Pouco tempo depois,após a filha ter dormido,Raquel procurou pelos irmãos,que estavam sentados na escada do outro lada da casa. - Tadeu e Pedro ,eu preciso falar com vocês. Os irmãos a olharam e ela os chamou: - Daria para vocês entrarem um pouquinho? Será melhor conversarmos aqui dentro. Já na grande sala os três se dispuseram sentados em torno da mesa e Raquel falou: - Nunca tivemos a oportunidade de conversarmos assim e sermos diretos. Eu voltei para visitar vocês e sinto que algo está errado. Gostaria de saber o que é. Surpreso com a atitude da irmã,que sempre fora calada,Tadeu respondeu: - Não há nada errado! Bah! Tu tá vendo coisa que não existe! - Há sim.Mal vi minhas cunhadas e meus sobrinhos,voc~es nem falaram conosco direito e... - Passamos a manhã inteira com teu marido e mostramos tudo - defendeu-se Pedro. - Fomos até o ribeirão da "montanha velha" pra ele conhecer,depois,quando voltamos ,ele perguntou pra mãe onde estavas e resolveu pegar o carro pra ir atrás de ti e de tua guria. Não houve mais tempo depois disso. - Eu quero dizer que minha presença parece que os incomoda. Tadeu abaixou a cabeça e Pedro o olhou: Constrangido,Tadeu resolveu revelar: - Olha,Raquelo tipo de vida que u tem levado não agradou a gente. - Que vida eu tenho levado? - Vamos ser honestos,tá? - decidiu Pedro. - Assim que acusou o tio daquilo tudo,nós não acreditamos ,é lógico! - Por quê? - perguntou a irmã,sentindo um nó na garganta e imensa vontade de chorar. - Fazia tempo que o tio vinha nos dizendo que tu irias dar trabalho pra gente. Que tu ficavas se assanhando pra ele e se estava fazendo isso pra ele,fazia pra os outros também.Eu mesmo ficava intrigado quando tu sumia. - Por que não perguntou onde eu estava? A mãe sabia que eu gostava de ficar na cachoeirinha. - Não sei por que não perguntei. Só que,assim que tudo aconteceu,não pudemos acreditar porque pensamos que o acusou pra se vingar das surras que levou por ele ter avisado sobre o neguinho que te namorava. Tadeu ficava calado e Pedro continuou: - O tio sempre foi um pai pra gente,minha irmã.Ele sempre teve moral.Não pudemos acreditar naquilo.Depois de um tempo, a mãe nos procurou e disse que tu estavas morando com Marcos e mostrou uma carta da Alice,onde ela dizia que estavas dando trabalho. - Pedro se calou por uns instantes,mas depois revelou: A Alice disse que tu estavas saindo com um e com outro. Tadeu,que até então não se pronunciara muito,argumentou: - Agora,de repente,tu aparece casada e traz uma guria junto. Tudo está muito confuso ,Raquel. Olha a idade dela! Mas você não tem que dar explicações,não. Se ele aceitou... Tá certo.Sejam felizes!Bah! A irmã decepcionada com o que ouvia.Ela respirou fundo ,criou coragem,falou: - Pelo que estou percebendo a mãe nunca contou tudo a vocês.Vamos esclarecer,de uma vez por todas,o que eu deveria ter feito desde o começo. Os irmãos se entreolharam e Raquel continuou: - Desde pequena,quando eu tinha uns oito anos ou nove anos,percebi certos carinhos estranhos por parte do tio Ladislau... Os irmãos atentos,ouviram tudo até o fim. Mesmo com a voz embargando em alguns momentos,Raquel não se deteve,e no final os irmãos estavam perplexos.Eles ficaram em silêncio por alguns minutos,mas depois,Pedro vrou-se par Tadeu e perguntou: - Lembra-te que logo que a Raquel foi embora eu achei o casebre revirado,com amarras cortas,comida embolorada e água? - Lembro - confirmou Tadeu ,atordoado,e completou: - Tinham manchas de sangue e eu até encontrei aquela capa e o bornal do tio,mas não quisemos acreditar,pensamos que o negrinho tinha roubado. Pedro pendeu a cabeça e Raquel disse: - Foi lá mesmo ,perto do ribeirão da "montanha velha",que ele me prendeu.Para me soltar,fiquei quase a noite inteira roendo aquelas tiras com os dentes,igual um animal. - Desgraçado!Maldito!!!- gritou Pedro,dando um soco na mesa. - Eu vi o lugar e ainda pensei... Não quis acreditar!Era mais fácil dizer que tu estavas mentindo.Não tinha como desconfiar dele. - Calma ,Pedro - pedia Raquel. - Não fique assim,não adianta mais. - Raquel - perguntou Tadeu -tu tens certeza de que ele é teu pai? - Foi isso o que eu ouvi da mãe,quando a procurei desesperada por estar morando nas ruas e grávida. Se quiserem chamá-la agora para esclarecer tudo novamente... - E tua filha? - tornou Tadeu. Raquel abaixou a cabeça e respondeu: - Agradeço a Deus por ela ser perfeita... pois Alexandre a assumiu como filha dele. - Teu marido sabe dessa barbaridade,mesmo? - Sim.Ele sabe tudo.Como eu disse,foi Alexandre quem me fez superar tantos desafios e aceitar minha filha. Pedro estava inconformado.Ele se levantou e uase gritando,esmurrou a mesa novamente ao falar: - Vou matar aquele desgraçado! Miserável!!! Raquel foi á sua direção e o abraçou,dizendo: - Pedro,por Deus,por seus filhos,eu lhe peço que não faça nada.O tio já é vítima de si mesmo. Não suje as suas mãos. -Não posso me conformar,minha irmã! Eu tenho uma filha e... - Estou lhe pedindo,por favor.Por sua filha... Ela não merece ter um pai assassino.Já me vi em desespero por causa dessa hsitória,superei medos e traumas,mas ainda vivo alguns conflitos por tudo o que aconteceu.Não me deixe com mais esse remorso de saber que você fez algo contra a vida dele por causa do que contei. O irmão a olhou e ela pediu novamente. - Não me deixe com esse peso na consicência,já sofri muito,meu irmão.Por favor. Alexandre que,vagarosamente ,entrou na sala,fazendo-se ouvir pelos passos no assoalho,parou ao chegar próximo da esposa. Tadeu o olhou e disse: - Desculep,Alexandre.Pensamos muito mal de ti. Ele deu um leve sorriso forçdo sem nada a dizer e Pedro ,ainda inconformado,reagia: - Maldito!!! Se pego este... - Pedro,eu lhe peço,não suje suas mãos.Não me deixe com esse remorso. Olhando para a irmã,Pedro falou: - Não sei como pode pensar assim,Raquel. - Veja,Pedro,eu estou bem. Tenho uma filha linda.Eu a amo muito.. Tenho o Alex ,que é um marido maravilhoso.Sou feliz! E ele? A punição á qual ele se condenou é pior do que a morte. Tadeu se levantou e andando de um lado para o outro ,perguntou: - Por que a mãe nunca nos falou? - Não a culpe,Tadeu. Ela deve ter ficado em choque com o que aconteceu e deve ter sofrido e sentido vergonha,também.Prometam que não vão fazer nada contra ele. Pedro a encarou e sentindo-se arrependido abraçou dizendo: - Raquel,você perdoa a gente,A gente do teu perdão. - Claro,Pedro. eu amo vocês. Tadeu,mesmo meio sem jeito,a envolveu com carinho e lágrimas nos olhos,mas não conseguiu falar. Ao se recolherem ao quarto,olhou a filha que dormia tranquila e virou-se para o marido,que estava ao por um tempo,até que ele sorriu e perguntou generoso: - O que foi? Ela o abraçou com força e disse bai - Amo você,Alex.Obrigada por você existir.
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Um motivo para viver
EspiritualRaquel nasceu em uma fazenda,numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.Morava com o pai,a mãe,três irmãos e o avô,um rude e autoritário imigrante clandestino da antiga Polônia russa. Na mesma fazenda,mas em outra casa,residia seu tio Ladislau,com a m...