Quando desci pude ver Alfonso sentado em uma poltrona da sala velando o sono de Aninha e Julia. Eu me aproximei, e pude reparar em seus olhos vermelhos, provavelmente chorara. Será que por conta de Miguel.
Ele nem percebeu que me aproximei e levou um susto enorme quando coloquei a mão sobre seu ombro.
- Vem, vamos à cozinha tomar uma água. – Murmurei para que as crianças não acordassem.
Sem responder, ele apenas levantou e me seguiu. Servi um copo de leite para mim, e ele insistiu em querer somente um copo de água, sentei-me à mesa dos empregados que ficava na cozinha e ele se sentou junto.
- É assustador. – Murmurou.
- O que?
- Esta casa. Você não tem medo? – Ele fitou-me sério. – Poderia se perder aqui, é tão grande.
- Cresci aqui. – Respondi simplesmente. – Tenho boas lembranças de minha infância, e depois que minha mãe... Bem... – Não queria falar sobre isto. – Enfim, meu pai saiu daqui e foi morar em um apartamento menor, minha irmã já estava casada, e eu, eu continuei por aqui.
- As coisas mudam muito quando perdemos alguém não é mesmo? – Alfonso respirou pesadamente. – Desde quando Judy se foi e eu tive de cuidar sozinho dos dois, as coisas mudaram muito. Antes tínhamos pouco, hoje posso dizer que não temos quase nada.
- E por que tanto medo de aceitar minha ajuda?
- Por que, sem querer ofendê-la, se teve algo que aprendi nessa vida é que nada vem de graça, e eu tenho medo de qual seja seu preço. – Ele então tomou um gole de água, e eu tive de acompanha-lo tomando o mesmo gole de leite. O que responderia para ele?
- Acredite se você quiser. Já está pagando.
- Como?
- Eu não sei exatamente como ou o porquê, mas precisava resgatar uma Anahí que morreu a alguns anos. E de uma maneira meio louca você está me ajudando com isto.
- Fala isto por que perdeu sua mãe?
- Não exatamente. – Virei o rosto. – Bem, eu não quero conversar sobre isto.
- Tudo bem. Mudaremos de assunto, afinal você parece ter tanto sono quanto eu. – Pude ouvir seu suspiro. – Então você é médica? Trabalha naquele hospital.
- Não atuo na minha área a alguns anos, e o hospital é de meu pai. – Achei que era hora de ele saber, hora ou outra iria saber que meu sobrenome era Portilla, e na realidade não havia motivos para esconder. – E o fato de não exercer medicina também entra neste apanhado de problemas. E você trabalha com o que? – Tentei mudar de assunto no intuito de esquecer os problemas que este me gerava.
- Judy tinha trabalho fixo e eu sempre trabalhei autônomo, e juntos conseguíamos manter a casa, de modo simples, mas nunca faltara nada. Quando ela morreu, no parto de Miguel, parece que tudo desmoronou. Havia duas crianças e somente eu. – Os olhos dele marearam. – Não consegui creche para o Miguel, existem poucas creches públicas e um sorteio anual no qual não tive sorte, e depois não consegui manter meu emprego por conta dos horários para cuidar das crianças, em seguida virou uma bola de neve, e saía com Miguel para catar latas e material para reciclagem para ganhar um dinheiro extra enquanto Julia estudava. Depois Milena começou a cuidar dele certos horários para que não tivesse de se misturar no lixo. Se eu tiver sorte, ano que vem Miguel vai para uma creche e poderei então ter um emprego de verdade para poder cuidá-los.
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O mendigo ✖ AyA {finalizada}
RomanceAnahí é uma menina muito doce no meio de tanto tubarão. Querendo ou não as vezes sente-se afetada pelas amizades que tem em volta, e por vários momentos tem medo de perder sua própria essência. Em uma bela noite está brincando em uma praça em frente...