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[ 3 de outubro, quinta-feira ]




Eu quero ser mãe um dia. Não está no topo da minha lista de sonhos nem nada do tipo, mas tenho vontade de formar uma família. Às vezes, penso nisso antes de dormir; eu, no futuro, tirando fotos profissionalmente, casada com um certo carinha de cabelos cinzentos, e uma ou duas crianças de olhos coloridos correndo por aí. Mas, agora, essa visão mágica foi arruinada. O suposto marido tem cabelos cor de sangue, e a criança é um ovo de galinha idiota.

Eu gosto da senhora Ross, mas só consigo praguejar contra ela por ter passado essa tarefa enquanto espero o leite esquentar no fogão. Como se toda a situação já não fosse ruim o suficiente, a mamãe decidiu que fará essa experiência ser o mais real possível, então ela me acordou às duas da manhã com um som de choro de bebê e me fez descer até a cozinha para " preparar uma mamadeira ". É claro que não temos nenhuma mamadeira em casa — não que isso faça alguma diferença —, então vou preparar uma caneca de leite com chocolate para mim.

Isso é tão absurdo! Não acredito que estou perdendo minutos preciosos de sono enquanto aquele imbecil do Castiel dorme tranquilamente. Francamente, eu ainda terei que trabalhar à tarde! Não sei nada sobre como são os dias do ruivo, mas aposto que a única coisa que ele faz depois da escola é ficar a tarde toda coçando o saco no sofá e depois ir me atormentar no Hummingbird. Mas isso não vai ficar assim! Ele não disse que deveríamos agir como pais? Pois bem, então. 

Pego meu celular e disco o número de Castiel. A primeira ligação cai na caixa postal, assim como a segunda e a terceira. Caramba, esse garoto dorme como pedra! Na quinta tentativa ele finalmente atende.

O que foi, cacete? — sua voz soa grave e raivosa do outro lado da linha. 

— Como é bom ouvir o doce som da voz do meu amor — provoco, indo até o fogão e desligando o fogo. 

São duas e quinze da manhã, Greene. É melhor que seja urgente ou eu juro que…

— Minha mãe me acordou para alimentar a droga do ovo. Você não queria que agissemos como pais de verdade? Então é isso o que você vai ter. Toda vez que minha mãe me acordar, farei o mesmo contigo. 

Está brincando comigo? Não vou perder horas de sono por causa das maluquices da sua mãe!

— Vai, sim! Somos parceiros, então vamos passar por isso juntos. E não chame minha mãe de maluca, só eu posso fazer isso!

Pode esquecer, Greene. Agora, se me der licença, vou voltar a dormir. E nem adianta ficar me ligando porque vou colocar o telefone no silencioso. Tchau.

— Nem pense nisso! — ordeno, mas a ligação é encerrada.

Ah, não. Se o Castiel pensa que vai se livrar de mim tão fácil, está muito enganado. De jeito nenhum vou aturar essa doideira sozinha; não mesmo! Sem pensar muito no que estou fazendo, marcho para fora de casa e entro no carro. As ruas estão praticamente desertas, então alcanço meu destino mais rápido que o normal. O porteiro estranha um pouco a chegada de uma garota descabelada e usando pijamas, mas me deixa subir sem grandes questionamentos. Bato na porta do apartamento 310 insistentemente, sem me preocupar com a possibilidade de acabar acordando os vizinhos. Eu tenho meus próprios problemas.

— O que, caralhos, você está fazendo aqui a essa hora? Pelo amor de Deus! 

— Eu disse que estamos juntos nessa. 

— Você só pode ter destrambelhado de vez. Não está nem usando sapatos! 

— É, eu destrambelhei, sim! — esbravejo. — Eu estudo de manhã, trabalho à tarde, faço lição de casa à noite, e não vou ficar acordada de madrugada por causa de um ovo idiota sozinha! 

— Fala baixo — Castiel pede em uma espécie de sussurro, depois agarra meu pulso e me puxa para dentro do apartamento. — Não acha que está só um pouco estressada demais? Está na tpm, por acaso? 

— Não! Bom, talvez. Mas não é isso o que importa! A questão aqui é: se eu não vou dormir, você também não vai. O filho é de nós dois, afinal. 

Castiel passa as mãos pelo rosto, depois pelo cabelo e suspira. Fico de braços cruzados enquanto espero sua resposta. 

— Adorei seu pijama — ele diz, por fim. — Mas não está um pouco frio para usar shorts? 

— E não está um pouco frio para dormir sem camisa? 

— Fico mais confortável assim.

— E eu não consigo dormir de calça. Me incomoda.

— Vou ficar acordado, tá legal? E não vou deixar o celular no silencioso. Está mais calminha? 

— É… Acho que sim — respondo, descruzando os braços. Agora que todos os ânimos se acalmaram um pouco, acho que posso ter exagerado. Talvez seja mesmo tensão pré-menstrual. — Desculpe por ter aparecido aqui desse jeito. Eu exagerei.

— Você me pedindo desculpas? Essa noite está cada vez mais estranha. 

— Já estou me arrependendo.

Castiel joga a cabeça para trás, rindo, e é uma risada genuína. Nossas conversas geralmente incluem apenas risinhos sarcásticos e provocadores, então fico um pouco surpresa com o som agradável e leve que escapa por sua boca. Um sorriso se forma em meu rosto. A situação é um bocado cômica, afinal de contas. Nós dois parados em sua sala mal iluminada, descalços, descabelados e usando pijamas que não condizem nem um pouco com a época do ano em que estamos agora. Meu sorriso evolui para uma risada e logo estamos ambos gargalhando, provavelmente porque o sono está mexendo com nossa cabeça. Nós paramos depois de uns segundos, mas continuamos sorrindo.

— Você não falha em me surpreender, Greene. Já que estamos aqui, quer fazer um lanchinho da madrugada? 

Lanchinho da madrugada? Caramba, eu saí de casa e me esqueci completamente do leite. Só espero que eu tenha lembrado de apagar o fogo, senão estarei completamente ferrada quando chegar em casa. 

— Eu aceitaria, mas é melhor eu ir embora. Ninguém sabe que eu saí. 

— Eu imaginei. Quem diria que um dia você sairia escondida na calada da noite só pra me ver? 

Reviro os olhos.

— Tem certeza que não quer ficar? Tenho um resto de pizza da janta.

— Comeu pizza numa quarta-feira? — ele dá de ombros. — Qual sabor?

— Marguerita.

— Entendi… Acho que posso ficar para um lanchinho. Mas tem que ser rápido.

Castiel sorri e gesticula em direção à cozinha, fazendo uma espécie de reverência. Nós nos sentamos à mesa e comemos entre brincadeiras e provocações, só que, diferente do normal, dessa vez é leve e divertido. 

São quase três e meia quando chego em casa; tudo está exatamente como deixei e não tem ninguém me esperando com cara feia, então acho que minha ausência não foi notada. Depois dessa explosão de raiva e dos dois pedaços de pizza que comi com Castiel, estou odiando um pouco menos a tarefa do ovo. O ruivo tem razão; talvez seja divertido, afinal. Mamãe não volta a me acordar pelo resto da noite.

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