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[ 28 de janeiro, sexta-feira ]



 
  — Merda! — esbravejo um pouco alto demais quando a xícara se espatifa no chão. É a segunda coisa que quebro hoje. 

  Keith se aproxima do balcão enquanto recolho os cacos de porcelana. 

  — O que está havendo? Sou eu quem costuma quebrar as coisas por aqui. 

  — Não é nada, eu só... Ai! — deixo os cacos caírem outra vez, observando o pequeno rastro de sangue sobre o corte no meu dedo. — Que porcaria. 

  Keith deixa a bandeja, dá a volta no balcão e me ajuda a ficar de pé. 

  — É para isso que temos uma vassoura e uma pá. Deixa que eu limpo isso, vá lavar o dedo e se sentar um pouco. Você tem agido estranho desde que chegou. 

  Eu obedeço. Sugo o ar entredentes quando o sabão penetra a abertura em minha pele, e o faço novamente ao passar o álcool em gel. Meu amigo termina de varrer os cacos e os despeja na lata de lixo ao lado da porta do depósito. 

  — Sabe se há curativos aqui? Não quero sangrar na bebida de ninguém. 

  — Deve ter uma caixa no depósito. Eu vou pegar. 

  Me sento num banco enquanto espero, fazendo uma careta para o sangue que volta a brotar. Keith retorna com um band-aid amarelo estampado com uma carinha sorridente, e ele mesmo o coloca no meu dedo. Bom, ao menos um dos meus problemas foi resolvido. 

  — Então... Tem algo sobre o que está querendo conversar? Você não se juntou a nós ontem para comemorar o sucesso da entrevista, e parece estressada hoje. 

  — Eu só vi a mensagem hoje de manhã — minto. 

  — Qual é, Arianinha. Eu só pareço bobo, sabia? Você ouviu alguma palavra que eu disse enquanto contava como foi ontem? 

  — Claro. Você disse que foi um sucesso. 

  — Sei que usei mais que uma frase — ele levanta as sobrancelhas. — Vamos lá, fale comigo. Somos amigos, não somos? Aconteceu alguma coisa na casa do Lysandre? 

  Respiro fundo, pesando minhas opções. Eu posso permanecer calada e deixar que essa história me enlouqueça, ou posso falar com Keith que é, de fato, a única pessoa com quem posso conversar sobre o que aconteceu. Lysandre tentou falar comigo na escola, mas inventei desculpas para escapar, e ele não ousou se aproximar durante o intervalo, enquanto eu estava com Castiel. Não estou zangada com ele, só não sei o que dizer ou como agir por agora. Acidente ou não, foi um beijo. Eu tenho um namorado, ele quer tentar uma chance com a minha irmã, e essa história pode estragar as coisas para nós dois. 

  — Então? — Keith insiste. 

  E eu decido contar. 
  
  — Lysandre me beijou — ele assume uma expressão espantada e eu me apresso para explicar, antes que qualquer conclusão errada seja tirada. — Foi sem querer. Quer dizer, nós estávamos ensaiando a música e ele estava nervoso, então eu sugeri que ele fingisse que eu era a minha irmã para treinar, só que ele ficou envolvido demais no momento e acabou me beijando. 

  — Huh... Uau. Castiel já está sabendo disso? 

  — É aí que está a questão: eu não sei se deveria contar. O beijo mal aconteceu, Lysandre caiu em si rapidamente. Será que vale a pena arranjar confusão por causa disso? 

  — Ari, vai por mim, é melhor contar a verdade. Você não gostaria de saber se algo assim acontecesse com ele? 

  — Sim, mas você sabe como ele é com o Lysandre. Castiel não vai entender que o Lys não fez isso por maldade. 

  — Pode ser, mas a forma como ele reagirá não está sob seu controle. A sua parte é contar a verdade. Talvez você se surpreenda. 

  — Não, não, eu conheço o Castiel. Ele é impulsivo e esquentado, e não consigo imaginar nenhum cenário onde ele não tente resolver as coisas agressivamente. 

  — De qualquer forma, não esconda o que aconteceu. Sempre existe a possibilidade de ele descobrir tudo por outra pessoa e, acredite, isso seria muito pior. E mais, você acha que conseguiria lidar com o fato de estar omitindo uma coisa como essa? 

  — Não, acho que não — balanço a cabeça, suspirando. — Me sinto culpada só de pensar nisso. Você tem razão, é melhor contar. Farei isso amanhã. 

  — Por que não hoje? 

  — Ele estava tão feliz com o sucesso da entrevista na escola... Vou deixar que ele aproveite mais um pouco, antes de puxar seu tapete. 

  — Tudo bem, você quem sabe. Prometo que não direi nada. 

  — Obrigada — seguro sua mão, apertando-a levemente. — Você é um bom amigo. 

  Keith cobre minha mão com sua outra. Nós dois olhamos quando o sino da porta toca, e observamos enquanto a Debrah se dirige até uma das mesas da janela, onde outras três garotas estão sentadas. Uma delas cochicha algo assim que a modelo se senta, então ambas olham em nossa direção. Um sorrisinho cruel surge no rosto da Debrah. Meu estômago revira, mas ignoro. Elas devem estar apenas falando baboseiras para me provocar. 

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