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  [ 10 de março, quarta-feira ]
   
   

    Respiro fundo duas vezes antes de sair do carro, me preparando para todo o constrangimento que virá à tona quando eu entrar no Hummingbird. Me permiti esquecer do ocorrido durante algumas horas, mas enquanto me aprontava só conseguia pensar com que cara encararia o Keith hoje. Não que eu tenha vergonha de ter relações com meu namorado, porém não faço bem o tipo exibicionista. A expectativa de sermos flagrados pode até ser excitante, mas o flagra propriamente dito é mortificante — principalmente vindo de um conhecido.

    De qualquer maneira, não posso me esconder para sempre — não se eu quiser contar com um salário no fim do mês —, por isso tomo coragem e saio do veículo. Há outro carro preto no estacionamento voltado apenas para fregueses e funcionários, o que é estranho, visto que a lanchonete ainda está fechada. Será que Keith decidiu comprar um carro da noite pro dia? Não... O veículo parece chique demais para ser comprado com o salário do Hummingbird, mesmo que fosse usado.

    Caminho para a entrada, sentindo um misto de vergonha e confusão. O sino toca quando abro a porta, chamando a atenção dos dois homens no interior do estabelecimento. O loiro me olha por um segundo, então desvia a atenção para o balcão que está limpando. O moreno, sentado numa banqueta, alterna o olhar entre nós desconfiadamente. Nenhuma palavra foi dita ainda, mas meu rosto esquenta em antecipação. Ao menos uma terceira pessoa impedirá o clima de ficar tenso demais.

    — Oi, Leigh — cumprimento, me aproximando. — Que surpresa te encontrar aqui a essa hora.

    — Pois é, aproveitei o horário de almoço para vir falar com o Keith sobre minha campanha de primavera.

    — Oh, claro. E você aceitou? — pergunto ao loiro, sem olhá-lo diretamente.

    — Ser modelo? É óbvio! Primeiro porque sou bonito demais, e seria egoísmo não partilhar toda essa beleza com o mundo — ele gesticula com as mãos para cima e para baixo, apontando seu corpo. — E, segundo, porque pode trazer mais visibilidade para a Crowstorm.

    — Como aparecer numa campanha de roupas vai trazer mais visibilidade para a banda?

    — Simples. As pessoas verão minha foto e vão pensar ” Uau! Quem é esse super gato gostosão? ”, então vão jogar meu nome no Google e encontrar a versão digital do nosso artigo na i-D, o que as levarão a pesquisar a banda no instagram e, bam!, se tornarão fãs do nosso som. Prático, eficiente, e ainda serei pago. É o plano perfeito.

    — Gosto do jeito como pensa grande — Leigh declara.

    — E eu gosto que reconheça que sou um gênio — Keith lhe lança uma piscadinha convencida.

   Leigh fica um pouco desconcertado. É, definitivamente uma paixonite. Ele se levanta.

    — Bom, vou deixá-los com seus afazeres, não quero atrasá-los. Fico feliz que tenha aceitado o convite, Keith. Sinceramente, não consigo pensar em um modelo melhor.

    — Ah, cara, assim eu fico encabulado — o loiro finge modéstia. — Nos vemos mais tarde, na sua casa? Ou planeja fugir outra vez?

    — A-ah, bem — Leigh olha para mim. — Você assistirá ao ensaio hoje, Ari?

    — Sim, provavelmente.

    — Legal, então nos vemos à noite. Tchau.

    Assim que ficamos a sós, a tensão se faz presente. Honestamente, não sei qual de nós está mais constrangido. Por um lado, eu fui pega com Castiel dois dedos inteiros enfiado dentro de mim, mas, por outro, é como se Keith tivesse visto os pais transando — e todo mundo sabe o quanto isso é terrível. Tá, tudo bem, isso é exagero, mas ainda é bem ruim. Enquanto divago não percebo Keith sair de trás do balcão; só noto sua proximidade quando sou puxada para um abraço de urso.

    — Perdão, perdão, perdão, Ari — ele implora. — Eu não quis ver aquela cena, fiquei tão envergonhado depois! Não quero que o clima fique estranho entre nós. Prometo que nunca mais entrarei no apartamento sem bater, você e Castiel podem transar à vontade em qualquer cômodo, eu juro. Se quiser, nunca mais tocaremos nesse assunto. Você me perdoa? Eu te adoro tanto, Ari, e adoro o Castiel também. Não quero que o fato de eu ter ouvido seus gemidos estrague a nossa amizade.

    Francamente, não sei se esse garoto está se desculpando ou tentando me matar de vergonha de vez. Estou com o rosto enterrado próximo a sua axila, sendo forte e desesperadamente segurada, então me contorço para me livrar do abraço antes de formular uma resposta. Fico toda despenteada e ofegante, sem contar a dor nas costas. Apóio as mãos na lombar e me alongo. Keith me encara com expectativa nos olhos castanho-esverdeados.

   — Primeiramente, que bom que está usando desodorante — começo, soltando o ar pela boca. — Em segundo lugar, eu te desculpo. Não tinha como adivinhar, não é? Eu e Castiel não deveríamos estar fazendo aquilo no sofá.

    — Nada disso, o apê é de vocês. Podem se pegar onde bem entenderem. Menos na sacada, acho. A menos que gostem de ser assistidos, aí é com vocês. Cada um com seu cada qual, não é?

    Sinto o rosto arder.

    — Podemos mudar de assunto, por favor? — peço, indo colocar meu avental. — Aliás, é bom colocarmos a mão na massa. Está quase na hora de abrir e ainda não fizemos a limpeza.

    Keith bufa.

    — Eles deviam contratar alguém para isso. Por que temos que ser garçons e faxineiros? Você não vê o cozinheiro ajudando na organização.

    — Eu não vejo o cozinheiro nunca, na verdade — aponto. — Não é estranho? Ele é quase um mito, um fantasma. Os pratos surgem e desaparecem pela janelinha, e é isso.

    — Carl é um velho rabugento. Ele nos evita ao máximo porque acha que nossa juventude enérgica o desgasta.

    — Ele sequer ajudou quando houve aquela briga aqui.

    — O que posso dizer? Ele não dá a mínima para nós ou para os nossos problemas — Keith dá de ombros. — Não espere ajuda vinda da cozinha, Arianinha. Não que o Carl seja capaz de muita coisa. Enfim, quer dar uma inovada? Eu cuido das mesas, e você cuida do chão.

    — Eu topo — jogo o paninho em sua direção, sorrindo. — Somos tão ousados, fugindo da rotina assim.

    — Não é nossa culpa se somos jovens malucos que gostam de viver perigosamente. Agora, aumente esse som, pegue a vassoura e me siga, pequenina. Vamos limpar essa bodega.



O app que uso para escrever me fez exportar TUDO o que eu tinha escrito para outro lugar, e acabei perdendo várias coisas * rindo de ódio *. Baixei um outro app. Graças a Deus essa história tá toda salva no Wattpad! Mas infelizmente acabei perdendo várias anotações e lembretes, e minha memória é uma grande bagunça. Então, caso algo pareça um pouco confuso no decorrer da história, é por isso. Porém, tô tentando recuperar tudo!

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