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[ 24 de dezembro, sexta-feira ]


  Em circunstâncias normais eu adoro as festas de fim de ano, mas é muito difícil se empolgar com decorações natalinas e comidas deliciosas quando não posso pôr os pés para fora de casa, ou comer sem ter a sensação de estar engolindo uma faca. Sem contar os outros problemas, é claro. É incrível, de um jeito ruim, como tudo está dando errado de uma só vez. Ao menos hoje é o início do recesso de inverno, o que significa que não estarei perdendo aula enquanto estiver confinada.

  — Trinta e oito graus — mamãe anuncia o número marcado no termômetro, torcendo a boca. — Isso não é nada bom. Não acredito que foi para a escola nessa situação.

  — Não estava muito a fim de ficar em casa — respondo, fechando os olhos por um instante. — E Lysandre me levou ao médico, então tudo bem.

  Mamãe suspira. Não voltamos a falar sobre a mentira do namoro depois da grande confusão, mas a tensão ainda é nítida. Quer dizer, meus pais não estão mais espumando de raiva, mas eu continuo zangada. Embora seja tecnicamente a infratora, estou fula da vida por estar sendo tratada como criança — uma coisinha frágil e inocente que não sabe nada da vida —, e por não poder ficar com o garoto que amo porque meu pai acha que ninguém com tatuagens e piercings presta. Eu admiro que Castiel não é exatamente bem encarado, mas não deveria ser julgado por sua aparência.

  Ariana se desculpou umas três vezes pelo ocorrido, mesmo que não tenha nenhuma culpa, e eu me desculpei por tê-la envolvido nessa história e acabar fazendo com ela fosse castigada também. Estamos ambas sem telefone, chateadas e proibidas de sair de casa, então passamos grande parte da noite de ontem conversando sobre nossas vidas amorosas um tanto quanto agitadas e fracassadas ao mesmo tempo. Foi a primeira vez que tive algo para acrescentar nesse tópico.

  — Entendo que esteja chateada, Ariane, mas você mentiu para nós. O castigo é merecido.

  — Não estão me castigando pela mentira, estão me castigando pelo Castiel. Sei bem o que pensam sobre ele, assim como sei que não ficariam tão zangados se fosse o Lysandre ou sei lá. 

  — Eu não penso nada sobre o Castiel. Admito que a aparência dele não me agrada muito, mas não o conheço.

  — Quer dizer que você não tem nenhuma implicância com ele, como o papai?

  — Bom, eu não o adoro no momento. Querendo ou não, seu pai tem certa razão. Você nunca se comportou assim, até se envolver com esse garoto.

  — Eu só menti porque sabia que o papai não aprovaria nosso namoro. 

  — E acha que foi uma boa ideia? — mamãe arqueia as sobrancelhas. — E se alguma coisa desse errado, Ari? Você mentiu sobre onde e com quem estava, e sobre o que estava fazendo. Se algo ruim acontecesse contigo, sequer saberíamos onde encontrá-la! 

  — A Ana saberia.

  — É bom ver que finalmente estão fazendo coisas juntas — ela abre um sorriso sarcástico. — Pena que essa coisa é enganar seus pais. Eu vou descer e pegar seus remédios.

  Penso no que foi dito enquanto a mamãe não volta. Ela não detesta o Castiel. Isso é bom, não é? Se eu esperar alguns dias até a poeira da enganação abaixar, talvez consiga convencê-la a tentar persuadir o papai a permitir o namoro. Lysandre e Leigh se juntarão a nós para a ceia de natal, e ele tentará fazer comentários positivos e sutis sobre o ruivo. Papai adora o Lysandre, então achamos que sua opinião sobre o Castiel pode mudar se ele pensar que os dois são amigos. É um tiro no escuro, mas vale o risco.

  Saio da cama por volta da hora do almoço, quando fico de saco cheio por passar tanto tempo deitada. Meu corpo está mole e pesado e é um pouco cansativo andar, porém é melhor que ficar me revirando no colchão. Penso em Castiel enquanto desço a escada. Não se passaram nem vinte e quatro horas desde que nos vimos pela última vez, mas já estou com saudades e me perguntando se acabei infectando-o. Não quero que ele passe o natal sozinho e doente. 

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