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[ 29 de dezembro, quarta-feira ]


  A primeira coisa que faço ao chegar em casa é atirar as chaves sobre a mesa e ir direto para o quarto, onde me jogo de costas na cama. Fecho os olhos, sentindo os músculos doerem. Estou moído. Fazia um tempo que eu não me metia numa confusão como aquela, isso somado a ter que ficar sentado por um tempão na sala de espera da emergência me fez querer deitar numa maca e dormir até amanhã. 

  Só duas coisas poderiam melhorar meu dia agora: Ariane Elizabeth Greene e comida quente. Mas não posso ter a primeira, então decido me levantar e ir atrás da segunda. Tiro a camiseta pela cabeça e analiso meu corpo no espelho; um arranhão na bochecha, alguns hematomas no torso e um supercílio machucado. Razoável. 

  Eu tento não ser violento, mas não tive escolha. Quando entrei no Hummingbird e vi minha garotinha apoiada naquela mesa, descabelada, como se tivesse acabado de ser sacudida com força ou sei lá… Eu não podia permitir que encostassem um dedo nela. Também tinha o Lysandre, claro. Por mais que eu mesmo tenha sentido vontade de socá-lo diversas vezes, não podia deixar que continuassem a agredi-lo covardemente como estavam fazendo. Quatro contra um não é um combate muito justo. 

  Os músculos reclamam outra vez quando a água quente do chuveiro cai sobre mim. Me lavo lentamente enquanto minha mente divaga. Penso em Ariane e em como eu gostaria de poder falar com ela e saber como ela está — não conseguimos passar muito tempo juntos hoje. Penso em seus olhos amendoados cor de chocolate, as sobrancelhas grossas e marcantes, o nariz pequeno — tão parecido com seu fusquinha —, os lábios cheios em formato de coração. Também penso em seu sorriso ( todos os seus sorrisos ). Posso visualizá-la perfeitamente enquanto esfrego o cabelo com os olhos fechados; cada pedacinho de seu corpo, cada pequeno detalhe que me deixa maluco. Termino o banho antes que sangue demais se concentre entre as minhas pernas.

  Estou atravessando o pequeno corredor quando alguém bate na porta. Ótimo, visita indesejada. Faço um desvio de rota, atravessando a sala. Não confiro o olho mágico antes de abrir a porta, e me arrependo disso amargamente. Debrah passa os olhos por todo o meu corpo, coberto apenas por uma toalha, antes de dizer:

  — Oi, Cassy. Que bom que ainda mora aqui. 

  — Castiel. O que você quer?

  — Nada, eu só vim fazer uma visita. Ariane me contou o que aconteceu entre vocês, então pensei em vir oferecer um pouco de apoio emocional.

  — Para começo de conversa, não aconteceu nada entre a Greene e eu. E mesmo que tivesse acontecido, isso não seria da sua conta.
 
  — Você não precisa falar assim, só estou tentando ser gentil — ela encolhe os ombros. 

  — Agradeço a gentileza, mas não preciso dela — mantenho a voz firme. Não me interessa o quanto a Debrah tente se fazer de boa moça, não serei afetado por isso. — Agora, se me der licença, vou vestir uma roupa e ir comprar comida.

  — Nós podemos comer juntos — ela sorri. — Nem precisamos sair. Está frio lá fora, eu posso fazer uma sopa ou algo do tipo. 

  A cara de pau dela é tão grande que quase dou risada. 

  — Por que eu iria querer jantar com você? Não somos amigos. 

  — Mas poderíamos ser...

  — Não, não poderíamos. Agora, como eu disse, tenho mais o que fazer. 

  Não me despesso antes de fechar a porta. Era só o que me faltava; como se eu já não tivesse problemas o suficiente, essa garota decide voltar para perturbar minha vida.
 
  Por fim, peço que entreguem a comida a domicílio.

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