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[ 29 de dezembro, quarta-feira ]





  Ainda estou com muita raiva quando vou para casa, à noite; não pelos vergões em meu corpo ou pela bagunça que tive que arrumar sozinha, mas pelo que fizeram com Lysandre. Como aqueles idiotas ousaram tocá-lo com tanta agressidade? Como se atreveram a tratá-lo com tanta grosseria? O sempre doce e gentil Lysandre, que é sempre tão legal com todo mundo. Embora Castiel tenha informado que o médico disse que nenhum ferimento grave foi feito, ainda tenho vontade de martelar a cabeça daqueles quatro imbecis. E das duas garotas também. 

  Castiel... Deus sabe o que teria acontecido conosco se ele tivesse decidido aparecer mais tarde. Provavelmente teriam batido em Lysandre até deixá-lo desacordado, e meus ferimentos iriam além de uma marca roxa e dolorida no quadril e juntas dos dedos levemente machucadas. Odeio valentões. Imagina só, socar alguém até não querer mais só por causa de uma bebida derramada por acidente.

  Ariana está na sala quando chego, e eu me jogo ao seu lado, no sofá, bufando alto de irritação e alívio pelo dia finalmente ter acabado. Ela enfia na boca uma colherada do que quer que esteja comendo e coloca a tigela na mesinha de centro.
 
  — Dia estressante? 

  — Totalmente. 

  — O que aconteceu?

  Ajeito a postura.

  — Keith não foi trabalhar hoje. Eu e Lysandre estávamos batendo um papo, então um grupo de adolescentes mal encarados chegou e Lysandre se ofereceu para atendê-los — conto, tirando os sapatos. — Ele derrubou a bebida de um deles por acidente e o cara surtou. Eles começaram a agredir o Lysandre, então eu me enfiei no meio, mas os caras eram mais fortes. Por fim, o Castiel chegou e colocou todo mundo pra correr.

  — Ai, meu Deus! Eles bateram no Lys? Ele está bem? 

  — Provavelmente ficará com alguns hematomas, mas nada grave. 

  — Ah, meu Deus, como... Como puderam fazer isso com o Lysandre? Malditos infelizes! Eu nunca sequer vi o Lys levantar a voz para ninguém.
 
  — Compartilho da sua indignação. Odiei presenciar aquilo — mordisco o lábio, balançando a cabeça. — Ainda bem que Castiel apareceu bem a tempo, ou poderia ter sido pior. Ele usou meu carro para levar o Lys para o hospital.

  — Foi muito gentil da parte dele. Me lembre de agradecê-lo. 

  — Foi mais do que gentil — sorrio um pouco. — Castiel odeia dirigir e também não é grande fã do Lysandre, então vê-lo se oferecer para conduzir o Lys para o hospital foi... bem legal. Lysandre nem queria, foi ele quem insistiu. 

  — Olha só esse sorrisinho e pupilas dilatadas — Ana provoca, me cutucando com o cotovelo. — É uma pena que o papai tenha barrado vocês. Gostaria de poder ajudar. 

  Nesse momento nossos pais aparecem na porta da sala, e para a minha surpresa — e leve desespero — estão carregando o álbum de fotos que fiz para Castiel. A conversa morre no mesmo instante. Pelo amor, o que estará por vir agora? Mais broncas e restrições? Vão me proibir de trabalhar e contratar um professor para me dar aulas em casa? Eles adentram mais o cômodo.

  — Ana, pode nos deixar a sós por um momento? — papai pede. — Queremos falar com a Ari. 

  Eu e minha irmã trocamos olhares e quase imploro para que ela não vá. Não quero ter que lidar com nenhuma merda agora. Ana me oferece um sorrisinho encorajador, se levanta, pega sua tigela e vai embora. Mamãe e papai ocupam o sofá em seu lugar. 

  — Queremos falar sobre o Castiel. 

  Sabia. Contenho um revirar de olhos.

  — O que tem ele? 

  — Sua mãe deu uma olhada nisso — ele indica o álbum — e depois mostrou para mim. É verdade? Tudo o que escreveu aqui, quero dizer. 

  Posso sentir minhas bochechas corarem. Todas as declarações contidas no álbum eram para os olhos de Castiel apenas; é uma droga que mais alguém tenha visto. É como se tivessem me despido, como se seja lá qual material componha minha alma tivesse sido completamente exposto. Parece exagero, mas para mim é muito importante — principalmente levando em conta a dificuldade que sinto em falar sobre meus sentimentos. 

  — Sim, é verdade — confirmo em voz baixa. — Tudo o que está escrito aí. 

  — Eu não... Por que ele? Se não estou enganado, você mal o suportava.

  — Porque ele é incrível. Como quer que eu explique? Papai, Castiel não é o encrenqueiro inconsequente que você acha que ele é. Você viu as fotos, não viu? Elas o mostram de verdade. 

  Papai suspira e passa as mãos pelo rosto. 

  — Você não acha que seria melhor estar com alguém diferente? Alguém maduro, responsável, educado, comportado... Como o Leigh, por exemplo. 

  Solto uma risada curta e desacreditada.

  — Isso é sério? Pai, o Leigh tem vinte e quatro anos! Ele é ótimo, mas é um adulto e, acredite, não temos o menor interesse um no outro. Não assim, pelo menos. Como pode sugerir isso?

  — Você vai se formar em alguns meses e fará dezoito anos em janeiro. 

  — Eu amo o Castiel — declaro com firmeza. — Apenas ele. Leigh é um amigo. E Lysandre também, para todos os efeitos. 

  Meus pais se olham por um tempo, como se estivessem se comunicando em pensamento, e por fim mamãe diz:

  — É a primeira vez que a vejo gostar de alguém tanto e tão abertamente assim — sua voz é gentil. — Esse álbum foi muito surpreendente. Nós não somos grandes fãs do Castiel no momento, Ari, e você sabe o porquê, mas decidimos permitir esse namoro. 

  Arregalo os olhos. Será que ouvi direito? Eles vão permitir que fiquemos juntos? 

  — Daremos uma chance a vocês — papai declara. — Mas saiba que se derem um passo fora da linha, acabou. Qualquer passo fora da linha. Entendeu? É bom que esse garoto seja realmente o que você diz que ele é. 

  Não consigo me conter. Meu sorriso é quase maior que o rosto quando pulo para abraçá-los, um de cada vez. Não acredito que esse bendito álbum foi nossa salvação! Eu o teria deixado aberto desde o primeiro momento se soubesse que resultaria nisso. 

  — Obrigada, obrigada, obrigada! — estou um pouco ofegante de tanta empolgação quando volto para o meu lugar. — Então, eu estou liberada do Castigo? Vão devolver meu celular? 

  — Ainda não. Você e sua irmã nos enganaram, lembra? Mas resolvi diminuir sua punição em uma semana. Estarão liberadas na quarta-feira que vem. 

  Dito isso, papai me entrega o álbum e os dois se retiram. Me jogo no sofá, apertando o álbum contra o peito e balançando as pernas euforicamente. 

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