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[ 19 de fevereiro, sábado ] 




  Leio cada verso gravado no papel amassado de novo e de novo enquanto caminho pelas ruas. O sol está se pondo, uma brisa suave sopra e quase me sinto fazendo parte de um dos filmes de romance que tanto gosto. Acho que sempre quis isso, embora não imaginasse que fosse ser assim. O roteiro que costumo criar todas as noites antes de dormir há três ou quatro anos não envolve um melhor amigo, até porque nunca tive um até conhecer o Lysandre. Ele é meu primeiro amigo de verdade; todos os outros caras não passavam de diversão — ou uma busca desenfreada por um romance clichê. 

  É por isso que estou com medo. Falei sério quando disse que Lysandre foi a melhor coisa que me aconteceu no ano passado, e odiaria perdê-lo de alguma forma. Sei que ele pode me dar o que eu quero — um amor brega do tipo foto de casal no Tumblr —, mas seria tão real…

  Lys me conhece genuinamente, assim como eu o conheço. Nós tivemos uma ligação desde o princípio. Ele sabe meus segredos — posso contar-lhe tudo, sem medo de julgamentos. Ele também me apóia e está sempre ao meu lado, não importa a situação. Lysandre Frey é uma agulha num palheiro; não sei como tive a sorte de encontrá-lo. Ele também é dono de uma beleza etérea.

  Eu estaria mentindo, é claro, se dissesse que não pensei em tentar algo além de amizade num primeiro momento. Era nisso que eu estava pensando quando decidi me aproximar do garoto de cabelos cinzentos e olhos diferentes sentado em um dos bancos do shopping, tomando sorvete — que ele poderia ser meu amor de verão. No entanto, com o passar das horas, dos dias, as coisas foram mudando. Lysandre é especial. 

  Toco a campainha da grande casa branca, e seco as lágrimas rapidamente antes que alguém atenda. Leigh é quem abre a porta, como o esperado. 

  — Huh… Ana? — ele pergunta, incerto.
 
  Entendo a dúvida. Não estou mesmo vestida como de costume; não tive vontade de me emperequetar. Fui para o passeio familiar usando calça de moletom e uma camiseta da Ariane, estampada com um elfo gatinho que não sei bem quem é. Nem sequer arrumei o cabelo, apenas o prendi num coque bagunçado. Confirmo com a cabeça. 

  — Tudo bem contigo? 

  — Sim… Posso falar com o Lys? 

  — Lysandre não está — ele encolhe os ombros. — Ele passou os últimos dias enfurnado no quarto, então o mandei sair para tomar um ar.
 
  — Oh, e sabe se ele vai demorar para voltar? 

  — Bom, ele saiu tem quase uma hora. Pode entrar e esperar, se quiser. 

  — Tá, obrigada — sorrio levemente, adentrando a casa. 

  — Eu estou em uma vídeo chamada com uns fornecedores, mas pode ficar à vontade. Você já é de casa. 

  Agradeço novamente, e Leigh desaparece no corredor — provavelmente em direção ao escritório. Decido esperar por Lysandre em seu quarto. Já estive aqui centenas de vezes, mas mato o tempo observando os detalhes do cômodo novamente. As prateleiras escuras e empoeiradas com livros e dois troféus de primeiro lugar em competições de soletração. O mural de fotos na parede de frente à cama; imagens de seus pais, da formatura do Lys no ensino fundamental, Leigh criança o segurando no colo, ele pequeno cercado de coelhinhos, e várias fotos de nós dois.
 
  Me movo para sentar na cama. Uma das portas do armário está aberta. Uma curiosidade sobre Lysandre Frey: ele é 99% organizado, mas seu armário é uma grande bagunça. Levanto-me para guardar o casaco que está pendurado e a calça que caiu no chão. Nossa, como sou idiota. Não sei há quanto tempo Lysandre está apaixonado por mim, mas imagino o quanto o magoei sem intenção com todos os relatos sobre minhas aventuras com garotos. Quando fecho o armário, meu melhor amigo está parado na porta do quarto. Nossos olhares se encontram. 

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