|Cap. 1|

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Inglaterra, 1856.

Olhar no espelho da penteadeira à minha frente só me faz reconhecer o desastre que está prestes a se formar. Olho para a imagem refletida tão nitidamente e vejo a figura magra e um tanto sem modos ou educação necessários para uma verdadeira dama da mais elitizada sociedade londrina. Olho para meus traços simples, meu cabelo preso em uma trança desalinhada, minha camisa de algodão branco e, onde meus olhos não alcançam, sei que existe uma calça confortável e terminantemente malvista entre as mulheres e homens da sociedade.

Olhar para todo esse conjunto desajustado e que não reflete os últimos acontecimentos, ou mesmo a mais ínfima parte do meu estado de espírito, parece ser a maior das afrontas.

A mais crua das dores.

Mas agora minha vida mudou e preciso aceitar os fatos. Aceitar que hoje, o dia do meu aniversário, é marco do peso final que se desprende de cordas imaginárias e caem duramente sobre minhas costas, mandando em sua mensagem direta e irrefutável que eu escute a voz da sensatez e acate calada ao meu destino quase cruel. Maldito 10 de agosto que me obriga a ir para cidade em busca de um casamento arranjado. Sei que sou uma moça de sorte, pude passar toda minha vida no campo, montar um excelente cavalo, aprender a caçar e usar uma arma de fogo tão bem quanto qualquer um. Tive todas as regalias possíveis, pude sentir o sabor da árdua liberdade.

- Mas agora acabou!... - sussurro diante de minha imagem refletida, uma tentativa tola de aprofundar mais em minha alma a verdade que me rasga. Meu avô diz que está ficando velho, que precisa me proteger dos abutres existentes no mundo. Eu concordo, ou no mais, tento concordar. Sou uma mulher rica, a única herdeira de uma família importante, mas isso não diminui a dor e o aperto entrelaçados no meu coração e que magoam sem fim minha alma. Preciso me casar com alguém por escolha, antes que não me sobre mais nenhuma!...

- Alexia, você está pronta? - escuto a ampla voz de meu avô dentro do quarto, o que me tira momentaneamente de devaneios. No início fico confusa com as palavras pronunciadas, mas logo que aqueles poucos ditos tomam sentido, aceito que uma outra fase da minha vida começou.

- Sim, vovô! Só estava dando uma última olhada no espelho.

- Pretende ir de calça? - ele sempre parece encabulado com as minhas escolhas de vestuário.

- Prometo trocar na última estalagem antes de chegar em Londres. Só quero aproveitar uma última vez... - acrescento em uma suplica indireta. Me sinto triste no dia de hoje, e creio que minhas feições se mostram assim tão condenadas no espelho que as refletem. Meu avô percebe, eu sei. Também sei que ele está fazendo o que acha certo para me garantir um bom futuro, mas não consigo disfarçar o sentimento ruim que invade meu peito.

Tenho medo.

- Minha Alexia, sei que não está sendo fácil para você, mas saiba que é para o seu próprio bem. Sabe que não vou durar por toda eternidade e o que faço é unicamente para te proteger daqueles caçadores de fortuna que não vão te deixar em paz. - o semblante dele também parece condenado, o cansaço tomando sua voz e seus ombros que se mantêm eretos pelo fio de tensão que perpassa todo seu corpo. Ele também não querer aceitar que um destino assim, tão maldito como é a falta de escolhas, deva cair sobre a vida daqueles que ama.

- Eu sei, vovô! - suspiro em dificuldade, o amargor da aceitação descendo como fel pela minha garganta - Mas nem por isso me sinto mais feliz, nem por isso deixo de sentir que estou perdendo minha liberdade. É frustrante saber que como mulher não posso ser solteira e feliz, que preciso me casar antes que se casem comigo. É frustrante saber que vou me tornar o brinquedinho de algum homem. - finalizo com a vontade insana de gritar para o mundo, de debulhar em lágrimas por meus sentimentos.

De fugir de tudo. De fugir de todos.

- Minha menina, desde quando alguém, homem ou mulher, conseguiu te transformar seja no que for? Você é, e sempre será, meu amado tesouro. Acha que vou permitir que sofra algum dano, que não serei o primeiro a me levantar contra toda Europa se alguém lhe fizer mal? - sua voz é embargada pelas lágrimas que não se permite deixar cair na minha frente. Seus olhos, castanhos como os meus, brilham avermelhados em seu sofrimento.

- Tem toda razão, avô! Tem toda razão... - solto altiva, mesmo que desprovida de bons sentimentos. Tento impor ao meu coração a certeza de que a vida é uma caixinha de surpresas e que está na hora de criar a devida coragem para abri-la. Quem sabe não encontro o amor ou mesmo o companheirismo que encontraram meus pais? É um pensamento difícil, mas é com tal resolução que devo sair em busca deste destino que se apresenta frente a mim e que não parece me deixar saída.

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