|Cap. 2|

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–– Minha querida Valquíria, a que devo a honra de uma pequena visita em meus aposentos tão tarde? Por acaso os berros deste condenado rapaz não te deixam dormir? –– diz André em um sorriso envergonhado por ter sido pego discutindo em plena madrugada com seu companheiro de quarto Gaspar.

André ainda é o lindo, jovial e nobre russo em minha companhia, mas se transforma em um homem frio, duro e objetivo quando se põe a trabalhar arduamente em seus misteriosos projetos. Seus olhos ganham a cada dia uma nova coloração de sombras pela ausência de uma descente noite de sono, e sua pele uma nova tonalidade de dourado pelas incontáveis horas sob o sol em excessivos trabalhos manuais. Tudo deve aparentar ordem, cuidado e excelente funcionalidade dentro do Sereia Escarlate.

–– Então cunhada, estamos atrapalhando seu sono? –– me interroga novamente.

–– Vocês dois vivem para brigar! Não posso deixá-los um minuto sozinhos e já armam a maior briga. O melhor é que os homens do navio não parecem se importar com a gritaria ou um possível assassinato dentro deste quarto. Sim, vocês me atrapalham! Sendo assim, resolvi vir pessoal e descaradamente em seu quarto para tentar ajudar a resolver toda essa confusão. –– digo numa imensidão de palavras que vão saindo em carreira desgovernada da minha boca para os ouvidos daqueles dois desajustados.

–– Ah, minha querida Alexia, eu lhe peço desculpas. Mas, por favor, entre por alguns instantes e me ajude a colocar juízo na cabeça desmiolada deste menino. –– diz me oferecendo abertura para entrar em seu espaçoso aposento iluminado por algumas lamparinas à óleo, o que dá ao ambiente limpo e simples, um ar de certa intimidade. As luzes iluminam brandamente os poucos móveis, mas não deixam a desejar quando iluminam o torço bem definido, dourado e cheio daquele novo André, ou melhor, Capitão Jack, que não se sente minimamente desconfortável por andar em sua semi-nudez perante meus olhos ou o de qualquer outro. Já Gaspar, sentado em uma cadeira no canto do quarto, parece ainda mais rígido e desconfiado por eu estar invadindo sua maior intimidade. Minha presença aqui, de pé no meio do quarto, parece ser muito para o espartano e antissocial espirito do rapaz.

–– Mas o que se passa? –– pergunto rápido, antes que tomem ainda mais conhecimento sobre meu olhar curioso que vasculha desavergonhadamente o quarto, ou que o jovem Gaspar exploda em toda sua tensão. –– Porquê toda essa gritaria?

–– Por favor, cunhada, diga para este cabeça oca que é inadmissível sua participação em outros trabalhos, principalmente quando está encarregado de lhe fazer companhia e cuidados. –– André argumenta, direcionando seus olhos escuros para um Gaspar silencioso.

–– E por que ele não pode participar de outros trabalhos? Confesso que não preciso de uma babá a todo instante, e que se ele tem prazer em participar com o restante dos homens de um outro serviço, de modo algum me sentirei ofendida.

–– Mas é perigoso! Não posso aceitar que esse grande magricela participe de mais nada. –– diz André em um sussurro. –– Agora escuta, criança, não irei mais permitir que arrisque sua vida. Não enquanto viver sob meus olhos! –– esbraveja diretamente a Gaspar.

–– Mas que trabalho perigoso é esse para que vidas possam ser perdidas, André? Já está me assustando! –– digo receosa.

–– Aqui, nestas águas tropicais eu sou um pirata, minha cunhada, e piratas saqueiam tesouros. –– Ele responde com um belo e, ao mesmo tempo, triste sorriso.

Não sei explicar o que vem acontecendo a minha volta, nem mesmo se acredito que as coisas assim possam ser fruto da realidade. Estou indo para o Caribe, estou em um navio que por seus mais escondidos e escuros motivos tem um capitão que se intitula pirata. Os olhos de André não mentem sobre acreditar nisso, nem mesmo a tensão que endurece seu corpo parece fingir sobre uma necessidade, ainda inacessível para o meu conhecimento, de querer fazer essas coisas. Meu querido Gaspar parece compreender em seu mais íntimo, pois mesmo em sua raiva contida contra seu mestre, posso vislumbrar olhos lacrimosos que nos evitam a todo custo. Quem são esses dois, e que caminhos meu amável André tem percorrido a tanto tempo sozinho?!

–– Eu só queria te ajudar, Capitão, mas se se passa tão insuportável assim minha ajuda, prometo me ausentar de qualquer trabalho que o ponha em preocupação, mesmo que para isso eu me torne apenas um bonito e delicado boneco. –– diz em uma fingida voz altiva, o que parece convencer e acalmar os ânimos de André.

–– E tamanha gritaria para um final tão pacífico. Meu trabalho diplomático parece soar maravilhoso! –– digo com um pequeno sorriso antes de me ausentar da companhia daqueles dois e voltar a meu dormitório para um revigorante sono ou pensamentos que irão me sufocar ao caminhar de uma noite. A mentira descarada das palavras de Gaspar, a verdade e a tormenta das palavras de André ou a saudade de casa. Tudo isso, todas essas coisas, estão como se transbordassem em mim.


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