|Cap. 3|

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Permaneço deitada e quieta enquanto a calmaria volta a reinar após a resolução da briga de André e Gaspar, enquanto o deus Helios traz o sol da manhã em sua carruagem dourada puxada por seus quatro cavalos. Meu corpo já se acostumou com o sacolejar infinito do navio e com os horários de trabalho dos homens. Minha mente já aceita com mais facilidade a passagem do tempo incontável, e aprendeu a achar interessante cada e qualquer coisa, mesmo as mais simples, contanto que me entretenha por minutos a fio. Minha pele já traz uma certa tonalidade fortemente dourada, limpa, sem cosméticos ou perfumes. Não há preocupação com vestimenta e modos, não preciso sempre observar o que falo e, se não fosse pelo extremo cuidado de André, talvez estaria pulando de um lado ao outro e subindo pelas cordas até o cesto da gávea, onde os homens vão em busca de direção ou, simples e puramente, para reexaminar a beleza infinita e um pouco assustadora que está à nossa volta.

Todos os dias e em todos os possíveis momentos em que estou sozinha meu coração me leva para os braços de um sombrio príncipe, e agora não seria diferente. Apesar de que cada dia as lembranças vão se tornando mais fracas, ou melhor, meu coração vai aprendendo a cicatrizar as marcas da dor, me pego sentindo saudade do homem que infelizmente ainda amo. Seus poemas, aquelas belas provas de amor guardadas em uma caixa de joias me deixaram inicialmente encantada e infinitamente feliz por também ser amada, mas com os dias e com a realidade vindas por águas escuras e tropicais, me tomo pela raiva e rancor, sabendo, então, que Mikhail não me merece.

Para que serve um amor se ele sempre está guardado? Para que serve um amor se você não tem coragem de expressá-lo? O amor de Mikhail é triste, grande e solitário. Por seu passado doloroso ele não se entregou para ninguém, nem mesmo para a mulher que diz amar. É muito querer sentir estar sendo amada? Mikhail,... é tão difícil assim?!

–– Alexia?! –– A voz fina e irregular de Gaspar soa à porta me empurrando abruptamente para fora dos meus devaneios.

–– Sim, Gaspar?!

–– Venha para fora, já estamos prestes a atracar o navio.

–– Co-como? –– digo assustada, pois não imaginei algo tão repentino. Não falo dos quase dois meses que passei a bordo do Sereia Escarlate, mas por não ter percebido que já estávamos no destino final. –– Mas como já chegamos? –– pergunto ao abrir escancaradamente a porta do aposento e deixar a minha figura bagunçada ser vista pelo belo rapaz com sua calça de couro negra, uma camisa branca e um colete acinzentado, todos surrados pelo tempo, bem como outros estranhos badulaques, colares e pulseiras de conta pelo corpo. Sua tez morena, seu rosto maliciosamente marcado por um ar de mocidade e seu semblante sombriamente sedutor me fazem pensar em um desses piratas místicos.

–– Já estamos prestes a descer, Senhora. Venha ver um pouco do Caribe! –– ele diz num sorriso surpreendentemente bonito e um tanto feminino, enquanto se encaminha para a proa do navio, remexendo feliz as contas presas ao pescoço.

–– Vejo que já descobriu o que acontece! –– é André quem fala, me fazendo aportar os olhos em uma figura de calça negra colada ao corpo rijo, camisa de linho limpa e cabelos presos em uma fita de couro. Seu olhar caloroso e brincalhão, e sua beleza dourada sendo ainda mais destacada pelas roupas simples e confortáveis, pelo sorriso travesso e perfeito que ocupa maravilhosamente todo seu ser.–– Queria ter sido eu a lhe apresentar sua primeira visão do Caribe, mas vejo que essa criança suja já tomou o lugar.

–– Não sou sujo! –– responde Gaspar com uma voz que me parece magoada.

–– Esses seus badulaques presos no pulso e pescoço me mostram outra coisa –– André surge.

–– Por favor, vocês, não vamos brigar! –– digo num tom diplomático.

–– Se está tão incomodado em me ver, Capitão, então devo me retirar para que se sinta mais confortável. –– diz marchando em passos vigorosos enquanto passa por André rumo ao interior da embarcação.

–– Guez... –– André diz ao segurar Gaspar pelo braço quando ele passa. Foram apenas segundos quando os olhos raivosos dos dois se encontraram no que me pareceu uma disputa de poder, onde um tentava impor sua decisão e força sobre o outro.

Olhar para o jovem e magro Gaspar tentando superar o poder que emana de André ou enfrentar a submissão de sua posição no navio é uma tarefa difícil, mas que aquele jovem e obstinado rapaz não parece querer perder. A tensão no olhar daqueles dois soa muito intensa, mas, ao perceber o que faz, André desiste da disputa e, com uma careta irritada, deixa que o moço parta com a vitória.

–– Venha, cunhadinha. Vamos descer! –– diz em um semblante mais caloroso ao se virar para mim. Sua natureza agradável e seu sorriso teimoso e jovial me fazem esquecer um pouco sobre o que se passou nos segundos anteriores, me fazem esquecer desse outro lado do mais jovem Korcwovski. –– Quero que sinta o maravilhoso sabor da liberdade nessas terras tão calorosas!


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