Sigo calmamente os homens de André pela estrada que nos leva ao Porto e, ao que parece, estamos mantendo bem mais que 100 passos de distância do Capitão que tanto admiramos devido ao campo em aberto que cavalgamos. Me contenho ainda mais distante que os homens à minha frente com suas habilidades assustadoras de se camuflarem em qualquer lugar e momento. Os cascos de seus cavalos são absurdamente silenciosos, suas roupas comuns não chamam a atenção de nenhum dos pescadores ou marinheiros que já estão despertos e caminham rumo aos portos ou as bancas de rua para venda de seus pescados. Nem mesmo seus batimentos cardíacos são capazes de provocar algum barulho, transformando o que era para ser algo assustador na mostra de uma espécie de magia da arte de ser "sombra".
Estamos nos aproximando cada segundo mais do destino encontrado por André, pois não há mais saída por terra em cada passada larga dada pelos cavalos em sua marcha. Meus olhos vagueiam em uma praia cinza, buscando em sua madrugada a luz fraca de um sol que se espreguiça para aparecer e nos brindar com vida. Ouço o barulho de ondas, sinto o vento gelado que carrega meu corpo e entorpece meus ossos. Posso cheirar o mar e tudo aquilo tão comum para a vida da ilha, para os homens e mulheres que carregam o sangue caribenho em suas veias.
Gaivotas gritam enquanto se sacodem para o voo do café da manhã, suas asas longas e brancas rasgam o céu acinzentado a nos informar que o dia quer chegar e que a vida resiste apesar de todas as provações. É isso que tomo para mim, essa mensagem que busco com força e carrego, mesmo que como grãos de areia que transpassam por meus dedos, dentro do meu mais íntimo.
–– Homens! –– escuto o sussurro de um dos agentes de André à minha frente, e pouco depois não estamos mais nos locomovendo.
–– O que acontece? –– pergunto para alguém ao meu lado.
–– Agora observamos! –– ele apenas afirma duro, em foco e vigilante, me obrigando a seguir com meus próprios olhos o mesmo caminho que os seus tão arduamente fazem. Me fixo na imagem ainda nublada e um pouco distante, e, quando meus olhos se acostumam e enfocam num determinado ponto, posso ver claramente a cena mais assustadora que se segue. Meu corpo treme, minhas mãos se apertam geladas em volta da correia da cela e o medo me domina lentamente.
Estamos na margem oposta de toda movimentação do porto e com apenas o escuro mar, alguns grandes e espaçados rochedos à nossa frente e um pequeno pedaço de floresta no qual nos escondemos depois da fina faixa de areia. Meus ouvidos tentam captar todo e qualquer som, o que não é nada fácil, mesmo estando num lugar tão estratégico.
Os segundos passam enrolados na teia do pavor, meus olhos não conseguem desgrudar da visão de uma pobre Guez semi desperta arrastada pelos braços grosseiros de um homem que mesmo no tom escuro da madrugada me parece asqueroso e demoníaco, além de um André à poucos passos e com a expressão corporal reta, fria e pronta para matar. Dos seus lábios posso ver se formarem palavras, e por não conseguir entender abertamente o que falam, apenas me sinto descer do cavalo e esgueirar discretamente pelas pedras que cercam esta parte da praia até o mais próximo possível. Um dos homens parece me chamar em voz baixa, sussurra algo que mesmo ilegível para o lugar onde já estou, me deixam compreender, por sua expressão apertada e sofrida, a raiva e o medo pelas ações que tomo precipitada.
Mas apesar de todo o sentimento, toda palavra sussurrada e toda vontade de voltar para a segurança que aqueles homens podem me dar, meu corpo inconscientemente não se deixa permanecer quieto enquanto vejo a cena que se distende perante meus olhos já tão acostumados ao escuro. Não posso simplesmente abandonar o pobre corpo que se obriga a ficar acordado e em seus próprios pés enquanto segue sendo abraçada por um monstro. Não posso suportar o olhar cheio de nojo, desespero, dor e ódio de Guez enquanto seu corpo é lascivamente apertado pelos braços brancos e magros que torturaram e abusaram de toda sua alma. Não posso suportar permanecer no aconchego que a proteção daqueles homens me afirma enquanto vejo um André que mesmo em toda sua frieza, seu desejo por sangue e sua mais tangível maldade, me parece ainda mais desesperado e a ponto de desmoronar ao ver o fio de vida que se desprende do corpo da mulher que ama.
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Sedução do Príncipe
Любовные романыNos contos de fada o amor surge dos momentos mais incomuns, mas para a realidade daqueles que nunca podem escolher, o amor surgiu do memento mais trágico. Alexia é uma jovem ativa e que aproveita de toda sua liberdade rodeada por campos verdes...