|Cap. 22|

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A noite cai fria e absurdamente sombria sobre a casa. Os acontecimentos do dia, as emoções tortuosas e desesperadas que se expandiram e se chocaram entre todos e cada um de nós, carrega meu espirito para a descrença, o cansaço e o peso de tanto sofrimento e ausência de escolhas. Meu corpo se obriga a caminhar para um quarto compartilhado. Meu corpo pesado se despede do dia caindo na cama confortável, quente e macia ao lado do homem que tomei para mim. Meu corpo permanece abraçado ao dele, necessitado por ele, mas nossos pensamentos vagueiam distantes dali, mesmo que ainda presentes na casa.

Mikhail permanece em constante silêncio, seu corpo se aperta ao meu como a vontade se agarra a vida. Seus braços fortes e quentes me envolvem e me protegem, seu cheiro masculino, selvagem e delicioso me entorpece, mas não me afastam dos tormentos que acompanham aos outros moradores da casa e ao homem que desesperadamente quero esmagar pela justiça, pela dor que causou e pela ânsia de mau que ainda quer fazer desabrochar como flor doente e velha.

–– Durma, Alexia! Por favor, durma! –– Mikhail sussurra exausto. –– Um de nós precisa manter intacto o mínimo de pureza e razão. Descanse e me diga o que fazer amanhã. Se acalme hoje e me ajude a encontrar as respostas que massacram minha alma, a dor que me queima e a culpa que ainda mais me consome.

–– Também não sou capaz de dormir. Sinto muito, Mikhail, mas não me vejo capaz de ajudar ninguém, de encontrar nenhuma resposta ou de acabar com a dor que sinto em suas palavras. –– me aperto ainda mais em seu envolvente abraço, me deixando afundar em lágrimas e desespero pelo doloroso que foi escutar da boca de uma simples menina a falta de vida, amor, alma e esperança. As palavras de Guez queimam meus ouvidos e atormentam meu coração, elas seguram com garras compridas e apertadas aos homens que amo, a família que tenho. Elas levam todos ao inferno, e mesmo assim, nos faz compreender que a miséria de alguém pode ir ainda mais longe.

–– Não sabia que ela tinha sido tão quebrada, Alexia. Não sabia que... –– Mikhail é obrigado a se interromper abruptamente após escutarmos um grande barulho vindo do corredor, como algo sendo arrebentado em toda sua força. Ele se levanta de um pulo da cama, busca com agilidade a calça de couro negro colocada sobre a cadeira e, mesmo descalço e de peito nu, caminha para o enorme guarda-roupa de madeira entalhado e pega, dentro da primeira gaveta, uma arma de fogo. Seus olhos brilham na semi escuridão do quarto, sua musculatura tensa é visível em toda plenitude enquanto diminui a distância até a porta. Suas mãos abrem silenciosas a fechadura e seu corpo se move elegante e mudo pelas paredes da casa. Não me aguento na cama, me levanto pesarosa, tentando segurar com as mãos apertadas na garganta o coração que parece querer fugir de um salto. Meu corpo treme e cambaleia em cada passo torpe e medroso, mas o medo de que algo possa acontecer com ele, com Mikhail, me impulsiona corajosa para fora dos aposentos e, também, silenciosamente, para o local do barulho.

Caminho por um corredor pouco iluminado, sigo cautelosa e com suor a banhar meu corpo até o quarto agora iluminado. A casa já parece se levantar com todo o alvoroço, o barulho de empregados começa a surgir no andar de baixo e, ao adentrar no aposento, o espaço que Guez ocupa, me deparo com um Mikhail estagnado no centro do quarto, de mão caídas até a cintura e um olhar perturbado. Vejo um André com mãos machucadas, olhos desesperados, boca apertada e entregue ao chão. Seu corpo, antes duro e forte, uma rocha inalterável, agora se encontra apertado, mole, frustrado e sozinho. Guez não está em nenhum lugar, o quarto se vê limpo, a cama arrumada e pronta, mas não existe sinal de nenhuma jovem ali.

–– Onde ela... onde ela está? –– pergunto tentado não tomar consciência da porta quebrada, do olhar furioso dos dois homens presentes e de uma verdade que nos carrega. –– Ela provavelmente está pela casa, não?! –– tento novamente –– Por favor, não me digam que ela... que ela foi atrás dele. –– sussurro um final aflito, desesperado e medroso de qualquer resposta. Guez saiu à caça, ela saiu para finalmente acabar com o tormento de todos nós.

–– Maldita! –– André esbraveja enquanto se levanta. –– Juro que a matarei por isso! –– afirma numa mescla de temor e raiva que tomam seus olhos e seu corpo levemente trêmulo.

–– Precisa se acalmar, irmão. Devemos ser objetivos e tentar salvá-la. –– Mikhail diz com fria razão.

–– Fácil para você falar, irmão. Sua esposa está aqui, segura e ao seu lado. Minha mulher está lá fora, possivelmente enlouquecida e buscando o seu fim. –– diz duro. –– Consegue me escutar, Mikhail?! –– André grita. –– Ela vai matá-lo, mesmo que para isso tenha que dar a própria vida.

–– Eu sei, André! Mas ficar descontrolado assim não vai trazê-la segura para casa e para seus braços. Vamos, irmão, utilize o dom da razão que sempre foi tão privilegiado em ter. Agrupe seus homens e divida-os para procurar pela ilha, mande vigiar os portos para que ninguém suspeito possa sair, peça para prepararem dois cavalos e vamos atrás de sua mulher. –– termina duro.

–– Irei com vocês! –– afirmo naquele instante, meu corpo já acordando necessitado de uma caça, mesmo que seja um homem o animal escolhido para o abate.

–– Não! –– Mikhail ruge feroz ao me encarar com olhos de um azul profundo. –– Não permitirei que arrisque sua vida.

–– Não foi um pedido, Mikhail. Não ficarei em casa, desesperada por qualquer resposta e cheia de medo, enquanto vocês estão fora. Não ficarei em casa enquanto Guez, minha amiga, esteja em perigo. Sei guiar um cavalo e usar uma arma, então estou pronta para seguir com vocês. –– digo numa voz forte e decidida, mesmo que meu corpo esteja assustado e trêmulo ao ponto do desfalecimento.

–– Muito bem, Alexia!... –– ele apenas diz, com seus olhos já aceitando minha demanda. –– Tem dez minutos para tirar este lençol enrolado ao corpo e colocar alguma roupa confortável e que não possa te atrapalhar no que pretende fazer hoje. E você, André, reaja! –– diz pouco antes de me guiar para fora do aposento e seguirmos apressados para os nossos. –– Prometa que irá se cuidar, Alexia! –– Mikhail sussurra em meu ouvido ao me erguer desprevenida em um forte abraço quando entramos para a intimidade do quarto. –– Não aguentarei se algo acontece com você.

–– Prometa o mesmo, marido, assim poderei vigiar meu traseiro sem ter medo de te perder em qualquer instante. –– digo num sorriso, uma pequena tentativa de quebrar as emoções pesadas que carregam o ambiente e o medo denso que nos consome.


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