O início do jantar é primoroso, muitas comidas típicas das quais me sinto um pouco receosa para experimentar, mas nada que várias doses de vodka não resolvam. As pessoas aqui bebem vodka com uma facilidade muito grande devido ao inverno intenso que assola esta parte do mundo. E é depois de algumas doses de vodka, mais do que o que estou acostumada, vinho e vários pratos exóticos e deliciosos, que estou considerando André e Helena pessoas alegres, abertas e gentis, muito diferente do homem disposto à minha frente e ao lado de Helena, que mesmo participando da conversação animada e com um comedido sorriso nos lábios, tem os olhos ainda vazios.
— Minha doce Alexia, quem poderia imaginar que meu irmão, com todo esse mal humor e grosseria enraizados, pudesse arrumar uma esposa tão alegre e bonita como você. Fico tão feliz! — Helena me encara meigamente com seus olhinhos úmidos enquanto esperamos a sobremesa.
E aqui, neste exato momento, um forte tremor se apossa do meu corpo, violento demais para controlá-lo, e toda aquela alegria, os risos e o delicioso sabor da comida desaparecem em questão de segundos. Sinto meu corpo em choque, preso, congelado e encurralado após ouvir aquela confissão tão inocente sair dos lábios avermelhados da pequena mulher. Respirar parece difícil e as palavras de Helena só podem ser alguma mentira, um grande mal entendido e um engano cruel.
— O que acontece, Alexia? — pergunta preocupada, com suas bochechas rosadas pelo excesso de bebida e seus olhos tão brilhosos demostrando confusão.
— Nos dê alguns minutos, irmã! — escuto a pesada voz de Mikhail. — Me acompanhe, Alexia! — ordena ao se levantar.
Me levanto da mesa em silêncio e o acompanho até o escritório da casa, um ambiente acolhedor e, ao mesmo tempo, exuberante com suas estantes abarrotadas de livros, suas poltronas em camurça vermelha e seus tapetes do mais exótico e luxuoso bordado. Caminho até a lareira e permaneço com as costas voltada para ele. Não me sinto corajosa o suficiente para encarar a verdade.
— Não estou casada com você! — sussurro no mesmo instante em que um ar gélido sobe por minha espinha, me trazendo arrepios que abraçam meu coração.
— Na verdade está, Alexia! — exclama frio.
— É uma brincadeira de péssimo gosto, Mikhail!
— Não, Alexia, é a verdade!
— M-ma-mas como?!... — soluço assustada, dando espaço para as certezas do meu coração de que esse homem, com todo seu poder, pode tudo.
— Seu avô e eu assinamos uma procuração para o casamento durante os dois dias anteriores a viagem. Estávamos preocupados com o que Pedro poderia ser capaz de fazer, então pensei que essa seria a melhor saída tendo em vista que carrego toda culpa por te colocar em tão perigosa situação.
— Mas sou maior de idade, não tem como ser um documento válido! — grito me virando para ele. Foco em seus olhos e vejo irritação na tempestade azul, me sinto arrastada para um buraco sombrio e desconhecido e, mesmo se quisesse, não me importo mais em chorar na sua frente. Meus olhos estão embaçados e a dor toma conta de mim. Fui traída! Traída pelo meu amado avô que aceitou minha liberdade quando tudo isso acabasse, e traída por esse maldito e obscuro homem. — Porquê? — pergunto assustada em um sussurro que leva um pouco mais do calor que resta em mim. A tormenta me toma, o medo me assola e a solidão ainda mais me amarra em suas correntes pesadas e dilacerantes. Dilaceram minha alma e minha fé em qualquer verdade, em qualquer um.
— Não deixaria sujar o nome de sua família por uma atitude tão infantil, nem deixaria de cuidar daquilo que é meu. — esbraveja — O que está feito, está feito! Agora você está ligada a mim como esposa, e ao meu poder como uma Princesa Korcwovski.
— Mas não quero ser nada sua! — grito — E se pensa que terá algum direito matrimonial sobre mim... Esqueça!
— Pensa em negar o que sempre foi meu, Alexia?! — diz com sua voz rouca e perigosa ao aproximar, em passos rápidos, até estar frente ao meu corpo, nos deixando tão próximos que posso sentir sua respiração pesada e as ondulações disformes de seu peito. Sinto seu olhar que devassa meu corpo, a necessidade que corrói seu controle e que me deixa num estado de medo e desejo escuro. Mas, com muito esforço, consigo quebrar o vínculo que me enfeitiça e o olho como se a resposta para aquela retórica quase esquecida fosse óbvia. Me preparo com um puxar pesado de ar para meus pulmões e enfrento o escuro azul. — Alexia, você já deu provas suficientes de me querer, não tente fingir o contrário. — sussurra ao meu ouvido, e essas palavras me pegam emocionalmente desprevenida. Seu peso subjuga minha alma e a tristeza facilmente a invade por saber a verdade em cada sílaba. Fecho meus olhos e busco ainda mais ar na tentativa de dissipar a névoa que penetra minha cabeça, cega minha visão e arrebenta as deliciosas sensações que guardo de nós dois.
— Não nego a verdade, Mikhail! Sim, não negaria meu corpo ao seu, muito menos minha alma. Mas isso era quando não estava em um casamento forçado, quando podia me encantar com sua beleza e seus gracejos, quando ainda podia me enganar ao dizer que era livre... — termino e posso sentir meu rosto molhado pelas lágrimas.
— Alexia... — ele chama com uma voz vazia. Seu timbre é fraco, perdido e cansado.
— Você tirou de mim a única coisa que uma mulher, no mundo em que vivemos, pode sonhar em ter. Você me tomou a esperança de algum dia ser amada! — termino e não posso mais permanecer ali, meus olhos se desmancham em lágrimas enquanto saio apressadamente do cômodo. André e Helena estão no corredor, e pelas suas caras encontro a certeza que escutaram tudo. Quando me vê, Helena vem ao meu encontro, sua feição é triste e preocupada.
— Alexia! — chama — Eu sei que as coisas estão meio confusas e você está magoada, mas meu irmão... no fundo ele é uma boa pessoa!
— Helena, este não é um bom momento... — diz André se aproximando.
— Mas ela parece tirar a amargura dele, André! Os horrores... — Helena sussurra angustiada — Por favor, Alexia, dê uma chance a Mikhail!
— E a minha chance, quem vai dar? — pergunto me sentindo sem chão. — Me desculpe pelo jantar, mas quero voltar para o palácio. — digo tentando me recompor.
— Eu a levo! — André se adianta.
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Sedução do Príncipe
RomanceNos contos de fada o amor surge dos momentos mais incomuns, mas para a realidade daqueles que nunca podem escolher, o amor surgiu do memento mais trágico. Alexia é uma jovem ativa e que aproveita de toda sua liberdade rodeada por campos verdes...