Respire Fundo

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Os aros de madeira rolavam sobre o chão irregular coberto por grandes placas de pedras socadas pelos inúmeros moradores dessa parte baixa dos portões, muros e dos olhos dos superiores do reino de Nidon.

Uma chuva fina caia incansavelmente, uma tentativa de umedecer os corações de um povo esquecido.

Quando uma nova construção se erguia, os construtores que eram dessa parte inferior, até então esquecidos, naquele momento ganhavam os olhos, sentiam-se lembrados, vivos. Das altas paredes eles observavam e conduziam para que as pedras não caíssem em nenhum dos seus semelhantes.

A carroça parou em um estabelecimento de dois pisos, totalmente revestido a madeira. Janelas nas paredes e degraus na entrada.

O homem descera da carroça tirando as cordas do seu animal e amarrando-as num tronco. Suas mãos de idade avançada ajeitaram o capuz sobre a cabeça por conta dos pingos de chuva. Subiu pelos degraus conduzido pelo corrimão a sua esquerda.

A taverna mostrava seus frequentadores. Os que estavam perto da porta o cumprimentaram com um aceno de cabeça.

O piso de madeira envelhecida acompanhava as mesas com suas cadeiras, umas largas e outras estreitas. O balcão um pouco mais adiante exibia as prateleiras cheias de bebidas dos mais variados tipos. Nas extremidades do salão duas escadas levavam para o andar superior, no qual, a sorte era jogada no formato de cartas sobre as mesas.

Ele sentou-se mais ao fundo. Sucessivamente passou sua mão no bolço tirando um pequeno papel amaçado, no qual, terminado de abrir, uma menininha e um homem mostravam-se desenhados. Seu polegar passou sutilmente sobre a menininha do desenho.

"Vamos conseguir, querida. "

O taverneiro aproximou-se dele colocando a cerveja sobre a mesa, saindo logo em seguida.

Levou o papel do desenho no bolço deixando outro entre os dedos. Movimentou-o por alguns segundos olhando para a janela, na qual, pingos escorriam do vidro.

Ele não o culpava-se por deixa-la sozinha, o trabalho exigia isso dele: tirar as crianças das ruas e dar um lugar melhor para elas, uma vida melhor, um sonho. Ele acreditava nisso. Fizeram-lhe acreditar nisso.

Eram muitas as crianças nesse estado, mas a dificuldade o motivava em ajudar, por mais que soubesse o que aconteciam com elas depois que eram entregues nos grandes portões da capital. Mesmo assim, ele se mantinha firme e convicto de suas ações e daquilo que Nidon pregava: As crianças são o futuro da nação.

Abrindo o papel, uma localização estava marcada.

"Espero que tenha orgulho de mim, filha. " - bebendo sua cerveja.

Sua mulher deixara-o cedo. Sthella, sua filha, era quem preenchia seu vazio.

Ensinou-a a sempre manter um sorriso no rosto, mesmo em meio as dificuldades e de que ninguém precisava ficar sabendo das batalhas que enfrentamos para manter nosso coração vivo. Nosso espirito alegre.

As moedas que recebia construía o seu sonho, igual as construções que se erguiam além dos muros, mas a necessidade de um futuro para Sthella falava mais alto, mesmo sua filha não sabendo do trabalho, o seu verdadeiro trabalho.

Dan presenciou uma figura totalmente encoberta por um manto adentrando o recinto e juntando-se a ele na mesa. Não tinha sido marcada nenhuma reunião dos "Coletores", que ele se lembrava. Ele achou isso estranho.

"O destino sorriu para você de novo, tio Dan." - disse uma voz abafada, quase rouca sob o capuz.

Ele sentiu ser pressionado por algo cilíndrico nas costelas abaixo da mesa.

"Vamos passear. " - continuou a voz abafada.

A chuva cessara deixando apenas o cinza das nuvens.

Pegando as rédeas, Dan fez um som com a boca e o cavalo atendeu ao comando passando suas patas uma à frente da outra.

Estando bem afastados da taverna e aos olhos dos outros, puxou as rédeas para a esquerda a mandado da figura com a voz abafada.

"Onde estamos indo? "

"Segue. "

Alguns metros à frente pararam. Portões totalmente enferrujados e pedaços de muros ao chão.

"Desce. "

Dan obedeceu de imediato ao ver o cano da arma que lhe era apontado.

Adentraram no estabelecimento abandonado, no qual, funcionava uma antiga escola. Por conta dos altos prédios de pedra que obstruíam a passagem do sol, deixara de funcionar.

Dan colocou mais um passo a frente.

Tudo apagou.

"Onde estou? " - acordando ainda meio tonto por causa do impacto.

"Você sabe. " - disse a pessoa de manto sobre o corpo retirando o capuz de Dan que estava sentado em sua frente, revelando sua face com expressões fundas e cansadas pelo tempo.

Dan tentou movimentar-se, mas percebeu que estava com seus pés e mãos amarrados a cadeira que estava.

"Me fale dos outros. " - aproximando-se e colocando uma cadeira de costas para ele, sentando-se sobre ela.

"Que outros? " - pressionando os olhos ao seu redor, conseguiu ver, ainda com sua visão um pouco turva, algumas cadeiras e mesas aos cantos, paredes desgastadas e rabiscadas. Janelas escuras pela sujeira e um pouco quebradas por conta da ação do tempo. Um alfabeto com grande parte faltando, ficando ainda presentes as letras: A, C, E, I, L. Por fim, os numerais, no qual, o número 1 mostrava-se totalmente solitário.

"Não se faz de bobo. " - cruzando os braços nas costas da cadeira.

"Quem é você? " - inclinando a cabeça.

"Xot. " - tirando o manto do corpo.

Pressionando ainda mais seus olhos para uma melhor visão, Dan conseguiu observar a fisionomia feminina. Uma mulher de longos cabelos lilases e uma máscara de gás revestindo o rosto.

"O que eu te fiz? "

"Nada, mas a ela..." 

"Quem? "

"Onde estão os outros? " - insistindo mais uma vez com sua voz abafada.

"Por favor..."

Um tiro no pé esquerdo. Dan gemeu de dor.

"Você sabe" - disse Xot num tom mais firme.

"Eu... É que..." - com a voz trêmula.

Xot revirou os olhos dando-lhe um tiro no pé direito, fazendo-o gemer de dor mais uma vez. Logo em seguida foi atrás dele e atirou nas suas mãos amarradas. Em meio aos gritos e as lágrimas, Dan falou sobre os coletores, todos eles. Xot amarrou sua boca com um pedaço de cortina rasgada que estava ao chão. Colocou uma bomba de gás em suas pernas e tirou o pino.

"Respire fundo. " - com suas mãos sobre as pernas dele e o gás esverdeado envolvendo todo o seu rosto. "Não, não... Não prende não. Segurar a respiração faz mal. " - jogando bombas de gás saindo da sala e fechando a porta.

Duas explosões.

"Não pare de respirar. "

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