Um Abraço Caloroso

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Com rápidos voos, a coruja de Denian, branca como a neve. Bico negro como a noite e olhos dourados como ouro, demarcava alguns pinheiros em Hurander.

O jovem armava seu arco e atirava. Falhava. Não era grande coisa, mas pelo menos acertava uma marcação e outra. Fechava o punho logo em seguida levantando-o em um sinal de comemoração. A coruja ajudava-o em seus treinamentos.

O menino passava grande parte do seu dia com ela no celeiro, pegara ainda filhote, salvando-a de um fantasma. Não foi fácil aproximar-se dela quando estava no chão, coberta de neve. Ela se congelava por inteira. Suas penas pareciam navalhas de tão afiadas que ficavam. Os feixes de luz do sol que brilhavam sobre ela faziam-na um cristal-vivo.

Apesar de morar com seu pai, Uter, barba longa e braços fortes, na aldeia Uvia ao pé da montanha, suas horas estavam dedicadas a trazer lenha para casa, mas também dedicadas a coruja, pois ela o entendia, entendia sua limitação. Denian conhecia os sons, gestos e olhares, mas as palavras.... Essas não existiam. Não existiam em sua boca. Seu pai não entendia isso, mas a coruja sim, pois conversavam através de assobios que ela ensinara a ele. Ouviam-se, entendiam-se.

O frio maltratava, mesmo no verão. O sol ficava a pino no céu, mas sua luz permanecia fria, por isso que criavam grandes animais de pelos caídos e longos chifres, fornecendo-lhes carne e couro. Entretanto, animais visados por grandes lobos brancos, fantasmas, comuns naquela região.

Denian e a coruja conversavam, mas só quando seu pai não estava por perto. Ele não gostava de animais dentro de casa.

Uter não aceitava a limitação do filho, mas era o que sua mulher o concedera. Ele queria uma criança normal, mas não foi assim. Por que ela fez isso com ele? Ele a amava tanto. Uter soltava seu silêncio olhando para o filho sentado à mesa.

Carinho não tinha, nem mesmo a palavra "Filho". Talvez seja porque quando se vive rodeado pela neve, você aprende a se tornar frio.

Denian pegou seu arco de madeira e foi para o quarto forçando a porta que viva emperrada, enquanto que seu pai se direcionava para fora sob o céu negro que dissolvia flocos brancos sobre o chão, para verificar as cercas.

Denian locomoveu-se para cama. Queria a coruja ali com ele, mas não podia. Até pensou em chama-la, mas se seu pai a visse? Deixou quieto. Olhou para a fresta na parede de madeira. O vento passava assobiando. Alguns flocos desciam sobre ele, outros caiam ao chão.

Num súbito os assobios viraram gritos.

Rapidamente olhou pela janela e avistou seu pai lutando contra um fantasma com um machado em mãos.

Saiu em disparada, mas foi impedido pela porta que emperrara. Tentou uma, duas, mas nada. Voltou até a janela. Seu pai lutava com a fera sob o céu que continuava dissolvendo sobre eles. O desespero foi tomando conta. A luta agitava-se diante os olhos de Denian, mas assobiava diversas vezes pela fresta do quarto. Assobios longos, altos, outrora curtos. Oscilavam-se em sonoridades. Seus olhos retornaram para a janela. O lobo mantinha-se sobre seu pai que permanecia firme em sua posição. A neve continuava a cair. As folhas dos pinheiros farfalhavam.

O lobo abria a boca e fechava os dentes, enquanto que Uter defendia-se com o machado a sua frente.

Denian batia contra o vidro da janela.

A neve caia.

As folhas voavam.

Assobios.

A coruja apareceu.

Rapidamente ela avançou num rasante sobre o animal, atacando-o. O forte lobo desferiu um golpe na tentativa de defender-se, mas acabou ferindo Uter com suas longas garras, jogando-o para trás, fazendo-o bater em uma árvore.

Denian foi de encontro a porta, mas permanecia ainda emperrada.

O lobo e a coruja lutavam.

Denian forçava a porta.

Bico e garras chocavam-se.

Duas, três tentativas...

Asas a patas batiam-se...

Conseguiu... Pegou seu arco e foi para fora. Seu pai permanecia abaixo da árvore com os braços sangrando. Os olhos de Denian foram para aqueles que se enfrentavam.

A coruja e o lobo rolaram ladeira abaixo.

Uter avistou Denian.

"Não! " - ele gritou.

Mas Denian tinha partido. Deslizou sobre a neve por alguns segundos, tirando galhos de sua frente.

A coruja estava caída em uma clareira. Denian aproximou-se ajoelhando-se diante dela. As penas estavam estilhaçadas ao chão.

Lágrimas rolaram. O gotejar dos olhos de Denian pareciam brilhar quando caiam sobre ela. Ele aproximou seu rosto ao dela. Ela fragmentou-se.

Uter tentou levantar-se, mas suas costas doíam, seus braços sangravam, seu peito estava marcado pelas garras abaixo da camada de couro que o revestia e o frio cortava-o. Fez mais uma tentativa, mas somente o ar branco saiu de sua boca. O machado estava próximo dali, somente um esforço.

Uter arrastou-se. O ar quente saia dos pulmões.

Sons de rastros surgiam por de trás dos pinheiros, aproximando-se lentamente.

Arrastou-se mais uma vez.

"Denian..." - disse Uter.

O som aproximou-se...

"Denian! " - disse Uter com o tom elevado da voz. "Falta pouco..." - disse a si mesmo em sussurro.

Mas quando se direcionou para mais perto do machado, uma pata pisou sobre ele. O grande lobo branco pisou sobre ele.

O lobo vinha com os olhos prateados marcados, lábios ensanguentados... Seu caminhar era lento.

Uter afastou-se sobre seus cotovelos.

O lobo rosnou mostrando os dentes.

Uter tentou acelerar seus movimentos, mas o lobo pulou. O pai de Denian colocou os braços diante do rosto numa tentativa de defender-se, mas somente a friagem sentiu sobre a pele.

Abaixou os braços depois de alguns segundos.

O lobo estava congelado. De repente, quebrou-se em vários pedaços diante dos seus olhos.

Denian estava com um arco de Gelo-puro revestido de penas congeladas como se fossem o mais puro dos cristais. O manto que o cobria descia até a metade de suas costas ornado a penas também. Seu braço esquerdo estava marcado de penas brancas como a neve, pareciam tatuagens até a altura do seu cotovelo.

Sentados à beira da lareira, Denian ajudava seu pai com os curativos, ataduras. Uter se afastava. Será que era por causa da dor ou porque não estava acostumado ao toque do filho?

A última faixa foi amarrada.

"Obrigado... Filho. " - disse Uter meio receoso.

Denian olhou nos olhos do pai, abraçando-o. Um abraço caloroso. Uma lágrima desceu, desceu sobre um sorriso.

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