O Despertar

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Construíram suas casas bem longe do antigo acampamento. Os troncos as sustentavam de pé, enquanto que as folhagens protegiam do frio e da chuva. Umas grandes, outras pequenas, não importava. Só de terem saído de onde estavam... Da dúvida, desconfiança, do medo, já era o suficiente.

Ninguém citava o antigo acampamento. Nem mesmo falava-se os títulos dos seus líderes: o Rebelde e a Caçadora. Isso tudo tinha ficado no passado.

Não foi difícil viver ali. Todos tinham sido treinados para sobreviverem, defenderem-se. Inclusive ela, Victoria, de cabelos castanhos e pele clara, que mesmo antes de toda aquela confusão acontecer, já havia recebido treinamentos militares dentro dos muros de Nidon: com espadas, machados, lanças e escudos. Sim, foi algo imposto. Sem opção de escolhas. E depois, mais treinamentos no antigo acampamento: com arcos e flechas, mas ela preferiu mesmo foi as lâminas. Duas adagas-gêmeas.

Com toda essa parte pesada, Victoria gostava de isolar-se entre as árvores de Mar-verde. A companhia dela mesma. Sentir a natureza. Ouvi-la. Esquecer tudo e ficar num profundo silencio. Paz. Talvez, por causa do seu passado turbulento, que ela ficou assim.

Apesar de ter uma boa relação de convivência com todo o pessoal, preferia ficar mais com ela mesma. Suas amizades eram rotineiras, e não intimas. Depois de ter sido retirada dos seus pais e perde-los no Êxodo de Nidon, criar uma relação com alguém, não era assim, algo tão fácil para ela.

Num desses afastamentos, conheceu um falcão. O começo foi difícil, mas conseguiram criar uma relação de confiança. Todas as vezes que saia, encontrava-se com ele. Partilhavam o momento. Porém, quando foi um certo dia, não o encontrou mais. Não o ouviu mais. E isso entristeceu seu coração, mais uma vez.

Foi difícil segurar aquele sentimento. Mas com o passar dos dias, foi ficando mais leve. E foi justamente nesse período, que ela, no seu isolamento, familiarizou-se com um filhote de Javali-de-armadura. Sozinho. Machucado.

Cuidou-o no acampamento. E mais uma vez, uma relação tinha sido criada. Para onde fosse, ele a seguia. Dormiam juntos. Com tudo, o rompimento veio sobre ela. Victoria viu-se sozinha mais uma vez.

Chorou.

Nidon mantinha alguns pequenos grupos acampados em Mar-verde, entorno do reino, protegendo-o.

Os confrontos eram inevitáveis.

Para os soldados, via-os como mercenários. E para eles, um passado muito opressor.

Quando a poeira baixou e não ouvia-se mais falar em rumores de guerra, lá estava ela novamente no seu canto, movimentando uma de suas adagas entre os dedos, sentada ao lado de um riacho.

Aconteceu.

Um tigre apareceu do outro lado do curso d'água.

No dia seguinte novamente. E no outro, e após outro.

Os encontros trouxeram o respeito. Ele para beber água e ela com seus pensamentos. O encurtamento entre ambos foi inevitável.

Ele a defendia de qualquer ameaça, inclusive, a do exercito nidoniano. 

Ela dava-lhe de comer. Não precisavam fazer o que faziam um pelo o outro. Sabiam caçar. Sabiam defender-se. Mesmo assim, o querer prevalecia.

Ele começou a segui-la até o acampamento, mas todas as vezes era repreendido. Ela sabia que o veriam como uma ameaça.

Depois de ficar sem poder sair por causa de uma forte tempestade. Victoria decidiu encontra-lo. Esperou. Esperou... E esperou ao lado do curso d'água. Mas nada. Nem um sinal. Nem um vestígio.

Acreditou que já estaria acostumada com isso, mão não. Mais uma vez o peso veio em seu coração e seus olhos molharam.

Victória não era uma menina de muitas palavras. E isso a fez calar-se ainda mais naquela tarde sobre uma pedra, olhando o vale abaixo dela.

Então, a jovem decidiu voltar ao acampamento. Quando chegou, ouviu conversas de alguns membros em volta de uma fogueira. O assunto chamou sua atenção. Escondeu-se atrás de uma árvore. A cada palavra, a cada frase... Seus olhos não conseguiram segurar as lágrimas... Escorreram sobre suas bochechas.

Correu.

Correu o mais longe que conseguiu, e isolou-se com sua raiva e tristeza.

Mas algo aconteceu...

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