Está Na Hora Da Colheita

24 0 0
                                    

Pequenos cilindros metálicos amarrados em diferentes alturas a uma plataforma de madeira sob a varanda de uma simples residência, balançavam sutilmente pela brisa da noite. Pareciam estar acompanhando alguns moradores de Erob em seus movimentos graciosos, comemorando a farta colheita que tiveram.

Mesmo com os boatos assustadores dos camponeses sobre os incidentes nos milharais, o povoado não se amedrontou em realizar a festa.

Milhos penduravam-se nas fachadas das casas e atravessavam a rua de terra batida e ligavam-se a outras casas. Algumas abóboras pareciam brigar por espaço com as espigas para ver quem se destacava mais, mas claro que era em vão, a posição de destaque estava com a soberana fogueira no meio do povoado. Faíscas subiam e dissipavam-se no ar conforme a madeira estalava no interior das chamas.

Mesas fartas de bolos, doces, tortas, espalhavam-se pela rua cercados por seus moradores que comiam, bebiam, alegravam-se.

Um garoto de pele morena, cabelos curtos, negros, jaqueta, um tecido simples, short acinzentado e botas marrons, contava de modo decrescente, ocultando sua face num tronco que sustentava a entrada do simples restaurante, o único da cidade. As outras crianças corriam dispersas procurando lugares para esconderem-se. Gargalhadas inocentes escutavam-se sob as vozes e músicas de fundo.

Uma das crianças escondeu-se num estreito corredor entre duas casas, bem afastado da luz que a fogueira emitia. Sua respiração estava ofegante, mas alegre.

"Não vai me encontrar aqui. " – disse o menino de cabelos lisos, mediano, pele clara, tecido envolvido ao pescoço, camisa leve até os punhos, calça marrom e botas de mesma cor calçadas até o meio das canelas.

Seus olhos prestavam atenção a tudo, escondiam-se e voltavam conforme o procurador movimentava-se sobre a rua.

Uma galinha cacarejou batendo suas asas desesperadamente saindo do estreito corredor.

"Não..." – disse a criança em sussurros. "Tomara que ele não tenha percebido. " – verificando com o olho esquerdo. "Oh, não! Ele está vindo. " – ficando de costas para a casa. "Será que me viu? " – Questionou consigo mesmo.

Posicionou o corpo levemente inclinado a rua para correr caso fosse descoberto. Mas num súbito, uma luz emergiu iluminando o local e alargando seu corpo sobre a rua através da sombra que ela emitia. Rapidamente olhou para trás. Seus olhos depararam-se com a figura de um homem, no qual,  um saco envolvia-se ao rosto com apenas o olho direito exposto, chapéu, roupas rasgadas, galhos que pareciam sair de todo o seu corpo, uma pequena foice na mão direita e um cajado com lampião na mão esquerda.

"Está na hora da colheita. " – disse o homem com a voz abafada pelo saco.

A criança girou seu corpo ao final daquela frase. Seus pés deslizaram sobre a terra e seus dedos rasgaram o chão numa clara demonstração de desespero, mas em vão.

"Pode correr, mas não pode esconder-se, Lico. " – disse o menino exclamando com as duas mãos em volta da boca, ecoando ainda mais o som de sua voz.

Procurou atrás de alguns barris, abaixo das mesas, mas nada.

"Ele é bom. " – comentou.

As outras crianças aguardavam entorno da fogueira, sentadas sobre troncos precisamente cortados, com bolos e copos de alumino em mãos.

Um feixe de luz ao final da sexta casa, do lado esquerdo, chamou atenção da criança que procurava.

"Ah, te achei. " – disse o garoto correndo em direção a luz. "Lico, achei..." – mas foi imediatamente interrompido pela imagem do amigo ao chão e um espantalho atrás dele.

"Está na hora da colheita. " – disse mais uma vez o espantalho erguendo sua foice.

As crianças que ainda estavam sendo iluminadas e aquecidas pela fogueira viram o amigo saindo correndo de trás da casa...

"Ah, que droga. Só porque eu peguei mais um pedaço de bolo. " – disse decepcionado um dos garotos de estrutura mais franzina.

Mas presenciaram ele sendo puxado por uma foice ligada a uma corda. Uma das meninas de cabelos amarrados em rabo de cavalo não escondeu seus gritos apontando o final da rua. Os olhos dos adultos direcionaram para a sinalização.

Alguns dos jovens que estavam na festa reconheceram aquele ser.

"O Sr.Dillon." – disse um moreno em sussurro olhando para os outros que estavam ao seu redor.

"Mas como? " – questionou uma garota com as palavras tremulas.

O espantalho levantou a cabeça sob o chapéu...

"Está na hora da colheita! " – disse aos gritos enquanto que corvos saiam voando dos rasgos da roupa em seu corpo.

Todos começaram a correr, mas a nuvem de corvos espalhou-se rapidamente sobre todo o lugar, dificultando as pessoas a se orientarem na busca por proteção.

O espantalho caminhava entre elas, puxando-as com sua foice.

"Há! Há! Há. " – gargalhando.

Uma mulher conseguiu desviar-se da nuvem negra pegando duas crianças, entrando  numa das casas e fechando a porta. Um homem apareceu em uma das janelas quadradas batendo desesperadamente para entrar, mas sem sucesso. A mulher permaneceu imóvel com as crianças envolvidas em seus braços, próximas ao chão. Não demorou muito, seus olhos presenciaram o homem sendo puxado e saindo da frente da janela. A mulher abraçou as crianças ainda mais.

Os corvos continuavam circulando o espantalho, não deixando as pessoas correrem.

"Está na hora da colheita. " – exclamou mais uma vez, puxando um daqueles que o reconhecera tentando esconder-se num bar próximo.

A nuvem de corvos grasnava abafando os gritos desesperados das pessoas enquanto que o espantalho caminhava entre elas fazendo-as suas vítimas. Mas pouco tempo depois o silêncio fez-se presente. Não havia mais os corvos, nem os gritos das pessoas. 

Olhando por sobre o ombro direito, o espantalho direcionou-se para a escuridão ao final da rua.

As faíscas da fogueira continuaram dissipando-se sob a noite. Já  o sino dos ventos, com suas sonoridades orquestrado pela leve brisa, tentava, à sua maneira, abafar o dolorido silêncio que espalhou-se por todo aquele local.

The GuardiansOnde histórias criam vida. Descubra agora