O Farol

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O tempo dedicado ao mar deu lugar aos cuidados do farol de Sanin, ao norte da cidade portuária, fincado ao lado de uma pequena casinha de madeira no alto da colina.

Rick assumiu o posto, no lugar do antigo faroleiro, o senhor Bars, no qual, sua idade avançada já não proporcionava dedicar-se a antiga torre.

Uma tarefa relativamente tranquila, mas muito solitária. Mas isso não o afetou. Pra quem já passou dias, meses no mar enfrentando os mais diversos perigos, acender e apagar a luz, era relativamente fácil, bem fácil.

Entretanto, tal aceitação não veio pela sua simplicidade, mas sim, o medo. Não bastava ser corajoso para além do horizonte, tinha que saber a hora de parar.

Os boatos de barcos indo e não voltando. E quando voltavam ao porto, seus tripulantes não eram mais os mesmos. Eram estranhos. Possuídos. Isso mexeu com ele.

Rick parou, mesmo com todos os seus companheiros pescadores chamando-o de covarde.

O ex-pescador e agora faroleiro, despertou-se assustado depois que galhos bateram em sua janela. Levantou-se rapidamente. A chuva lavava o vidro. Era uma tempestade, e das grandes. Mas isso não era o pior. O farol estava apagado. Bars tinha comentado sobre a fragilidade da torre, mas desde que Rick começara a trabalhar nela, não tinha passado ainda por essa situação. De alguma maneira a tempestade o apagou. Rick tornara-se o olhar da torre, conduzindo os navegantes sob as noites densas e as tempestades infindáveis.

Vestiu-se rapidamente com uma capa e saiu.

O farou ficava ao lado da casa, mesmo assim, tinha que fazer uma caminhada para chegar lá.

Rick colocou sua mão esquerda à frente do rosto numa clara tentativa de barrar a força gélida do vento contra sua face, e caminhou a passos firmes sobre a trilha coberta de lama, em direção a torre. Porém, quando chegou na metade do caminho, um pensamento surgiu em sua mente: moeda. Situações como aquela de tempestades, mares revoltos, uma moeda era lançada ao mar para proteção, mas tamanho foi seu desespero por ver o farol apagado que nem lembrou-se deste item extremamente importante.

Voltar, pegar uma moeda, lançar ao mar e torcer para que ela acalme a tempestade, ou seguir em frente, consertar o farol e fazer nascer a luz sobre aqueles que submergiram a escuridão? Assim como lá fora, os pensamentos agitavam-se na sua cabeça.

Rick movimentou seus pés sobre o barro com sua decisão tomada. Abriu a porta de madeira e entrou. Levantou seu lampião com a mão direita. A escada em espiral levava as plataformas superiores do interior do farol. Subiu.

Os degraus rangeram. As paredes umedeceram-se pela forte chuva. Os raios adentravam aquele lugar pelas poucas janelas, iluminando-o rapidamente, e desaparecendo da mesma maneira, abalando toda estrutura.

Caixas aos cantos, pedaços de madeira em outros.

Tudo estava consumindo-se lentamente, mas lá no fundo, bem lá no fundo, demonstrava sua resistência.

Quando colocou seus pés sobre a terceira plataforma, um andar abaixo de onde a luz ficava, foi chamado pelo nome.

"Rick"

"Quem está aí? " – questionou quando virou-se e levantou seu lampião.

"Rick" – chamou-o de novo.

"Senhor Bars, é você? " – perguntou o faroleiro.

Rick subiu alguns degraus, mas antes de chegar a plataforma da luz, foi puxado para trás por seus pés. Rolou pela escada. O lampião quebrou-se espalhando o fogo em seu entorno. A dor preencheu seu corpo. Tentou levantar, mas em vão. Um raio rasgou as nuvens. Seu feixe de luz invadiu a torre e mostrou uma silhueta curvada na parede oposta a ele.

"Quem é você? " – tentou levantar mais uma vez

O farol abalou-se novamente. A poeira caio do teto. As chamas consumiam o madeiramento atrás dele.

"Quem eu sou? " – disse a voz.

"O que quer de mim? " – questionou outra vez Rick, arrastando.

"O que eu quero? " – perguntou a voz. "Você sabe quem sou e o que eu quero"

Rick tento visualizar alguma coisa, mas tinha batido muito forte com a cabeça.

"Quero que se lembre" – a voz ecoou sobre o barulho dos estalos das madeiras consumidas pelas chamas e sobre o ecoar da tempestade.

Rick movimentou mais uma vez seus cotovelos sobre o piso numa tentativa de fugir do fogo, mas foi pego e erguido facilmente pelo pescoço por uma enorme pinça no lugar onde era pra ser o braço. Seu corpo debatia-se. Suas mãos forçavam para livra-lo daquilo que o oprimia, mas sem sucesso.

Um pilar caiu ao fundo e outro que estava ao lado deste.

Rick foi trazido a frente.

Seus olhos semicerrados descortinaram cabelos negros, encharcados que escorriam de uma face pálida, desprovida de qualquer sinal de vida. Fileiras de dentes extremamente afiados exaltavam-se do maxilar inferior cobrindo parte daquele rosto. Por fim, um polvo prendia-se aquele corpo humanoide pelo ombro esquerdo, no qual, Rick ainda conseguiu visualizar o que parecia ser uma lança formada por partes óssea segurada ao final do braço.

Mesmo com toda sua dificuldade de respirar, um nome foi pronunciado por Rick.

"Kahur" – disse em sussurro.

"Sabia que iria lembrar"

Rick desmoronou-se ao chão. Seus olhos fracos continuaram direcionados para a imagem de Kahur, que afastou-se lentamente de costas para ele, desaparecendo dentro da parede do farol.

Pilares consumidos pelo fogo caíram sobre Rick, e bem onde Kahur sumira, algo brilhava pela luminosidade fornecida pelo fogo.

Era uma moeda.

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