Novo Lar

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Mais um dia de aula, mas um dia cansativo. A escola era cansativa. Os alunos eram irritantes. O mundo era desgastante. Isso não saía da cabeça de Neshi, mas ainda bem que seus pais entendiam, entendia que eles eram diferentes. Ele era diferente. Mudanças, outra mudança. Outra cidade, outra escola, outras pessoas. Tudo de novo, tudo recomeçando de novo.

Neshi acordara. Tomara o café, pão e algumas bolachas. Pegara suas coisas e partira novamente para mais um dia na escola. 

"Vai ficar tudo bem" -  disse sua mãe.

Neshi nascera e foi criado em um vilarejo no campo, ajudara seus pais na roça e nos afazeres de casa, família muito simples. Mas, seus dias eram limitados em cada uma de suas moradias. Eles tentavam se enquadrar, mas não conseguiam deixar em oculto sua verdadeira natureza, por isso que mudanças faziam parte da vida deles. Ninguém gosta de diferentes.

Por ser uma cidade pequena, as noticias corriam rápido demais e o assunto dos novos moradores estavam na boca do povo.

Manuseando suas mãos, fez uma pequena esfera de ar abaixo dos seus pés e assim dirigiu-se para a escola.

O ambiente escolar não o favorecia. Na escola, ele estava na boca dos alunos.

Ele queria colocar uma barreira em cada olhar de julgamento. Sussurros, apontamento de dedos, tudo isso era desgastante para ele, mas sabia que tinha que suportar.

Passou pelo corredor. Entrou na sala. Ultima carteira. A forma como se vestia era singular: Chapéu de bambu em um formato circular, uma blusa fina de manga comprida, clara. Acompanhada de um colete leve, escuro. Calça comprida e um par de botas cobrindo toda a canela. Olhares fulminantes o atravessaram, mas ele continuou na dele, quieto. Todo dia era a mesma coisa.

Seu modo de se socializar era muito restrito, seu mundo era particular, pois sabia que ele não era igual aos outros. Não era fácil se esconder mesmo estando presente, era uma guerra diária.

"Vai ficar tudo bem." - disse ele em sussurro.

O Intervalo chamou todos para fora. O pátio estava cheio de gente, cada qual com seu grupo. Suas leis, suas regras, seus costumes. No meio das rodinhas ele sabia que era o destaque, os olhos não negavam. Ele queria sair dali, daquela escola, daquele lugar.

Procurou ficar mais invisível aos olhares alheios, deslizou seus passos para o outro lado do pátio, mas foi surpreendido por um grupo de garotos que o esbarraram, fazendo-o cair.

"Olha por onde anda, animal." - gesticulando com as mãos. "Vai, volta pro seus pais no meio do mato. Aberração."

Foi um alvoroço. Todos riram da cara dele. Aquele que não queria ser notado, agora estava exposto, exposto às mais variadas sentenças. O pátio virou um tribunal e o réu estava no meio dele.

"Você não devia ter feito isso.' - sussurrou Neshi.

Ajoelhado e de cabeça baixa, o jovem fechara seu punho sobre o chão e algo começou a acontecer. Pilares, paredes, toda a estrutura da escola começou a estremecer. Em sua volta folhas, poeiras começaram a circular rapidamente e a se expandir, fechando o grupo de garotos junto a ele no meio do circulo. Todos começaram a entrar em pânico. O medo já estava instalado.

Neshi começou a se levantar lentamente e ir em direção aquele grupo. A barreira que os circulava começara a ganhar uma coloração avermelhada. Um grandioso funil de fogo formara no meio do pátio. Chegando de encontro aos meninos, movimentou seus dedos prendendo-os um a um em rochas até o pescoço. Olhou fixamente para aquele que o zombara. 

"Nunca mais zombe de mim e da minha família." - ordenou ele.

O garoto de cabelos castanhos, pele clara, olhos negros. Não conseguia esconder o pavor que reluzia em sua face.

O jovem mago deixara as costas para eles. Os Tremores sessaram-se. O funil de fogo tinha se apagado. O pátio não era mais o mesmo. A escola não era mais a mesma, parte dela estava ao chão. Pessoas feridas. O silêncio ecoara naquele local, era o sinal. O intervalo tinha acabado.

~~

Por não terem recursos financeiros muito altos, a classe inferior do barco seria sua nova estalagem por aqueles dias em alto mar.

Acomodações bem precárias, mas era o que podiam pagar. Mesmo fugindo, os olhares sempre os perseguiam.

Neshi em uma das pequenas camas sentara de modo fetal, seus pais ainda dormiam. Manuseando o ar, a terra, o fogo e a água numa das mãos, questionara seu destino, sua vida, seus poderes.

Passos sobre o piso de madeira envelhecida fizera o garoto despertar. Algumas camas já estavam vazias. Seus pais acabavam de arrumar as poucas coisas que tinham.

"Vamos, chegamos" - disse seu pai.

Neshi levantou da cama e os acompanhou para fora.

O barco atracara. Pessoas saindo, pessoas entrando. Mercadorias saindo, mercadorias entrando. O porto era movimentado, pedras brancas o cercavam.

"Sinto que estamos em casa" - disse sua mãe colocando a mão em seu ombro.

O jovem olhou em volta e mais uma vez os ciclos de recomeços se iniciariam novamente. Seus pais foram à frente sobre a ponte, mas Neshi decidiu ficar um pouco mais. Decidiu ficar um pouco mais em seus pensamentos.

"Não é tão ruim assim" - disse um jovem garoto um pouco mais alto que ele, com um pano amarrado sobre a cabeça. Longos cabelos negros, olhos castanho-escuro. Camisa, sobretudo grosso por cima. Calça marrom clara e botas escuras e por fim um longo machado duplo em suas costas.

Neshi despertou dos seus pensamentos e olhou para ele, nem percebera sua aproximação. Aquele garoto estendeu a mão, deixando-o surpreso.

"Azlink" - disse o menino.

Ainda meio sem entender, Neshi o cumprimentou.

"Bem vindo a Dunsan." - disse educadamente ao jovem recém-chegado.

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