Faísca

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A pequena, mas aconchegante cabana ao sul de Mar-verde, no emaranhado das árvores, estava à espera de mais um membro por sobre seu madeiramento. Tarus de curtos cabelos e barba por fazer e Namey de avental e cabelos amarrados não seriam mais dois, mas três. Um minúsculo coraçãozinho batia entre eles.

Namey não se cansava de sorrir todas as vezes que acariciava sua barriga por sobre o banco de balanço na varanda, deitada em sua cama ou diante a lareira, claro que sempre aos olhos do pai-coruja, que não desgrudava os lábios do bebê que sua esposa carregava no ventre.

Foram momentos difíceis para os dois. Sonhavam em ser pai, ser mãe, ser uma família. Tentativas, várias tentativas frustradas vieram sobre eles em querer ter uma criança. Eles estavam cansados, não sabiam mais o que fazer, mas isso não os abalava, apesar do peso da tristeza, isso só os fortalecia em não desistir.

Ah, mas aquela tentativa tinha algo a mais, parecia que eles sabiam, sabiam que seria diferente, estavam sentindo isso. Ela estava segurando o bebê em seu ventre, não estava mais indo embora, ele estava durando, permanecendo.

Nove meses tinham se passado. A espera tinha chegado ao fim. Sim, ao fim, assim como a própria palavra autoexplicativa: "fim". O fim de uma peça que parecia inquebrável, o fim de um casal.

Uma menininha de pele clara, cabelos negros como os do pai, olhos castanhos como os da mãe, mas com uma marca de nascença sobre a face, vermelha, que escorria no pescoço, espalhava-se pelos braços e concentrava-se no meio das costas.

Tarus ao ver a criança, seus olhos não acreditaram. Seu coração ansiava em ser pai, em cuidar, em amar, mas "aquilo" não era o que ele estava esperando. Ele deixou de ser o mesmo: o pai atencioso, o pai presente. Passou a ser frio, ausente.

Namey, uma mulher casada, passou a viver como mãe solteira, apesar de compartilhar o mesmo teto com Tarus. Seu amor era todo dedicado a filha, Keyla. Ela mesma escolhera o nome.

Mãe e filha passavam grande parte do tempo juntas. Namey sentada diante a lareira com seu livro, como de costume e Keyla com seu vestido sobre o tapete da sala no meio de papeis e lápis, colorindo, rabiscando pássaros, seus animais preferidos.

O movimento das chamas e os tons de laranja sobre o pássaro que desenhara, chamara sua atenção. A silhueta do seu corpo na parede fizera seus olhos ficarem grudados. Rapidamente Keyla olhou para suas mãos e juntou-as movimentando seus dedos. Seu pássaro voava, não estava mais preso ao papel, estava livre.

"Está voando, mamãe! " - correndo em círculos e mexendo os dedos. "Está voando! "

"O que? " - indagou sua mãe.

"Meu pássaro, mamãe! Meu pássaro de fogo! " - correndo. "Olha!"

"Sim, filha. " - disse sua mãe sorrindo olhando o movimento das mãos e a alegria daqueles olhos.

"Mais alto! Mais alto! " - sorrindo.

"Cuidado para o pássaro não ficar tonto. "

"Mais alto! Mais alto! " - dando duas voltas e caindo no colo da mãe.

"Ei! " - disse sua mãe assustando-se, mas pegando-a. "Eu avisei. "

Keyla sorriu.

"Ele está aprendendo ainda. " - comentou a menina.

As duas olharam-se e sorriram.

"Acho que está na hora do pássaro ir para cama. "

"Ah, mãe... Só mais um pouco. " - olhando nos olhos dela.

"Keyla..."

"Está bem..." - deixando o colo.

Um guarda-roupa de duas folhas, a madeira, uma cama, uma mesinha de canto e uma janela quadrada. Tudo muito simples, mas acolhedor.

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