Queda Livre

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O branco era infinito sobre as terras de Hurander. Denian saiu de trás das folhagens lentamente para não fazer alarde e perde o animal que estava perseguindo. O filhote escapara do restante do rebanho fazia longas horas.

Uter depois de presenciar os feitos e as novas habilidades do filho, o mandou atrás do fujão e traze-lo de volta. Os três dias que passou aos cuidados do filho depois do último incidente, firmaram ainda mais seus laços, e claro, trouxeram-lhe melhoras.

Depois de beber uma caneca de chá quente para rebater a friagem, bateu a porta atrás de si e foi consertar a cerca que o pequeno fujão tinha quebrado no alto do morro. Mesmo pequeno, mostrava-se sua teimosia.

A neve caia em flocos sobre os pelos dos seus ombros e grudava em sua espessa barba.

O sol mostrava que era de dia, mas as densas nuvens cobriam tudo, pincelando de cinza todo o lugar.

Denian desceu o terreno íngreme com cuidado, desviando dos pinheiros esbranquiçados. Alguns metros de corda balançavam em sua cintura.

Minutos passaram-se por entre as árvores, e lá estava o objetivo. Seus dentes roçavam algumas poucas gramas ao lado de paredes rochosas envolvidas a troncos e folhagens. Seu corpo ainda pequeno não escondia o peito largo, pescoço curto, mas grosso. Os quatro chifres no alto de sua cabeça; dois para frente e dois curvados para baixo, ainda pequenos, já demonstravam o quão forte e poderoso seria esse animal.

Denian aproximou-se tranquilamente para não assusta-lo. Colocou sua mão esquerda a frente, num sinal de paz. O filhote levantou a cabeça. Olhou para ele, mas logo voltou a comer.

Mesmo naquela pouca idade já tinha uma pelagem bem espessa. O filhote ergueu o pescoço novamente. Seus olhos foram na direção do jovem mais uma vez. Movimentou a cabeça tentando entender.

Denian aproximou-se ainda mais. Sua mão quase a tocar o animal.

Mas uma revoada de pássaros ecoou sobre os pinheiros atrás de si aos gritos. As orelhas do filhote levantaram e seus cascos saíram em disparada. Denian tentou usar a corda, mas a frustação vestiu seu semblante, no entanto, logo foi ao chão quando mudou seus calcanhares de direção: na direção de onde os pássaros saíram. Na direção de sua casa.

Rapidamente, Denian retornou. Passou inúmeras vezes as mãos diante do rosto para abrir passagem. Pulou vários troncos caídos e rochedos no caminho. Sua respiração saia de sua boca e misturava-se com o ar cinza-pálido do ambiente.

Parou.

Seus olhos mostraram-lhe suas criações sendo levadas por homens  vestidos de couro e adornados de ossos em seus corpos. Apesar de ser uma vestimenta comum naquela região, aquele povo não era dali, era do Norte. Bem mais ao norte.

Seu pai estava preso ao lado de um desses homens.

Denian esboçou fazer uma reação com o seu arco, mas foi contido por um homem daquele grupo que o pegara de surpresa. Ele debateu-se, mas em vão. O braço do seu opressor era forte.

"Denian, não! " – gritou o pai ao ver o filho sendo trazido.

Por causa da deficiência de Denian na fala, ele soltava apenas alguns grunhidos. Somente os gestos e o assoviar eram suas formas de comunicar-se.

"Por favor, meu filho não..."

"Cala a boca! " – disse aquele que parecia estar à frente do grupo.

Atenção pairava no ar. Os animais debatiam-se uns nos outros, numa clara tentativa de livrar-se daquela estrutura de madeira e ferro.

"Vamos! Andem logo com isso! "

Mugidos ecoavam. A estrutura da carga balançava.

Denian olhava para os lados.

A estrutura não parava de chacoalhar.

Uter olhou para o filho que estava do outro lado do terreno.

A carga balançou mais uma vez, até que rompeu-se. O estouro dos animais foi inevitável.

Denian aproveitou da situação e conseguiu livrar-se do seu opressor. Uter mediu forças contra aquele que o prendia.

Os animais espalharam-se por todos os lados.

A confusão instalou-se.

Denian armou seu arco, mas foi impossibilitado de atirar para socorrer seu pai, pois os animais dificultaram sua visão.

Uter atacava, mas seu adversário defendia. Ele rebaixava-se e Uter esquivava-se logo em seguida.

O chão estremecia com as pisadas bruscas dos animais por sobre aquele lugar. Um terreno limitado, pois sua borda dava para uma longa queda até uma correnteza.

O espaço entre Uter e seu agressor foi acabando... Acabando... Acabando... Até que acabou.

Denian viu os dois caírem.

Rapidamente saiu em disparada por entre os animais. Faltando uns três passos para chegar no limite do penhasco, abriu os braços e pulou. Seu corpo despencou-se rapidamente. Juntou seus braços a frente e abriu-os novamente. Num piscar de olhos não era mais humano, mas sim, uma enorme coruja. Uma coruja branca como a neve. Bico negro como a noite e olhos dourados como o ouro.

Com as asas encolhidas, a queda ficou mais rápida.

O agressor não existia mais.

Denian cortava o ar gélido com seu mergulho. A imagem de Uter, seu pai, refletia nos seus olhos dourados.

Denian deixou ainda mais suas asas coladas em seu corpo para ganhar velocidade.

O pico dos pinheiros aproximava-se. O barulho das corredeiras já soava em seus ouvidos.

Uter a poucos metros do fim e Denian a poucos metros do pai.

Próximos e ao mesmo tempo tão distantes.

Caindo...

Caindo...

Caindo...

Mas Denian não caia, era como uma flecha.

Um único alvo: o pai.

Um único objetivo: salva-lo.

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