Reflexo Quebrado

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Os trincos ziguezagueavam toda a extensão do espelho. A imagem como um quebra-cabeça mostrava-se dispersa uma das outras. Os olhos vermelhos pelo choro exaltavam a pulsação das minúsculas veias. A respiração acelerada, ofegante, dissolvia toda a adrenalina pelo corpo. Os pulmões buscavam um ar puro, um ar tranquilo, um ar que amansasse o coração.

A torneira aberta escorria uma água de coloração amarronzada que se misturava com a vermelhidão do pano sobre a pia.

Xot passou as mãos sobre os olhos numa tentativa de parar as lagrimas, mas nada. Simulou tirar a mascara á procura do verdadeiro ar, mas ao cumprir tal ato, seus pulmões foram obstruídos de fazer a mais simples das funções: respirar. Rapidamente ela retornou o pouco que tirou da mascara ao seu lugar. Seus olhos molharam novamente, misturando ao marrom da água e ao vermelho do sangue, dissolvendo-se no interior do ralo, fazendo seus pensamentos transbordar sobre as cenas que vivera: O cilindro, o doutor... Os soldados que a confrontaram no corredor...

Um sorriso, sim. Um sorriso floresceu em seu olhar, pois se lembrara de que foi naquele instante que ela matara os soldados com suas próprias armas tóxicas, colocando-os amarrados no interior do laboratório com granadas de gás presas em suas bocas e trancando o local, ficando assim com suas armas após perder aquelas que ela tinha pegado.

Era uma casa abandonada ao final da rua na cidade de baixo de Nidon. Seus cômodos eram grandes, velhos. Desgastados pelo tempo. O teto de madeira envelhecida lutava todos os dias para não desabar.

Xot foi então até o final do corredor a uma porta entreaberta. Colocou-se para dentro do recinto. Uma cama e um guarda-roupa, ou partes de um guarda-roupa no local. As paredes desgastadas eram a melhor das decorações. Apenas as telhas cobriam este lugar.

Ao dar alguns passos para perto da cama, um som ecoou, chamando a sua atenção. Apoiando-se, seus olhos não acreditavam no que estavam vendo por baixo daquelas ferragens.

Olhos fundos, pele suja, medo. Nada disso estava estranho. Tudo isso era familiar. Parecia que tudo tinha paralisado naquele instante. A menininha sob a cama encolheu-se de modo fetal, abraçando ainda mais seu ursinho. Aquela cena apertou o coração de Xot. Não sabia como reagir, estava estranha. Ela queria estender a mão para a pequena, mas não conseguia.

"Por que não consigo?" – disse Xot em pensamentos.

Os músculos do seu corpo estavam duros, enrijecidos, menos o seu coração, que dissolvia em seu olhar por não conseguir tirar o medo que cobria o seu corpo, por fazer aquela que estava em sua frente sentir medo também.

"Ah? O que está acontecendo, mexa-se!" – disse Xot consigo mesma em pensamentos.

A menina ao vê-la chorando, arrastou seu pobre vestido e foi ter com ela. Xot recuou-se ficando de joelhos ao lado da cama. A garota saiu ficando diante dela com seu ursinho envolvido aos seus braços.

A pequena distancia que as separavam foi unida pelos braços da criança que se paralisaram no ar com o ursinho estendido.

"Tedd enxuga lágrimas." – disse a menina segurando seu ursinho.

As lágrimas de Xot envolveram-se ao sorriso que vinha do seu olhar.

"Sim... Sim... Claro que sim, minha criança." – disse Xot em meio ao choro e ao sorriso, passando uma de suas mãos sobre os cabelos da pequena.

"Por que está chorando?" – disse a menina sentando-se.

"Lembranças..." – disse Xot cruzando as pernas sobre o chão.

"Que lembranças?" – perguntou a menina curiosa.

"Uma menina..." – respondeu Xot olhando para a janela.

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