A Maior Riqueza I

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As tendas espalhavam-se por sobre as ruas de areia. Tendas largas, outras estreitas. O infinito azul tinha sua parcela coberta, assim como a imensa estrela radiante que pairava sobre aquela região.

Passos acelerados, vozes... Tudo misturava-se naquele comercio. Animais de quatro patas, aves, misturavam-se entre as pessoas sendo anunciados. Tecidos das mais variadas cores, vasos de vários tamanhos, formas, eram comercializados.

A mão esquerda tocou a alta estrutura, a outra estava ocupada segurando a taça que logo levou a boca. Da sacada, o rei passeou com seus olhos por sobre o reino. Caminhou lentamente com o seu olhar. Viu de tudo, até o que não era para ser visto. Mas seus olhos encontraram.

No meio de toda aquela confusão, quase que imperceptível... Uma joia rara. Uma riqueza inestimável foi encontrada pelos olhos do rei.

O vinho, uma bebida fina, não tinha mais tanta importância assim.

Grande era sua riqueza. Mas aquela riqueza não se igualava.

"Chamem o General Jack" - ordenou.

Em poucos minutos, Jack estabeleceu-se do seu lado.

"Sabe algo sobre aquela peça rara? " - questionou o rei.

"Sim, senhor" - respondeu o general com seus olhos sobre o mar de gente.

"Fale-me" - pediu o rei.

Então, Jack falou tudo o que o rei queria saber.

"Tal riqueza não pode ficar assim... Solta" - comentou. "Deve ser protegida" - continuou. Seus olhos não piscavam. "Já sabe o que fazer"

"Sim, senhor" - respondeu o General e saiu.

O rei descansou suas mãos sobre a sacada e sorriu.

~~

A casa era simples. Poucos cômodos, mas tudo muito bem organizado, limpo.

Jack, juntamente com alguns soldados, apresentou-se aos moradores da casa. Um sentimento de apreensão pairou no ar, mas o General tranquilizou as coisas. Jack falou sobre a proposta do rei, os perigos do deserto... Porém, isso já era conhecido pelo senhor da casa. Mas o General insistiu. Teve um princípio de recusa, mas Jack continuou firme em sua posição; as ordens do rei tinham que ser cumpridas.

Assim se fez.

Jack colocou-se perante o rei e falou do que ele tinha ordenado. O rei então movimentou sua mão esquerda e os portões abriram-se. Passos lentos e olhares tímidos dirigiram-se em linha reta, até ficarem diante o soberano de Ahnatnom. O rei levantou-se do trono, desceu alguns degraus e ficou perante as duas pessoas.

O ato de prostrar-se para o rei foi rapidamente interrompido.

"Não" - disse o rei com sua mão a frente. "Seria um pecado" - continuou em sua fala.

O simples mercador ficou sem entender.

O rei, então, gentilmente estendeu a mão esquerda e segurou delicadamente os envergonhados dedos da jovem em sua frente.

A tonalidade mogno da pele. A profunda escuridão dos longos cabelos, mesmo parcialmente ocultos pelo véu, eram notáveis. Aqueles olhos. Todo o deserto naquelas duas joias; como se todo o reino de Ahnatnom estivesse dentro daquele olhar.

O rei encantou-se com aquela preciosidade.

O lar simples e humilde, deu lugar a amplos salões, grandes quartos e fartos banquetes.

O senhor maravilhou-se com tudo aquilo. Tecidos reais vestiam o seu corpo já surrado pelo tempo. Ele não se via digno do que estava acontecendo com ele, mas o rei não pensava assim.

O mercador e sua filha tinham livre acesso. Tudo podiam fazer. Seus pedidos eram concedidos. Entretanto, assim como no deserto, onde as paisagens mudam, as areias andam e tudo passa... Esse tempo passou. Passou para o senhor, no qual, suas andanças pelo palácio, foram tornando-se cada vez mais curtas, até tornarem-se restritas. A comunhão com sua filha foi decaindo lentamente, assim, como sua estadia no palácio. Os recursos que ganhara, de infinitos, tornaram-se limitados. Suas roupas finas, tornaram-se gastas e a Casa-real já não existia mais. Uma antiga gruta passou a abrigar seu velho corpo.

O pouco conhecimento em armas de corte, mais a restrita habilidade em caçar, não ajudou. Sua esperança rasgava-se como as vestes do seu corpo. Pensou em parar de lutar, entregar-se ao destino. Mas aquela luz. Aquele balançar luminoso que veio até ele por um estreito corredor a direita, o fez tentar mais uma vez.

Seus olhos avistaram um jovem. Seu corpo tinha vestimentas humildes. Uma ave, grande por sinal, não para ser montada, mas era bem mais do que uma ave comum, descansava a sua esquerda. E na sua direita, três grandes lâminas, parcialmente circulares, ligadas por um único ponto, lembrando um chakram, com tonalidade de preto e vermelho, escorava-se nele. E por fim, o brilho da fogueira destacava o castanho-escuro dos seus olhos.

O senhor recuou, pois, as cores daquela arma trouxeram-lhe lembranças nada agradáveis dos comentários das pessoas que falavam sobre aquele deserto; de um lugar a nordeste dali. Poderoso e brutal para os estrangeiros.

A ave sinalizou. O senhor temeu. Tentou fugir, mas foi impedido.

"Iris, o que foi? " - questionou o estranho com uma de suas mãos sobre o grande disco de lâminas.

"Por favor... Misericórdia" - pediu o senhor. Os olhos temerosos cobriram aquele que segurava o disco de lâminas em mãos.

O jovem, então, acalmou-o. E levou o pobre homem a sentar-se juntamente com ele ao lado da fogueira. Comeu o que lhe foi oferecido.

Perguntou-lhe ao estranho por seu nome e foi lhe respondido.

"Otto"

O mercador contou sua história. Otto inclinou-se em interesse. Mas quando o senhor relatou que tiraram-lhe toda a sua riqueza, suplicou por ajuda. O jovem instantaneamente deixou de prestar atenção.

Depois daquelas palavras... Das suplicas daquele senhor... Os estalos da madeira consumida pelo fogo abafaram o silêncio que ficou aquele lugar.

Otto levantou. Colocou o grande disco de lâminas em suas costas. Estendeu seu braço e chamou por Iris, sua ave. E com extrema frieza girou em seus calcanhares. Mas ao final do terceiro passo, foi interrompido pelo mercador.

"Âmbar"- as palavras soaram tristes.

Otto parou. Inclinou a cabeça e olhou por sobre o ombro direito.

"Minha riqueza. Minha filha. Única filha" - as palavras foram inundadas pelo choro.

Aquele homem, sem nenhuma arma nas mãos. Com suas roupas todas rasgadas, conseguiu feri-lo, feri-lo profundamente. Ele sentiu o gosto amargo daquelas palavras. Colocou-se no lugar daquele senhor. Otto era filho único, e assim como a filha daquele, também tinha sido tirada dos seus pais.

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