A Bombardeira

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Nascida numa família de tradições militares, Zoe não poderia fugir de dar continuidade a esse seguimento, mas não. Ela queria viver a vida. Mas tinha os treinamentos, os estudos... No entanto, sempre fugia para pular sobre os telhados, assustar as pessoas com suas bombinhas nas patas dos cavalos que puxavam as carruagens. Isso era a vida, liberdade. Mas não. O destino chamou, chamou-a tragicamente, seu pai não voltara para casa.

O barulho das bombas explodindo, as pessoas assustadas, os pulos sobre os telhados, seu rosto sorrindo, a vida. Não tinha mais sentido. Lágrimas escorreram por longos dias. Mesmo ele não sendo tão presente, quando ficava em casa, ele ficava com ela, ficavam juntos. Ela não tinha porque querer ficar naquelas lembranças. Nada mais a prendia ali, em Tuel.

Todos os soldados tinham saído para prestar homenagens ao seu pai. Ela não fez diferente.

Deixou a cidade e seguiu para a grande capital Nidon encontrar a casa da sua tia, Kassia, a Dama de Ferro. Uma mulher de grande respeito pelo exército nidoniano. O elo mais próximo que tinha do seu pai, o General Ken'fer.

Na extremidade da capital nidoniana, Zoe passou os dedos sobre o elmo e a espada do seu pai cravados numa rocha, juntamente com outros bravos homens que dedicaram suas vidas ao reino. Ficou em silencio exatamente por um minuto no local. A Praça dos Lembrados.

"Não vai ficar assim." - disse ela.

Largas ruas, altas casas, numerosos jardins. A vaga lembrança da moradia de sua tia dificultava o encontro, mesmo assim, conseguiu encontrá-la. A tristeza foi o cartão de visita, mas a alegria envolveu as duas.

Árduo eram os treinamentos. A exigência da tia sempre lhe forçava a ser a melhor, não fazer o possível, mas o melhor. Nidon trazia isso em seu poder, em suas conquistas sobre as regiões que o cercavam.

Provas de resistência, levantamento de peso, não era o mundo dela, apesar de conhece-los muito bem. Pregar peças, pular telhados, explodir coisas fazia parte dela, fazia. Zoe não estava mais se reconhecendo. Outra Zoe estava tomando seu lugar, uma Zoe que ela lutava contra.

Num desses treinamentos, Kassia a fizera completar o circuito mais uma vez, mesmo já tendo o feito inúmeras vezes naquele dia.

"Levanta! " – ordenava Kassia com os braços cruzados.

A dor era insuportável, mesmo assim, ela completou o circuito. Os olhares da tia não eram de aprovação, mas sim, decepção. Ela não escutava a sobrinha quando falava que não queria treinar, mas lá estava a jovem no outro dia no circuito, tentando fazer alguns dos exercícios.

"Nidon não demonstra fraqueza. Vamos, levanta-se! " – ordenava a tia.

Zoe forçava-se, mas nada. Chorava. Chorava pela dor, mas também chorava por não querer ser um fardo, uma decepção para a família e principalmente para seu pai. Ela não queria seguir essa carreira, mas o reino vinha na frente. Filha de General, soldado é, pensava ela. Nidon vinha na frente, mas a dor pesava em seu corpo.

Zoe fez tudo que sua tia ordenou. Saiu-se muito bem nos treinamentos, quase que impecável em relação aos outros jovens. Com isso foi convocada para defender o Muro-sul de Nidon, a cidade de Kaphia contra o avanço dos rebeldes.

A vitória mais uma vez veio para Nidon. Suas consequências também. Tudo tem consequências. Zoe sentiu isso bem marcante em seu corpo, quando numa parte do confronto contra os rebeldes, um pedaço grande do antigo orfanato desmoronou-se sobre ela, mais precisamente em suas pernas, quebrando-as abaixo do joelhos.

Longos foram os dias sem treino. Incansáveis foram os olhares de desapontamento de Kassia.

Zoe nunca ouvira seu pai queixar-se da dor de uma luta ou recuar-se para não ferir-se pela guerra. Morrera pelo reino. Ela não podia fazer diferente. Não podia ser fraca, uma inválida. Seu pai nunca fraquejou.

Pediu a tia a presença de um ferreiro. A tia concedeu, mesmo não entendendo o pedido da sobrinha.

O ferreiro conversou com a menina retornando no outro dia abrindo um baú ao lado da cama onde estava deitada.

No campo de treino, a tia conduzia jovens soldados em seus treinamentos. Zoe apareceu. A armadura em suas pernas serviu muito bem, mas o principal estava ao final delas; discos na junção dos pés. Ela estava de pé. Os olhos da tia não eram mais de decepção, mas sim, orgulho.

"Nidon não demonstra fraqueza. " – comentou Zoe com uma arma nas costas, bombas na cintura e segurando na mão esquerda a materialização de um revolver.

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