A Verdade

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Dias passaram-se. Os boatos sobre o Espírito da Noite espalharam-se no interior da tribo. Mulheres e crianças amedrontaram-se pela possível ameaça lá fora. Os guerreiros escolhidos minuciosamente por seus comandantes mandados por sua Líder, saiam e voltavam de mãos vazias todas as noites.

Conversas entre eles diziam que a Líder tinha ficado maluca depois da aceitação de Morin na tribo. Por algum motivo, acreditavam que ele estava fazendo a cabeça dela.

Houve momentos de confronto entre os comandantes e sua superior, sobre a insistência em algo sem sentido. Mas a Líder manteve-se firme em sua posição e não deixou ser levada pelas influencias deles. Tiveram que aceitar. Tiveram que continuar caçando.

Nessas caçadas noturnas, Morin sempre via o filho saindo, algumas vezes antes dos grupos e em outras, depois que eles já tinham voltado. Ele queria uma oportunidade com o filho, um momento só deles. Desde que ele foi aceito novamente, não teve um momento assim. Empereur o via, mas fugia dele. E quando estavam perto um do outro, era sempre com mais alguém, e ainda assim, ele não demonstrava nenhum interesse.

Certo dia, Morin passava perto da ferraria da tribo. Por não ser mais aceito nas caçadas noturnas, tinha muito tempo livre para conhecer o local, que antes era conhecido. Mas agora muita coisa tinha mudado.

Morin, então, entrou depois de ser chamado pelo ferreiro que o mandou cuidar por alguns minutos do local.

"Morin, é rápido" – disse o rapaz. Ele gostava de Morin, mesmo depois de tudo. "Sabe como é essas crianças"

"Não tem problema. Vai lá" – aceitou Morin.

"Valeu. Daqui a pouco eu volto" – agradeceu o rapaz e saiu.

Morin caminhou no local que ainda permanecia o mesmo, menos por seu novo dono, o filho do seu velho amigo, depois que ficou sabendo que ele tinha falecido e o seu filho assumido o local.

Passou as mãos, agora bem melhores, por sobre algumas ferramentas.

"O menino é bom" – elogiou.

De repente, alguém entrou.

"Aí! Acho que precisa dar mais uma amolada"

Morin girou sobre seus calcanhares.

"Ah, é você que está aqui" – o jovem não expressou nenhuma reação em sua face.

"Filho" – disse Morin.

Empereur virou-se para sair.

"Não filho, por favor"

Empereur deu mais um passo em direção a saída da ferraria.

"Não vai nem olhar pra mim?"

Empereur virou-se para ele.

"Pronto. Estou olhando pra você"

Morin encarou-o por alguns segundos em silêncio.

"Foi o que eu pensei" – disse o filho.

"Não! Espere..."

"O que você quer?" – questionou Empereur.

"Eu... eu" – ele queria tanta coisa. Queria falar tanta coisa. Queria esse momento e o momento tinha chegado, mas seus pensamentos passavam muito rápido em sua mente. Não sabia por onde começar. Mas sabia de uma coisa; o importante tinha que ser dito.

"Pra mim chega" – disse o filho.

"Eu sei" – falou.

"Sabe o que?"

"Eu vi"

"Viu o que?"

"Você" - afirmou o pai.

"O que tem eu?" – questionou.

"As suas saídas escondidas. Eu sei de tudo filho"

"Saídas? Que saídas? Do que é que você está falando?"

Morin olhou para ele sem esboçar nenhuma reação. Ficou ali. Parado. Encarando.

"Não vou perder mais tempo" – virou-se.

"A máscara" – falou Morin. "A Máscara-de-Lobo" – ele tinha descoberto tudo sobre o filho. O segredo que ele estava escondendo. Por isso que a tribo tinha se fortalecido. Por isso que as caçadas eram bem-sucedida por parte dele. Mas havia perigo nisso. Temor. E Morin temia pelo filho. "Acho que isso está mudando você. Nem me reconheceu"

Empereur parou na entrada da ferraria de costas para o pai.

"Você me atacou primeiro"

Morin silenciou-se por alguns segundos, mas logo continuou.

"Eu só queria proteger..."

"Proteger? – avançou sobre o pai e o empurrou-o até uma coluna de madeira, segurando-o. "A mãe precisava de proteção! Eu precisava de proteção! E onde você estava!? Onde você estava!?"

"Filho..." – tentou falar Morin.

"Eu que tive que estar lá por ela. Eu... eu estava com medo. Não sabia o que fazer" – lágrimas escorreram dos seus olhos. "Mas isso daqui..." – mostrou a máscara. "Isso me ajudou a protege-la. A proteger a todos nós"

"Filho..." – Morin empurrou Empereur. "Esse poder..." – mostrou as mãos. "Quando descobri o que ele podia fazer, também fiquei com medo. Só queria deixar vocês seguros" – seu tom de voz estava alterado.

"Não existe deixar alguém seguro ficando longe. Se quisesse realmente nos proteger, deixar seguro, você ficaria perto"

"Eu..."

"Agora não importa mais. Eu protejo todo mundo"

"Empereur, essa coisa é maior do que todos nós. Vamos vence-la... juntos" – mostrou a mesa e um martelo ao lado.

"Você acha que sou fraco"

"Eu só não quero perder você... de novo" – aproximou-se dele.

"Acho que já é tarde para isso" – ele virou as costas para o pai e deixou a ferraria.

"Empereur, espere! Empereur!" – chamou mais alto. "Filho..." – chamou mais uma vez, mas ele já estava longe.

Segundos depois, o filho do seu antigo amigo retornou.

"Obrigado, Morin" – agradeceu. "Veio alguma criança aqui?"

"Sim" – respondeu Morin ainda com os olhos para fora.

"E você falou que aqui não pode, né? Elas não gostam quando a gente fala isso para elas. Mas fazer o que, né?"

"Na verdade... eu queria que ela ficasse"

O jovem deu uma risada.

"Isso daqui iria ficar de cabeça para baixo" – mexeu em algumas ferramentas.

"Mas ela foi embora" – Morin suspirou.

"Melhor assim, né? Elas não têm noção do que é isso"

"É. Não tem nenhuma noção." – afirmou Morin ainda olhando para fora da ferraria.

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