Os animais obedeciam ao som de sua voz sobre os campos. Apesar de ser uma região deserta, Ahnatnom tinha algumas pastagens. Uma grama rasteira e poucos arbustos, não totalmente verdes, mas servia para alimento.
Um chamado a alguns metros direcionou atenção do garoto. Hukram obedeceu de imediato e levou os animais de volta.
Por sobre a pequena mesa de madeira; leite, carne e pães. Todos levaram o alimento a boca com alegria. A casa era alegre. Uma família unida.
Sim, uma família. Mas nem sempre foi assim.
O deserto exige sobrevivência, por isso Hukram furtava para sobreviver. Uma família aqui, outra ali. Saia com um sorriso no rosto, mas deixava lágrimas nos olhos dos outros. Não era a lei do mais forte que regia aquelas regiões, até porque, Hukram com seus braços longos nem tinha tanta força assim, mas era a flexibilidade de adaptar-se.
Porém, num dos vários furtos. Sua maneira de agir não deu muito certo e acabou sendo pego. Bateram-lhe tanto que até um dos seus olhos ficou impossibilitado de ver a luz novamente. Conseguiu fugir, mas os hematomas em seu corpo não o levaram para muito longe.
Um simples casal o encontrou largado no chão, próximo a entrada do vilarejo de Bassi, quase que engolido pelo deserto. Levaram-no para dentro de casa. Cuidaram dele. Sararam suas feridas e ensinaram tudo sobre os campos, animais e tecelagem.
Hukram melhorou em algumas semanas. Vestia um capuz que ocultava seu olho esquerdo que descia até seu peito, cobrindo também o braço direito. Uma calça bufante até os joelhos e para os pés sandálias, nas quais, amarravam-se na altura dos tornozelos.
Tudo estava em suas mãos; os animais, os tecidos, a casa. Tudo fácil. Nem precisou vagar pela noite, pular muros ou invadir alguma janela. Tudo lhe foi entregue. A confiança foi entregue a ele. Mas naquele momento, Hukram viu-se fraco. Não tinha mais forças para fazer o que sempre fazia, não mais. Não podia molhar os olhos daquele homem e nem de sua mulher que o fizeram sorrir.
Dias passaram-se e bateram-lhe na porta. Os pais atenderam. Homens de armaduras douradas conversaram com eles. O Exército-dourado de Ahnatnom. Hukram estava em outro cômodo da casa. A conversa não durou muito e logo deixaram aquele local. O menino perguntou sobre a visita. O assunto dos soldados foi sobre passar a vida dentro do reino, mas os pais do garoto negaram a oferta. Mesmo que falassem de comida e proteção no interior daqueles longos e colossais muros, ninguém podia confirmar nada. É um lugar que tudo sabe, mas nada revela-se. Hukram tinha conhecimento disso. Todos tinham conhecimento do reino de Ahnatnom e todo o seu poder.
As semanas seguiram-se. Mas não eram mais as mesmas. Estranhos desaparecimentos começaram a amedrontar aquela região. Pessoas sumindo de um dia para o outro, sem sinais ou qualquer tipo de vestígio, luta, nada. Isso fez com que os moradores ficassem em alerta, porém, ainda assim, os desaparecimentos continuaram. Dentre eles, a família de Hukram. Ela foi levada.
O jovem estava dormindo, quando foi despertado por um som. Olhou pela janela, mas nada. Somente estrelas e a vastidão das areias. Foi então no quarto dos pais para ver se estava tudo bem com eles. Abriu a porta de madeira bem devagar para não fazer barulho, mas somente a cama encontrou vazia. Sem acreditar, vasculho toda a casa. Nada. Foi para fora e nada. Mas sons longínquos de gritos e palavras de ordens ecoaram em seus ouvidos. Girou sobre seus calcanhares e avistou silhuetas humanas; uma figura feminina segurando um tipo de chicote e a outra, masculina, na posse do que parecia uma pistola e uma garrafa na outra mão, levando-a logo em seguida a boca, contra a luz do sol poente. Rapidamente foi até eles. Correu o mais rápido possível. Chegou ao alto da duna, avistou um grupo de soldados entre os desfiladeiros. Sim, seus pais estavam com eles juntamente com outras pessoas daquela região. Desceu num piscar de olhos. Mas, de repente, uma densa nuvem de poeira começou a circular aquele grupo de forma gradual, lenta, mas constante. Pareciam não se intimidar.
Hukram acelerou seus passos por entre as paredes rochosas. Porém, tudo sumiu; as pessoas, os soldados, a nuvem de poeira. Não tinha mais nada. Apenas as lagrimas nos olhos do garoto.
Longos foram os meses perambulando pelo deserto, mas nada do que já não tivesse feito antes. Mas agora era diferente.
As tempestades implacáveis testaram-no. Conseguiu esconder-se, mas os infinitos grãos de areia conseguiam achar uma forma de bater em todo o seu corpo.
Não bastasse isso, a fome marcava presença. Produziu suas próprias armas de caça com os animais que conseguia abater e claro, para sua proteção. Uma faca de osso e um gancho de osso também, ambos ligados por uma corda que encontrou em suas caminhadas.
Hukram mudou. Não por suas novas habilidades, mas fisicamente. Seu corpo não era mais o mesmo. Parecia que esfarelava quando tocava em algo. Até o dia que foi pegar sua arma para caçar e não conseguiu. Suas mãos esfarelaram-se por completo, assim, como também, todo o seu corpo. Estava morto? Claro que não, pois sentia tudo.
Entristeceu-se ao longo dos dias por não saber como lidar com aquilo, mas com o passar do tempo, aprendeu a aceitar sua nova situação.
Hukram não tinha mais medo e nem daquilo que o vinha seguindo já algum tempo. Uma fera do deserto com grande corpo revestido de couro. Longo rabo acompanhado de um poderoso ferrão e um par de asas com finos espinhos dos mais variados tamanhos ao final do seu corpo. O céu desse animal é o próprio deserto, próximo a superfície.
Hukram observou a fera abaixo dele. A enorme Arraia-do-deserto. Esperou o momento certo.
Pulou.
Uma enorme camada de poeira levantou-se e os envolveu. A Arraia foi para todas as direções, mas nada dele solta-la.
Mergulhou.
Um silencio se fez por entre os rochedos.
Mais adiante ela emergiu. Ele estava preso a ela com seu corpo todo revestido de areia. Nada podia feri-lo. Mais rodopios, todos em vão. Um tempo depois, a grandiosa fera não aguentou mais, cedeu ao domínio do seu domador.
Hukram venceu o animal, mas sabia que o deserto não se entregaria a ele. Muitas lutas estavam por vir. Dentre elas, aqueles que roubaram seus pais, tirando-o de sua família.
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The Guardians
FantasyO universo de "The Guardians" é repleto de fantasia, no qual, encontra-se bondade, maldade, companheirismo, individualismo. Por ironia, sorte ou azar, eles foram selecionados minuciosamente com habilidades distintas pelo destino. Explore esse unive...